Cisne Negro

“Cisne Negro”- “ Black Swan”, Estados Unidos, 2010

Direção: Darren Aronofsky

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A luz sobre a bailarina mostra mais sua silhueta que seu rosto. Em tule branco, sapatos de ponta cor-de-rosa, ela faz piruetas. Um homem aparece e quer subjugá-la. Dançam juntos. Ele se transforma em algo monstruoso. Ela foge e dança só, vestida de plumas.

Esse sonho, no início do filme “Cisne Negro” que Nina, a bailarina, chama de “louco” quando acorda no dia seguinte, realiza o seu maior desejo, ser a rainha do “Lago dos Cisnes”, mas também pressagia algo sombrio. Um preço a pagar.

Mas por que? Nina não é o bebê de sua mãe, não dorme em edredons macios, cercada de bichos de pelúcia e ao som da caixinha de música onde rodopia uma boneca bailarina ao som de Tchaikowsky?

E ela é dedicada à arte que escolheu, a mesma de sua mãe, sempre vestida de preto (Barbara Hershey), que toma conta dela como se ela fosse um “bibelot”.

Mas que não se esquece de dizer com voz cortante:

“- Abandonei a minha carreira para ter você, Nina…”

E que ninguém se engane. A vida de bailarina é dura. Disciplina, repetição, força de vontade, dores. Tudo isso está por detrás da graça, leveza e suavidade do palco. Nada é fácil.

Seus sapatos de ponta tem que ser desmontados, quebrados, esmagados, para que possam ser úteis aos pés que martirizam. A dor é companheira inseparável.

Assim vive Nina. Segue os passos de Beth (Wynona Ryder), que foi a estrela da companhia. Era sempre dela o papel principal. Porém chega o dia em que é forçada a aposentar-se. É a chance de Nina.

Mas, para conseguir ser a Rainha dos Cisnes na nova produção, ela terá que se submeter a Thomas Leroy (Vincent Cassel), diretor e coreógrafo. Apesar de apreciá-la como o Cisne Branco, sente falta de vibração quando ela dança o Cisne Negro. E para forjá-la a seu gosto, ele vai quebrá-la.

“- Eu quero ser perfeita”, diz Nina.

“- Perfeição não é só controle, é também deixar-se levar. Surpreenda-se! Surpreenda o público!”, retruca ele.

Pobre menina…

Intuitivamente Nina se protege de excessos. Percebe, lá no fundo, que isso pode ser perigoso para ela. Ela é frágil. Infantil e imatura.

No bar onde vai com Lily (Mila Kunis), a novata que compete com ela, um rapaz pergunta sobre o “Lago dos Cisnes”:

“- É a história de uma menina que vira um cisne porque foi enfeitiçada. Só o amor verdadeiro pode salvá-la. Mas o príncipe se apaixona pela garota errada. E ela se mata…”, responde Nina.

A essas alturas, a divisão interna que o papel Odile /Odete impõe, parece que já se instalou definitivamente na pobre Nina, que está possuída pelo Cisne Negro, que a domina.

Ela não diferencia mais interpretação e vida, realidade e fantasia. Loucura…

Natalie Portman, atriz nascida em Israel que vive nos Estados Unidos, tem nesse papel seu grande momento. Recebeu até agora todos os prêmios de melhor atriz e ninguém duvida que é a preferida para o Oscar.

Se tal acontecer, subirá ao palco grávida. Apaixonou-se pelo bailarino Benjamin Millepied que dança com ela como o principe do “Lago dos Cisnes”. Ele é o coreógrafo do filme.

Vestida pelas irmãs Kate e Laura Mullery, que assinam a grife Rodarte e que foram as responsáveis pelos figurinos de balé, Natalie está espetacular.

Até assusta, de tão expressiva, quando dança com a roupa de asas imensas do Cisne Negro, seu rosto envolto em um véu apertado, maquiado com arte por Judy Chin, como se usasse uma máscara.

O diretor Darren Aronofsky de “O Lutador”(2008), que devolveu Mickey Rourke às telas, cria com sua câmara um ritmo frenético que causa vertigem.

Pontuadas por uma música dissonante e arranjos tonitruantes do “Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky, as cenas do final do filme mais parecem um circo de horrores.

Aronofsky escolheu ser intenso e exagerado. Há quem ache que ele perdeu-se em excessos no desenrolar da trama.

Seja como for, “Cisne Negro” merece ser visto porque o mundo do balé, mesmo quando enfocado por uma lente distorcida que quer mostrar a insanidade em cenas delirantes, traz sempre magia para a nossa contemplação.

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O Discurso do Rei

“O Discurso do Rei”- “The King’s Speech”, Inglaterra, 2010

Direção: Tom Hooper

Retratar problemas que podem atrapalhar qualquer ser humano parece ser a chave de sucesso de muitos filmes. Todos gostam de ver sua aflição, ou de alguém que conhecemos, ser destrinchada e superada na tela do cinema.

Em “O Discurso do Rei” é a gagueira que parece tomar o primeiro plano. Menos comum do que se imagina, aflige 1% da população do mundo e não tem cura.

E desde a Grécia antiga procura-se lidar com ela. Demóstenes, ficou famoso como orador, quando conseguiu melhorar a sua, discursando num rochedo à beira-mar, com pedrinhas na boca.

Nesse filme, dirigido com delicadeza e classe por Tom Hooper, um jovem de 39 anos, a gagueira de um pretendente ao trono da Inglaterra, quando esta ainda era um império sobre o qual “o sol nunca se punha”, parece ser o foco de atenção. Mas seria mesmo esse o principal problema do Principe Albert? Claro que não.

Quando se apresentou a situação dele assumir o trono depois da morte do pai, o rei George V e a renúncia de seu irmão David, Edward VIII (para poder levar avante um romance com uma divorciada, vista com horror pela corte), Albert já estava enfrentando o seu maior problema.

“Ser ou não ser?”

Não é só Hamlet, o personagem de Shakespeare, que se coloca essa pergunta. O Duque de York, depois Principe Albert, forçado a ser rei, também se contorcia com essa questão.

Dos três filhos, ele era o segundo. O caçula morrera aos 13 anos de epilepsia e o primeiro, o rei Edward VIII, fugia do trono para os braços da americana divorciada.

Albert, Bertie para a família, queria e ao mesmo tempo não queria enfrentar essa responsabilidade. Substituir o pai? Com o quê? Ele, em luta consigo mesmo e com sua baixa auto-estima, apoiava-se em sua gagueira para desistir desse conflito.

Quem pode ser rei sendo gago? Principalmente numa era em que aparece o rádio, a mídia mais inovadora e influente, mostrando claramente que o candidato a rei era um incapaz? Alguém que balbuciava?

Eis então que a mulher de Albert (Helena Bonham Carter, maravilhosa no papel da futura rainha-mãe, indicada ao prêmio de melhor atriz coadjuvante), encontra alguém para ajudá-lo. Surge o especialista em problemas de fala, Lionel Logue.

E só é depois de um longo episódio de relutância e insubordinação que Logue consegue falar com o Principe, a quem chama Bertie, não por provocação mas para alimentar a intimidade. E com isso Albert encontra sua voz.

Sim, porque era da falta de intimidade que o candidato a rei sofria.

Desde a infância, canhoto obrigado a ser destro, pernas curvas retificadas com varas de metal e uma total falta de empatia do pai, Albert era um solitário e um amedrontado menino espezinhado pelo irmão mais velho.

Essa história de superação, baseada não em técnicas miraculosas mas num elo de confiança e amizade entre o futuro rei e seu terapeuta intuitivo, que se coloca no lugar de um pai que Albert nunca tinha tido, emociona.

Os diálogos são escritos com perfeição por David Seidler.

A criança dentro de nós se arrepia quando Logue diz:

“_ Bertie, não precisa mais ter medo das coisas que você temia quando tinha 5 anos.”

Bom senso, empatia, capacidade de comunicar-se e de se colocar como modelo para o rei, faz Logue, ator mal resolvido, ocupar o lugar de diretor/maestro de um dos mais raros espetáculos sobre a face da terra: a coroação de um rei.

Interpretações magníficas são o prato principal desse filme inglês que não se apoia em artifícios.

Colin Firth, como o rei George VI (pai da atual rainha da Inglaterra, Elizabeth II), merece o Oscar como o melhor ator, depois de perdê-lo no ano passado. Impecável, transmite toda a raiva contida e a ambição quase destroçada do seu personagem.

Geoffrey Rush (também indicado ao prêmio de melhor ator coadjuvante) encarna o terapeuta com brio e humildade, fazendo-se segundo para que seu pupilo pudesse brilhar.

Em um momento dramático da história da humanidade, o rei George VI, com seu Primeiro Ministro Churchill, consegue fazer o mundo vencer a sombra do nazismo.

Não foi pouca coisa. E não deve ser esquecido.

“O Discurso do Rei” é uma ode ao melhor instrumento que existe: a voz humana. Pode ser usada para o bem ou para o mal. Mas é imbatível como forma de comunicação e persuasão.

É bom todo mundo pensar sobre isso e sobre o valor da amizade, assistindo ao “O Discurso do Rei”, o favorito do Oscar desse ano, com 12 indicações, incluindo melhor filme, melhor diretor e melhores atores.

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