O Mágico

O Mágico – “L’Illusionniste” França/ Reino Unido, 2010

Direção: Sylvain Chomet

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Se você é uma pessoa sofisticada e não é mais uma criança, vai se encantar com o novo desenho animado de Sylvain Chomet, “O Mágico”.

Foi ele quem fez “As Bicicletas de Bellevue” (2003), um primor de animação, indicada ao Oscar.

Agora, trata-se, nada mais nada menos, de um roteiro original do grande Jacques Tati (1907-1982), o criador de M. Hulot, célebre personagem de “Mon Oncle”(Meu Tio), de 1958.

Quem tem mais de 50 anos (ou quem é apaixonado por cinema e viu o filme), lembra-se, com certeza, dessa comédia fora dos parâmetros de todas as épocas, na qual, com uma ironia mordaz, Tati fazia uma caricatura aos anos 50, troçando das “modernidades” trazidas à Europa, que tinha se americanizado, perdendo muito do charme de antes da Segunda Guerra.

Alto e magro, sempre de capa de chuva e cachimbo, o atrapalhado M. Hulot inspira o personagem Tatischeff de “O Mágico”. Aliás, esse era o verdadeiro sobrenome de Jacques Tati. Em uma cena do desenho, o mágico entra em um cinema onde está passando “Mon Oncle”. Uma das muitas homenagens que Sylvain Chomet presta a esse gênio do cinema em sua animação mais recente.

A história do roteiro de “O Mágico”, no entanto, desvenda uma característica menos conhecida de Jacques Tati: uma melancolia envergonhada.

Ele era pai de uma filha ilegítima, Helga, fruto de um romance com uma bailarina austríaca. Nunca a reconheceu, pressionado por sua irmã e nem respondia às suas cartas e telefonemas. Mas escreveu-lhe uma carta que nunca entregou… Pois essa carta é o roteiro de “O Mágico”.

Esse detalhe patético torna-se a chave para a motivação psicológica de “O Mágico”: a impotência perante certas circunstâncias da vida. Trata-se do aparecimento do irreparável.

Podemos deduzir que essa relação pai/filha seja o centro da história contada no roteiro/carta. Pois, o mágico decadente vai parar na Escócia onde encontra Alice, a menina pobre e orfã que ele leva para a capital Edimburgo, belamente desenhada com luzes de sonho.

Por Alice, ele faz de tudo. Todo os sacrifícios não são nada e ele suporta tudo para vê-la sorrir, vestida como uma princesa de vitrine. Tributo secreto a Helga, com quem nunca falou? É quase certo.

Esse roteiro, que sofreu poucas modificações, foi entregue a Chomet por Sophie, a filha legítima de Jacques Tati, a quem o diretor dedica o seu trabalho.

O traço elegante e detalhista de “O Mágico” difere em tudo dos atuais desenhos animados. Aqui a atmosfera é antiguinha, o charme dos traços lembra livros de história do começo do século passado e não há um final feliz convencional.

“O Mágico” mostra o ritmo do mundo, no qual alguém está sempre sendo descartado para que outra pessoa possa assumir o posto. Ninguém é insubstituível e o envelhecimento encolhe o ardor dos aplausos de um público que busca sempre novidades. A tristeza e a melancolia fazem parte da vida…

Quase não há diálogos nesse desenho animado para gente grande com capacidade de compreensão e empatia. E nem precisa. Tal qual Jacques Tati, Sylvain Chomet sabe comunicar-se criando situações plenas de afeto, linguagem de gestos e expressões faciais.

Esse desenho animado europeu tem agradado à crítica mundial, já coleciona prêmios, concorreu ao Globo de Ouro de melhor animação e foi indicado ao Bafta, o Oscar inglês de melhor realização técnica.

“O Mágico” trata de valores morais e sentimentos que nunca vão sair de moda. Vá ver essa pequena jóia e esqueça a brutalidade e o mau gosto que tanto enfeiam esse nosso mundo de hoje.

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Além da Vida

“Hereafter”, Estados Unidos, 2010

Direção: Clint Eastwood

Existe vida depois da morte? Todas as religiões que apareceram para responder a essa pergunta, feita desde tempos imemoriais pela humanidade, professam que sim. Mas será que essa resposta, que pacifica o nosso narcisismo em busca de continuação, realmente nos ajuda?

No novo e maravilhoso filme de Clint Eastwood, “Além da Vida”, são contadas três histórias com personagens que vivem a proximidade com a morte.

Em duas dessas histórias, vemos que nem sempre há paz e aceitação quando a pessoa crê que a nossa vida não termina com a morte. Acontece muitas vezes quando se perde alguém querido. Há uma obsessão, em alguns, a querer comunicar-se com o ente amado, que acaba impedindo o trabalho do luto. Daí a velha profissão do vidente charlatão.

É o caso do menino Marcus (Frankie McLaren) que perde seu irmão gêmeo Jason (George McLaren) e não se conforma. De tanto procurar, e se decepcionar, acaba conhecendo o vidente George (Matt Damon), para quem o dom de comunicar-se com os mortos (porque é o que ele acredita que acontece), torna-se uma maldição da qual ele quer se livrar. Os dois vão viver uma experiência de solidariedade que vai ajudar a ambos.

A outra história envolve uma jornalista francesa (Cécile de France) que se atormenta com o que virá depois da morte. Ela enfrentou um tsunami e teve uma experiência de morte e volta à vida, com visões de vultos e sensações estranhas, que ela precisa entender. Larga o trabalho e faz uma peregrinação em busca de respostas científicas para o assunto. E escreve um livro que vai resgatá-la, de maneira inesperada, para o amor.

E esqueçam os filmes-catástrofe tipo “2012”. Porque “Além da Vida” começa com a cena de um tsunami, concebida por Michael Owens, com tal perfeição, que é de gelar os ossos.

Quando houve a tragédia no Natal de 2004, o mundo inteiro se comoveu e se amedrontou com as fotos e filmes que chegavam às TVs e jornais, com cifras assustadoras de mortos.

Quem, a partir daí, não imaginou a cena do mar se retraindo e voltando sob forma de onda gigantesca e mortal?

Pois a concepção do tsunami no filme de Eastwod merece Oscar. Vai além da visão óbvia e terrível, porque faz com que a gente se identifique com a jornalista Marie e afunde também naquelas águas revoltas em que tudo se mistura. Compreendemos que o ser humano que se debate para vir à tona, não luta só com a água. Tem que enfrentar tudo que vem na enxurrada gigantesca para vencer a morte.

E a verdade é que a morte nos assusta. Sabemos que ela é certa. E que vamos lutar muito contra ela.

Talvez por isso ela se agarre a nós como uma idéia fixa de vencê-la (como a jornalista Marie), ou ela nos deixa sós e como defesa queremos negá-la (como o gêmeo Marcus) ou há quem tenha nela um motivo para entrar em contato com pessoas (como o vidente George).

O roteiro de “Além da Vida” é de Peter Morgan que escreveu também “A Rainha” (2006) e “A Outra” (2008). Foi inspirado em um livro de uma jornalista britânica, escrito depois da morte de sua irmã. Desconsolada, ela recorreu a todo tipo de médiuns, videntes e paranormais e disso resultou o livro.

O roteiro passou por várias mãos até chegar a Steven Spielberg, que tentou reescrevê-lo, mas que acabou por mandá-lo intacto a Clint Eastwood que em dois meses começou a filmagem.

“- Acredito muito em primeiras impressões. Quando algo o atrai não há porque desenvolver a idéia e matá-la”, explica o diretor em entrevista citada na Folha.

E acrescenta:

“- Gostei de como as histórias convergem. E o herói reticente é sempre interessante. O herói que não aprecia o dom que tem.”

Como sempre, é o próprio diretor que cria a música original para o seu filme, usando também com beleza trechos do Concerto para Piano de Rachmaninoff.

Clint Eastwood acertou mais uma vez. Trata o tema da morte com uma curiosidade sadia, sem tentar nos impingir respostas prontas.

Parece que o fato de estar mais próximo dela do que alguns de nós espectadores, faz Clint Eastwood, do alto de seus 80 anos, encará-la como algo que nos devolve o prazer de viver.

“Além da Vida” nos mostra que encontros de vida são mais preciosos porque possíveis. E enfatiza que a vontade de viver é o melhor dom que podemos possuir para aproveitar o tempo que temos.

O resto? É silêncio, como já dizia Shakespeare.

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