Comer Rezar Amar

“Comer Rezar Amar” – “Eat Pray Love”, EUA, 2010

Direção: Ryan Murphy

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A vontade de sair mundo à fora para buscar respostas quando se vive uma crise, já passou pela cabeça de muita gente. Aliás, o tema inspirou a criação de personagens célebres que fizeram viagens iniciáticas tanto em livros quanto em óperas e filmes.

Elizabeth Gilbert, escritora e habitante de New York, uma das cidades mais cosmopolitas do mundo, também teve a idéia, fez a viagem e escreveu o livro.

“Comer Rezar Amar” virou bestseller e encantou principalmente leitoras no mundo todo.

Agora é filme, dirigido com bom gosto por Ryan Murphy, que veio do seriado de sucesso na televisão, “Glee”, e é estrelado pela charmosa e simpática atriz Julia Roberts,  James Franco e pelo “gatão” latino Javier Bardem.

Quase nove milhões de livros vendidos até agora, falam a favor da escritora que sabe seduzir, principalmente leitoras. Até por isso alguns críticos chamaram “Comer Rezar Amar” de “filme de meninas”. Mas acho que meninos também podem gostar. Afinal, belas paisagens em lugares românticos e histórias de amor agradam a todo mundo que vai ao cinema.

Dividido em três partes, o filme, muito fiel ao livro, conta o ano sabático de Liz Gilbert, através de peripécias acontecidas na Itália, India e Indonésia. A escritora escolheu o roteiro enquanto convalescia de um complicado divórcio. Conta ela no livro que emagreceu sofridos quinze quilos no processo, o que explica o foco em comida como sua primeira escolha de trajeto.

E preparem-se para um festival de closes apetitosos em massas, risotos, pizzas e sorvetes. Tudo lindamente apresentado e comido com gosto por uma Julia Roberts fazendo uma mulher que recupera o viço e o prazer de viver. E mais ainda, enquanto comia, Liz aprendia o italiano, língua que lhe dava tanto prazer quanto a comida e a reconciliava com os afetos e a comunicação gestual, nas fotogênicas vielas romanas. Uma festa para os sentidos.

A India, objeto preferido de consumo de todo “globetrotter” minimamente sofisticado, inspira a parte mística do filme, já que Liz resolve ficar no “ashram” de uma guru famosa, desistindo do turismo. Nem Taj Mahal, nem Ganges, nem Rajastão.

No livro, a escritora passa para o leitor suas experiências com a descoberta da meditação e da sabedoria do hinduísmo. E os sacrifícios envolvidos nisso. Horas e horas em posição de lótus, acordar às 4:30 da manhã para rezar, agüentar picadas de mosquitos famintos em um calor de rachar além de lavar todo o dia o chão do templo, acabam mostrando a Liz o que ela viera procurar na India.

No filme, a ênfase é posta em sua relação com o texano melancólico Richard (feito por Richard Jenkins, ator sempre competente), que promove “insights” em Liz com seus comentários bem colocados e a garota Tulsi, que dá o colorido indiano ao filme.

E na terceira parada, a ilha de Bali, na Indonésia, com praias e campos de arroz de um verde inesquecível, é o cenário perfeito para Liz colocar em prática tudo que tinha aprendido em sua peregrinação até aqui.

Afinal, amar e ser amado é coisa primordial para seres humanos que buscam realização. E, para ela, é o reconhecimento de que suas feridas amorosas estavam curadas.

Tenho ouvido críticas ao sotaque de Javier Bardem que faz o brasileiro do filme. Ora, sugiro que prestem mais atenção no de João Gilberto cantando “ ’S Wonderful” que toca como fundo de uma cena romântica. Bem “macarrônico”, o inglês do João em nada prejudica o show de afinação e balanço de bossa que ele dá. Pensem nisso e dêem uma chance ao charme latino.

Aliás, a trilha sonora escolhida é para comprar e ficar ouvindo sem parar. Vai de Mozart à bossa nova.

“Comer Rezar Amar”, sem ser um filme excepcional, agrada a quem também gostaria de fazer uma viagem dessas buscando respostas para seu auto-conhecimento e encontrando ainda mais prazeres na vida.

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Dois Irmãos

Dois Irmãos - Dos Hermanos, Argentina/ Uruguai/ França

Direção: Daniel Burman

Todos nós conhecemos o Caim e o Abel que vivem em nosso mundo íntimo. São eles os responsáveis tanto pelos momentos de amor fraterno, quanto pelo ódio das lutas fratricidas.

Tão universais quanto o Édipo, os irmãos bíblicos são o tema do novo filme do jovem diretor argentino Daniel Burman, conhecido entre nós por “Ninho Vazio”(2008), que trata do casal sem os filhos que partiram para a vida e “Abraço Partido”(2004) que lida com a questão do pai ausente.

Adaptado do livro “Villa Llaura” do escritor e também roteirista Sergio Dubcovsky e filmado em Buenos Aires e Carmelo, no Uruguai, “Dois Irmãos” é uma tragicomédia que conta com dois excelentes atores argentinos, Graciela Borges e Antonio Gasalla.

A história é simples e se ocupa de dois irmãos, já entrados em anos, em tudo opostos entre si. Enquanto Marcos aceita seu destino com o coração aberto apesar de alguma mágoa, Susana tenta, através de perucas, maquiagem, figurinos excêntricos e andar desenvolto, manter a aura de beleza e viço da mulher que ela foi um dia e que quase não está mais ali. Os dois chegaram a uma idade em que, dificilmente, a vida dá uma virada para melhor.

Susana, corretora de imóveis extrovertida e egoísta, passou sempre por cima do irmão Marcos, tímido e generoso, a quem entregou o trabalho de ocupar-se da mãe velhinha. Quando ela morre, Susana vende o apartamento em Buenos Aires, apropria-se do dinheiro e convence Marcos a mudar-se para Carmelo, balneário pobre no Uruguai.

Relutante, Marcos escuta a irmã dourar a pílula, enquanto atravessam o rio da Prata, na balsa que os leva ao país vizinho:

“-Você precisa pensar que, em Villa Llaura, vai passar seus últimos dias em um lugar de sonho.”

Tão dócil com a irmã como tinha sido com a mãe de ambos, Marcos aceita a troca de países e volta ao antigo trabalho de ourives. Mas, genuinamente aberto para a vida, durante um passeio pelo povoado simples, encontra o sonho verdadeiro, que era cruel mentira na boca da irmã mal intencionada.

Mais uma vez, através da personagem Susana, Burman debruça-se sobre o panorama da classe média decadente mas que não perde a pose na cidade portenha.

O Brasil entra na história através de um episódio engraçado em que, em uma festa da embaixada, os irmãos, qual primos pobres, enchem a bolsa e os bolsos de petiscos e frutas brasileiras.

O diretor argentino, como é seu estilo, filma essa história com delicadeza. Há um olhar carinhoso e otimista sobre a vida, com o qual nos conforta, porque faz pensar que a velhice não precisa ser, necessáriamente, feia e solitária.

A cena final encanta pela doçura e pela beleza do rio que se chama da Prata e que aqui faz juz ao nome que tem.

E, quando passam os créditos finais, não saiam correndo do cinema porque os velhinhos se divertem, vestidos a caráter para um sapateado ao som de “Put it on the Ritz”.

E a gente vai para casa acreditando, como Burman, que a vida pode sempre melhorar, dependendo, claro, do nosso talento para tanto.

Ou, como disse Graciela Borges, a Susana de “Dois Irmãos” em entrevista no Brasil:

”- O tempo nos ajuda se a gente absorve tudo que a experiência nos ensina.”

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