A Partida

"A Partida" - "Okuribito", Japão, 2008

Direção: Yojiro Takita

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Ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2009, ”A Partida” saiu de cartaz em São Paulo depois de mais de 6 mêses de exibição.

E o filme trata de um tema aparentemente difícil para todos nós: a morte.

Aliás, pior ainda: o corpo do morto.Sabemos como esse assunto levanta tabus não só culturais mas também religiosos.

Talvez a maneira empática com que o filme nos leva a seguir a personagem principal, o ex-violoncelista Daigo Kobayashi, interpretado com muita arte por Masairo Motoki,  seja a chave para entender o seu sucesso.

Passo a passo seguimos Daigo,  primeiro tocando na orquestra ( e sentimos com ele a decepção quando esta é dissolvida e ele fica sem emprego), depois a aventura de se mudar com a mulher para a cidadezinha de sua infância.

E vamos descobrindo com a personagem os horrores, nojo e medo que se seguem à sua hesitação em prosseguir na carreira de “encomendador de corpos”que ele não escolhera livremente.

Quase que arrastado pelo patrão, que será seu mestre nessa difícil arte, Daigo cresce, amadurece e aprende a ver beleza onde antes existia apenas asco.

A experiência com o ritual que antecede a colocação do corpo no caixão vai mudar radicalmente a vida de Daigo.

A cena inicial do filme na qual uma tela branca vai mostrando, aos poucos, um carro que trafega em uma estrada em meio a uma nevasca é paradigmática.

Tanto que ela é repetida no meio do filme e aí já compreendemos melhor o que Daigo diz:

“- Vejo o quanto foi inexpressiva a minha vida até agora.”

O espectador também se encanta com a extraordinária beleza da cerimônia presidida por Daigo, que se tornou um profissional dessa arte.

Antigamente no Japão as famílias se ocupavam em preparar os corpos dos parentes mortos mas, depois, essa tarefa foi transferida para profissionais e assistida pela família.

Daigo é iniciado nesse ritual por um mestre, Shoel Sasaki (Tsutomu Yamasaki). Apreensivo nas primeiras vezes e confiante depois,fazendo ele mesmo o trabalho, Daigo e seu mestre executam os passos dessa cerimônia com gestos suaves,quase carícias. Primeiro distendendo os músculos da face do rosto da pessoa morta, depois despindo-a com pudor para que nenhum membro da família veja nenhum pedaço da pele do morto, depois ainda limpando-o com delicadeza.

Aí o corpo é vestido e por fim a maquiagem faz com que o rosto ganhe brilho, beleza e…vida.

Este é o momento mais emocionante para os familiares que reencontram a pessoa que morreu.

E é o momento do adeus.

Todos fixam em seus corações a imagem bela que ficará na lembrança. E só aí é que o corpo é colocado suavemente no caixão.

A cerimônia independe da religião da família. No filme vemos tanto um enterro cristão como uma cremação budista.

E como o roteiro convida, seguimos Daigo também em sua vida pessoal. Assistimos à sua raiva contra o pai que abandonou a família quando ele tinha seis anos e, depois, à sua reconciliação madura com o homem que lhe ensinara a gostar de música e lhe dera o violoncelo da infância.

É com esse instrumento que Daigo toca no campo, ao ar livre, em meio a montanhas nevadas e gansos cruzando os céus, enquanto procura o pai dentro de si.

A mais comovente lembrança de Daigo envolve uma tradição que seu pai lhe ensinara: a linguagem das pedras-cartas. Aprendemos então que, antes de existir a escrita, as pessoas mandavam pedras umas às outras. Conforme a textura, o tamanho e a cor, elas inspiravam sentimentos diversos em quem as recebia.

Uma vez o pai de Daigo o leva ao rio e eles trocam pedras entre si.

Aquela que o pai lhe dera, ele encontrou junto ao violoncelo da infância, embrulhada numa partitura.

Mas onde estará aquela que ele deu ao pai?

A cena final do filme comove até o mais empedernido espectador.

Na evolução dessa história, contada com maestria, a música ajuda a aprofundar as emoções. Joe Hisaishi é o responsável pela trilha sonora que vai da Nona Sinfonia de Beethoven com o coro cantando a “Ode à Alegria” até a “Ave Maria” de Gounod e o “Wiegenlied” de Brahams em solos de violoncelo e a belíssima canção-tema do filme.

“A Partida” fala de um tema universal mas é japonês até no mínimo detalhe. E esse é o seu mérito. Pois não é falando de sua aldeia que o homem é compreendido por toda a humanidade?

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Amantes

"Amantes" - "Two Lovers", Estados Unidos, 2008

Direção: James Gray

É uma pena mas a tradução do título do filme do inglês para o português faz com que se perca o sentido de entre dois amores que existe na história que ‘’Amantes’’ quer contar.

Joaquin Phoenix, um ator que tira uma máxima expressão de pormenores, dá vida a Leonard, um homem só, perdido, abandonado.

Sua aparição no ‘’pier’’ escuro nos faz compreender de imediato o estado desesperador em que se encontra. Em câmara lenta larga a roupa envolvida em plástico de lavanderia que levava e pula a mureta. Mergulha para a morte.

Mas é salvo e vamos descobrindo através das conversas entre seus pais que essa é a segunda tentativa de suicídio por causa da noiva que o abandonou. O retrato dela está ainda lá em seu quarto para que possa remoer essa dor.

Em “flashback” vemos a moça indo embora e ficamos sabendo que ambos eram portadores da possibilidade de uma doença genética grave. Não poderiam jamais ter filhos e ela não queria adotar.

Leonard toma remédios para doença bipolar e é a imagem da derrota.

Sabemos o quanto de ódio existe nesse estado de alma que chamamos depressão.

Pois bem, quando quis morrer, Leonard parecia querer matar tudo que nele o enchia de frustração: a doença genética, a angústia do abandono, a dor de não poder mudar nada disso. Doia nele, principalmente, a revolta contra a vida que ele não queria que acontecesse do jeito que estava acontecendo.

E não é por acaso que se sente imediatamente atraído por Michelle, desde a primeira vez que a vê, no corredor de seu prédio. São vizinhos.

Gwyneth Paltrow, também excelente no papel, faz essa “pirralha mimada” como diz o pai dela aos berros, saindo de uma visita à filha.

No mesmo instante em que a vê, Leonard crava os olhos nela: uma garota dourada que se veste de preto.

Claro que para esquecer a noiva amada, nada melhor que uma moça que parece só, perdida e abandonada como ele. Uma miragem.

Mas é a auto-destruição que ele fareja nela que o seduz.

Michelle não tem foco na vida: drogas, baladas, assistente e amante de um advogado casado que diz amá-la mas não larga a família…

Ela é o amor de perdição para Leonard.

Ele, de família judia tradicional, tem o carinho da mãe e do pai.

Isabella Rosselini faz a “jewish mamma” de forma sutil, só olhares preocupados e gestos contidos de proteção.

Para Leonard, seus pais escolhem Sandra (Vinessa Shaw), boa moça de família judia com as mesmas tradições que eles.

E Sandra atrai Leonard para si naturalmente. E o prende com um amor que não é exigente. Bonita e sensual faz amor com ele em uma cena sem gritos mas erótica. Paciente e compreensiva, o aquece com as luvas que comprou para suas mãos geladas.

Ela é o amor de redenção para Leonard.

“Amantes” ficou em cartaz por seis meses em São Paulo. Penso que o público é atraído por esse filme porque há nele o que há nos grandes romances literários

ou seja, humanidade, conflito e paixão.

Além de uma trilha sonora belíssima que vai de bossa nova tocada por Stan Getz (Tom Jobim com “Vivo sonhando” e Jorge Benjor com “Chove chuva”)  a árias de várias óperas (entre as quais “Cavalleria Rusticana”e “Manon Lescaut”)  no vozeirão de Pavarotti.

“Amantes” nos fala da importância das escolhas que fazemos na vida. E da responsabilidade que vem com elas.

Entrevistado por Luiz Carlos Merten, James Gray disse: “- Queria dar ao filme essa textura muito intensa que só se encontra na grande literatura romântica, nos maiores melodramas e na ópera. O amor como sentimento visceral.”

James Gray conseguiu o que queria.

“Amantes” é um filme que merece ser visto e não vai ser esquecido.

 

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