Chico Xavier

“Chico Xavier”, Brasil, 2010

Direção: Daniel Filho

Oferecimento Arezzo

Mais dia menos dia ele viraria com certeza personagem de cinema. Quem mais que o controvertido Chico Xavier (1910-2002) para encabeçar a lista de quem quer contar a história do misticismo no Brasil do século XX?
O órfão sofrido de uma cidadezinha mineira que se consola em conversas com a mãe já morta (a bela Leticia Sabatella ), debaixo de uma árvore frondosa no cemitério, é a cena que marca o espectador e o prepara para o que virá a seguir : um jovem se convence de que tem uma missão de ajudar a quem sofre.
Uma vida extraordinária será contada de maneira hábil para prender a nossa atenção, através das idas e vindas que o roteiro de Marcos Bernstein propõe, inspirado no livro de Marcel Souto Maior, “As vidas de Chico Xavier”.
De um estúdio da antiga TV Tupi em 1971, onde se desenrola o programa “Pinga Fogo” que entrevista Chico Xavier ao vivo,vamos e voltamos da Minas natal, acompanhando a vida desse homem intrigante.
Adorado por muitos como um santo, detratado por outros como uma fraude, Chico Xavier é mostrado no filme como sendo, principalmente, um homem bom, afável e bem humorado.
Interpretado de maneira convincente por três atores, tanto o menino (Matheus Costa), quanto o jovem (Angelo Antonio) e o homem maduro (Nelson Xavier), emocionam a plateia cada um à sua maneira.Todos eles fazem o médium com um traço comum: doçura e carisma.
Vale ressaltar a atuação de Nelson Xavier que assusta de tão parecido com Chico Xavier o ator conseguiu tornar-se. Sem qualquer esforço aparente, ele nos presenteia com uma verdadeira encarnação do médium. Assombroso.
Daniel Filho que assina a produção e a direção acertou na escolha do elenco primoroso e do cenário bucólico das ruas de pedra e telhados amplos de Minas. Acertou também no clima simpático ao seu personagem principal.
Sentir o impacto da personalidade de Chico Xavier na plateia foi de arrepiar. Todos sabemos como cinema de shopping geralmente impede o espectador curioso de ver os letreiros finais com calma. A praça de alimentação ou a corrida para o estacionamento faz com que todos se levantem com pressa e tumulto.
Pois dessa vez não foi assim. Um achado muito usado em filmes sobre histórias reais, ou seja, o aparecimento de imagens da pessoa na vida de quem o filme se baseou, causou aqui um efeito bastante inusitado.
Nem um pio. Só se ouvia a voz do próprio Chico Xavier que, em filminhos preto e branco projetados do lado esquerdo da tela, paralisava e fascinava todo mundo.
Ninguém levantou nem pisou no meu pé.
Chico Xavier, contando em pessoa aquilo que o filme tinha acabado de mostrar, demonstrou cabalmente porque foi quem foi.
Acenderam-se as luzes e ouviram-se aplausos.
Carisma puro.

Ler Mais

Diário perdido

"Diário perdido" - "Mères et filles", França, 2009

Direção: Julie Lopes-Curval

Se você é mãe de uma filha ou se é só filha mas pode ter filhas, esse filme vai tocar em um ponto frágil do seu coração.
Estamos na França, nos dias de hoje e uma filha visita os pais em uma pequena cidade à beira-mar. Ela vem do Canadá, onde mora. É solteira, engenheira e liberada.
Logo sentimos um clima de quase animosidade entre a filha Audrey (Marina Hands) e sua mãe, Martine (Catherine Deneuve) que é médica e gelada como um vento de inverno.
Não é à toa que a diretora, Julie Lopes-Curval chamou de “Mães e filhas” o seu filme. Como sempre, o tradutor brasileiro acha que sabe mais…Ou vai ver que ele é homem e não entende nada de mães e filhas. Sem ofensa.
Aliás, a certa altura do filme, o pai de Audrey reclama sobre as histórias entre ela e a mãe:
“- Se fosse o pai, ninguém ligava. Eu cozinhava para você, eu estudava com você… Mas perder o pai não é nada…”
O filme não conta uma história banal. Há um suspense no ar. Mas o mais tocante é que em seus pequenos detalhes vai nos fazer lembrar de nossas mães e avós, do quotidiano feminino que testemunhamos quando meninas.
No filme, há uma estranha convivência entre a neta do século XXI e sua avó que viveu nos anos difíceis do pós-guerra. Audrey “vê” sua avó Louise na cozinha, na praia com os filhos (sua mãe e seu tio) e com o avô. E percebe os conflitos passados enquanto vive os próprios conflitos no presente.
Vai viver na casa da avó e encontra na cozinha o famoso diário perdido da tradução do título em português. Nele ela vai aprender receitas antigas e saborosas mas, principalmente, vai descobrir coisas sobre a avó, sua mãe e sobre si mesma.
Um elo invisível e forte liga essas três gerações de mulheres. E a história agridoce desse feminino familiar se faz universal na medida em que todas nós, mulheres, somos herdeiras do que a geração de nossas avós conquistou para todas nós.
Hoje parece coisa fácil mas a liberdade de ir e vir, estudar, abrir conta no banco, trabalhar e até poder andar de ônibus sozinha, já foram privilégios negados às mulheres.
Essas conquistas mundanas já são coisa do nosso dia a dia mas o feminino em nós ainda guarda os seus mistérios… E isso passa de mãe para filha. Cada par tem o seu.
Vá pensar sobre isso depois de ver “Diário perdido”.

Ler Mais