O Primeiro Que Disse

“O Primeiro Que Disse”- “Mine Vaganti”, Itália, 2010

Direção: Ferzan Ozpetek

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Uma bela mulher, vestida de noiva, corre pelos campos de algum lugar da Itália. Atravessa muros de pedra e alcança uma casa por uma escada íngreme. Tem um revólver na mão e lágrimas nos olhos.

Essas primeiras imagens fazem o espectador pensar em crime passional, tragédia… E não era comédia? Mas tem de tudo nesse filme delicado e saboroso que fala de uma família com quatro gerações, na cidade de Lecce, sul da Itália, donos de uma fábrica de macarrão.

“Mine Vaganti”, o título original do filme, foi desprezado pelo tradutor a favor do título em inglês “O Primeiro Que Disse”, que é narrativo, conta a história. E perde-se a riqueza, que só vamos resgatar durante o filme, quando os personagens nos contam sobre o apelido do tio Nicola, aquele que sempre tinha razão no que dizia: ele era chamado de “Mine Vaganti”, que quer dizer “bala perdida” ou, mais metafóricamente, “o imprevisível”. O filme vai ter como tema essa variável importante. Não é um mero pretexto para fazer rir.

Vai ser contada a história de gente aparentemente tradicional e comum. Mas ninguém é normal visto de perto, como já dizia o nosso grande Nelson Rodrigues.

Gente é imprevisível.

E o patriarca da família (Enio Fantastichini) é um italiano conservador e não vê ou não que ver um palmo à frente dos olhos. Por puro comodismo, para não se abalar em suas crenças preconceituosas. Só que a vida imprevisível vai colocá-lo em uma situação constrangedora. Porque para ele só a sexualidade tradicional é permitida. Tem mulher e amante. E ninguém pode sair desse modelo.

A mãe da família (Lunetta Salvino) não fica atrás. Conivente com o marido, é cega e muda frente ao que considera anormal.

A tia Luciana é a figura que encarna com mais força esse clima de negação da realidade que envolve a família: bebe escondido para não ver o tempo passar e não vê, literalmente, a realidade, porque se nega a usar óculos.

A avó, lindamente interpretada por Ilaria Occhini, atriz de teatro e TV italiana, é a consciência da família Cantone. Porque viveu com intensidade e pensou sobre as suas escolhas, vai ajudar a viver. É dela a frase que resume a moral do filme:

“- Se você fizer sempre o que os outros te pedem, não vale a pena viver”, diz ao neto Tommaso, o belo Riccardo Scamarcio.

O roteiro do diretor Ferzan Ozpetek e Ivan Catroneo é um espelho que reflete detalhes peculiares do povo italiano. Vistos com agudeza por esse diretor turco, radicado e famoso na Itália, servem, porém, para identificar comportamentos universais, baseados em crenças e medo diante do que sai do conhecido e aceito pela maioria.

Questionado por Luiz Carlos Merten, em entrevista no Estadão, se seu filme trata da homossexualidade, Ozpetek responde que não gosta dessa palavra e completa:

“- Para mim, no limite, é um filme sobre amores impossíveis, que, como diz a avó, são os que nos marcam. E ficam.”

A bela e sexy Alba (Nicole Grimaudo) seria a mulher que Tommaso amaria se não gostasse de rapazes? Ela seria a mulher que Tommaso gostaria de ser?

A câmera de Ozpetek mostra os olhares trocados entre ambos em várias situações do filme. São olhares empáticos, comovidos, amorosos, interrogativos, divertidos.

Ao longo do filme vamos nos dando conta de que a relação entre os dois é muito mais complexa do que pode parecer à primeira vista. Porque são complexos os seres humanos que aceitam suas dimensões mais profundas, ambíguas e incomuns.

Para tudo não ficar sério demais, chegam de Roma os alegres amigos de Tommaso. E o público ri com eles, que cantam e dançam.

É isso. Afinal, no baile da vida cada um deveria poder dançar com quem quisesse.

Pares deveriam ser escolhas, não imposições.

E melhor seria que o desejo prazeiroso nos guiasse nessa aventura.

“Mine Vaganti” , um filme que deve ser visto, aponta sem falsos moralismos para essa liberdade fundamental.

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