Julie e Julia

"Julie e Julia", Estados Unidos, 2009

Direção: Nora Ephron

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Se você quiser assistir uma comédia inteligente, com um tema original, escolha sem medo “Julie e Julia”.

A diretora Nora Ephron, que também é roteirista do filme, é conhecida por cenas inesquecíveis como aquela de “Harry e Sally” (1989) na qual a moça simula um orgasmo, sem economizar gemidos e gritos, em pleno restaurante, para provar que as mulheres sabem fingir muito bem. A senhora ao lado pede ao garçom: “Eu também quero o que aquela moça está comendo.”

Dessa vez Norah Ephron também escolheu como tema comida e sexo, o amor e suas delícias e amargores.

O filme é baseado em histórias reais contadas nos livros “Julie e Julia”, de Julie Powell e “Minha vida na França”, de Julia Child.

No filme, estas duas autoras aparecem em cenas que alternam França (Paris e Marseille) a partir de 1949 e EUA (New York, Queens) de 2002 a 2004.

Julia Child, mulher de um diplomata apaixonado (Stanley Tucci, ótimo no papel), segue o marido a Paris e encanta-se com a França dos anos 50.

Meryl Streep, mais engraçada do que nunca, recria o mulherão de 1.88m, com voz melíflua e de bem com a vida.

Seu projeto era escrever um livro de culinária que ensinasse às mulheres americanas sem empregada a fazer com capricho pratos da cozinha francesa.

Julia Child acabou na televisão americana em um programa de arte culinária no qual explicava a receita e encarava as dificuldades de fazê-las, incutindo confiança e coragem nas mulheres americanas para enfrentar a cozinha francesa. Tornou-se a “chef” mais famosa dos Estados Unidos.

Julie, interpretada por uma Amy Adams engraçadinha mas que nunca faz sombra a Meryl Streep, toma a decisão de sua vida tentando recriar as 524 receitas do livro de Julia Child em 365 dias enquanto escreve seus triunfos e desânimos em um blog que se torna famoso.

Ela vai parar no New York Times. Mas, para sua decepção, nunca se encontrou com Julia Child, seu ídolo, que ainda era viva e tinha mais de 90 anos nessa época.

O filme explora bem as comparações entre as duas mulheres, diferentes em tudo.

Para Julia, a vida era uma descoberta de prazeres e ela trabalhava com afinco em seu livro, sempre muito calorosa e compreensiva com todos ao seu redor. Engraçada e competente cursa o “Le Cordon Bleu”, curso de arte culinária francesa em Paris, freqüentado apenas por homens.

São hilárias as cenas que mostram o aprendizado de picar cebolas, matar uma lagosta ou desossar um pato.

Mas, para Julie, que vive a crise dos 30 anos no século XXI, o blog torna-se o centro de sua vida e ela espanta-se ao perceber que o marido acha que ela é uma grande egoísta, que só pensa em si mesma.

Ela quer ser famosa como quase todo mundo hoje em dia. E paga o preço.

“Julie e Julia” tem também o mérito de encher os olhos da plateia com belos pratos da culinária trabalhosa (como bem mostra o sofrimento de Julie em sua cozinha apertada), feita a partir dos melhores ingredientes nas mais belas panelas francesas.

Mais que isso, acena com um retorno à alimentação prazeirosa e feita com amor.

Não percam”Julie e Julia”, que tem o sabor de um bom suflê, criado por um “chef” francês, claro.

“’Bon appétit!”

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Abraços Partidos

"Abraços Partidos", 2009

Direção: Pedro Almodóvar

O mais conhecido diretor espanhol, depois de Luis Buñuel, diz sobre esse seu décimo sétimo filme, em uma entrevista:

“- Eu acho que esse roteiro é o mais complexo que eu já escrevi…fiz esse filme partindo dos meus outros filmes…e dessa vez os personagens masculinos são tão importantes quanto os femininos. Isso é novo para mim. Acho que esse filme é uma verdadeira declaração de amor ao cinema.”

Por essas colocações, o espectador pode se preparar para um verdadeiro “tour de force” porque “Abraços partidos” tem várias camadas. E pode confundir os menos avisados.

A história do filme é labiríntica e sensual. O clima é de obsessão e paranóia. O suspense a la Hitchcock envolve a platéia pela curiosidade e tensão por meio de “flashbacks” e reviravoltas, decepções e surpresas.

Almodóvar brinca com o gênero “noir” e o melodrama, usando seu extraordinário talento de contador de histórias. E aqui os temas serão a dupla identidade,a paranóia romântica e o destino como a vida já escrita.

No início do filme vemos Harry Caine (Lluis Homar), um homem que não enxerga, viver por seus outros sentidos.

Diz:”- Uma vida só não me bastava…”

E, aos poucos, vamos entendendo que Harry Caine é o pseudônimo de Mateo Blanco, diretor de cinema apaixonado por sua atriz (Penélope Cruz, pós Oscar e pós Woody Allen e magnífica).

Quatorze anos antes ele sofrera um brutal acidente de carro na ilha de Lanzarote, no qual perdeu não só sua visão mas o amor de sua vida.

A partir de então, como que querendo matar o seu passado que o faz sofrer, Mateo Blanco adota definitivamente o nome de Harry Caine e vive uma vida baseada no auto-engano.

Quem o salva dessa amnésia reconfortante mas mumificadora é Diego (Tamar Novas), filho de sua assistente Judith (Blanca Portillo). Ele lhe pede após um acidente, deitado em sua cama de convalescente, que Harry lhe conte a história de sua vida quando ainda era Mateo Blanco.

Surpreso com o pedido, Harry conta essa história a Diego, como um pai que quer fazer dormir o seu menino.

E a história de Mateo, Lena, Judith e Ernesto Martel (marido de Lena) é um labirinto de paixões, ciúmes, traições e fatalidade.

Almodóvar conta em uma entrevista sobre a imagem que contém a chave para entender “Abraços partidos”. E que no filme aparece como uma foto de Lena e Mateo. Almodóvar mesmo a tirou. Mostra a praia do Golfo na ilha de Lanzarote em 2000. Quando foi revelada, a foto mostrou que havia um casal se abraçando quando Almodóvar clicou sua máquina.

“- Eu senti que esse casal tinha um segredo’’diz Almodóvar. “A ilha inteira guardava esse segredo. Eu tinha que desvendá-lo”.

E “Abraços partidos” é o desvelamento desse segredo que envolve coincidências trágicas.

A um certo momento do filme aparece na TV, que Lena e Mateo assistem, trecho do filme de Roberto Rossellini,

 

“Viaggio in Italia” que mostra arqueólogos encontrando em Pompéia os corpos petrificados de um casal abraçado, fatalmente colhido pelas lavas do Vesúvio.

O “close” de Ingrid Bergman traz uma pista apaixonante para entendermos “Abraços partidos”. Ela chora horrorizada. E sabemos o quanto foi apaixonada essa atriz pelo seu diretor…

Há outras inúmeras homenagens ao cinema em “Abraços partidos” como as fotos em que Penélope Cruz encarna, como Lena, Audrey Hepburn e Marilyn Monroe.

Os personagens do filme são atores atuando em um filme dentro de um filme.

E não é à toa que Lena usa o pseudônimo Sévèrine quando trabalha como garota de programa. Lembram-se de Cathérine Deneuve em “Belle de Jour” de Buñuel? Seu nome era Sévèrine quando não estava no bordel.

Pedro Almodóvar depois de um Oscar pelo roteiro de “Fale com ela”(2002), 90 outros prêmios e 59 indicações, continua a fazer um cinema de autor que brilha pela originalidade.

As cores fortes, o humor escrachado e o interesse pelos personagens à margem das normas sociais continuam presentes também em “Abraços partidos”.

Esse filme que enfatiza a estética almodovariana de histórias circulares, comove e envolve. E escancara sua paixão pelo que ele faz tão bem: cinema.

“- O cinema pode preencher os espaços vazios de nossa vida e nossa solidão”, disse ele um dia.

Almodóvar  “dixit” (falou!)

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