O Profeta
"O Profeta" - “Un prophète”, França/ Itália, 2009 Elenco: Tahar Rahim, Niels Arestrup, Adel Bencherif, Hichem Yacoubi, Reda Kateb, Jean-Philippe Ricci Produção: Lauranne Bourrachot, Martine Cassinelli, Marco Cherqui Roteiro: Thomas Bidegain, Jacques Audiard Fotografia: Stéphane Fontaine Trilha Sonora: Alexandre Desplat Classificação: 12 anos
Direção: Jacques Audiard
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A tela é escura. Vozes se entrecortam. Os letreiros aparecem em amarelo. Alguém reclama das algemas em seu pulso. Sentimos, no escuro, que o medo é o melhor aliado da sobrevivência.
Nesse primeiro impacto já se anuncia a saga do anti-herói Malik, um menino francês de origem árabe em Paris, que sai do reformatório e vai direto para a prisão cumprir pena de seis anos porque ficou adulto. Passa pela “cidade das luzes” no breu de um carro de polícia.
Pouco ou nada sabemos desse garoto que não conseguimos ver nas imagens indistintas e tumultuadas que abrem o filme “O profeta”. Mas o mais importante é o que se percebe desde o início: sua história lê-se no corpo magro marcado por cicatrizes profundas. Foi muito castigado.
Nada possue, a não ser uma nota de 500 euros que esconde com cuidado e da qual é despojado na entrada da cadeia. Revistado em todos os buracos de seu corpo, onde se esconde a sua alma?
Talvez seja esse o principal fio condutor para entender Malik: ele procura saber quem é. Solitário, não tem amigos nem identidade. Mas, precisa ter, para sobreviver naquele mundo onde mandam os chefes das máfias, corsos e árabes, que orquestram o crime organizado de dentro da cadeia.
Tarefa árdua para quem não sabe responder às perguntas do funcionário da prisão:
– Qual a sua língua materna?
Ele balbucia algo como “não tenho”…”reformatório”… “francês”…”árabe”…
-Mas se você preencheu a sua ficha de modo incompleto, você estudou um pouco, não?
-Até os 11 anos…
Ele é semi-analfabeto. Aliás pode até conhecer algumas letras mas nada faz muito sentido para ele. Ele até aprende a ler e um ofício na prisão. Mas é muito pouco.
O diretor Jacques Audiard conta essa história com cores rebaixadas e cortes abruptos. A ação não é interrompida por explicações. Cabe ao espectador acompanhar a descida aos infernos de Malik (Tahar Rahim).
Os modelos que ele segue na prisão, para colar-se neles porque não sabe o quê fazer, são os disponíveis. Para quem precisa de pai, ele encontra um patrão perverso, o corso Luciani (Niels Arestrup):
– “Acha que vai durar aqui sem proteção? Você vai fazer o que eu mando. Você vai matar o árabe. Você consegue. Vamos ajudar. Mas saiba de uma coisa. Se você não matá-lo, sou eu que mato você.”
Na cadeia, a desgraçadamente famosa “escola do crime”, em busca de proteção, apego, identidade, Malik vai conhecer o mundo das sombras dentro dele. E vai ter relances do que poderia ter sido, se o destino não o colocasse em situações-limite nas quais as reações são às cegas e o medo da morte rege a mente.
Malik se apega a seus demônios internos na falta de uma tábua de salvação. Mas ele já afundou e não sabe.
Há momentos de lirismo e quase felicidade quando Malik voa de avião pela primeira vez em sua vida, quando conhece o mar ou nina o bebê, filho do amigo Ryad. Mas ainda é muito pouco.
Malik é a presa no mar de lama e sangue onde afundou. Por isso percebe o perigo que correm as gazelas na estrada que corta o bosque e por onde transita um carro a toda velocidade. Massacre.
-Como adivinhou Malik? Você é profeta?
E na cena final somos nós que, com horror, percebemos o perigo que ronda um Malik que, finalmente liberto da prisão, acha que se encontrou e que vai ter e dar amor.
Alguém canta de um modo sarcástico a canção “Mack the Knife” da “Ópera dos três vinténs” de Brecht que fala de um tubarão que esconde os dentes…
“O profeta” ganhou o “Grand Prix” do Festival de Cannes em 2009 e confirmou sua carreira de sucesso com nove Césars, o Oscar francês, entre os quais o de melhor filme, melhor ator para Tahar Rahim, melhor ator coadjuvante para Niels Arestup, melhor argumento original e melhor cenografia.
É um filme duro, difícil de ver mas obrigatório para quem quer pensar as questões humanas em boa companhia.