Lola

“Lola”- “Lola”, França/ Filipinas, 2009

Direção: Brillante Mendoza

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Realizado pelo diretor filipino de 49 anos, Brillante Mendoza, em 10 dias, filmado com câmaras digitais na ilha de Luzon, a mais populosa das Filipinas, “Lola” se afasta, em tudo, dos filmes “main stream”, aqueles que são distribuídos pelo mundo todo.

Tanto é assim, que Mendoza teve que ser premiado como melhor diretor em Cannes em 2009, para conseguir realizar “Lola”, um projeto que parecia impossível de ser filmado, apesar do diretor admirar o roteiro de Linda Casimiro:

“- Para muitos, um roteiro envolvendo duas velhinhas não parecia atraente comercialmente”, comentou o diretor em São Luis, Maranhão, na abertura do I Festival Internacional Lume de Cinema.

É seu primeiro filme que vemos no Brasil.

Quando apresentou “Lola” em pré-estréia no CineSesc em São Paulo, disse Brillante Mendoza:

“- Esse é um filme muito próximo do meu coração. É um tributo não só às avós das Filipinas mas a todas as pessoas idosas do mundo inteiro.”

Em “taglog”, idioma das Filipinas, “Lola”quer dizer “Avó”.

Vamos assistir a um filme que valoriza duas personagens magrinhas, cabelos brancos, roupas simples mas que se mostram pessoas valentes e determinadas na hora de defender a família.

Ninguém nos conta o nome delas mas vamos, pouco a pouco, conhecendo sua fibra ao tentar de tudo para conseguirem seus objetivos.

As duas se encontram em uma situação difícil: parece que o neto de uma delas assassinou o outro por causa de um celular. E foi preso.

Enquanto uma delas enfrenta as chuvas e os ventos para acender uma vela no lugar do assassinato, encontrar o corpo e tentar comprar um caixão para o neto morto, a outra visita e alimenta o neto na prisão e vai à luta para conseguir dinheiro para sua fiança, tendo que vencer a mesma chuva e vento implacáveis.

A água é quase um personagem no filme. Além de fustigar a todos, em meio à pobreza local, ela inunda as ruas onde mora a avó que perdeu o neto.

Barcos toscos a remo são o meio de transporte, as casas são construídas sobre palafitas. Parece que, desde sempre, as águas invadem aquele bairro, esquecido pelas autoridades locais.

Ninguém reclama mas tudo é injusto nesse cenário inundado.

O que não impede que a avó Serpa (Anita Linda), durante o velório do neto, anime toda a família com uma descoberta. Ela vislumbra peixes nadando no porão da casinha inundada.

É grande a alegria com a oferta do alimento grátis, entre pessoas que mal tem como se sustentar. Mas que, mesmo na penúria, vão ter sua procissão de barcos levando ao cemitério o menino morto em seu caixão branco. Tudo graças à avó.

Já do lado da avó Puning (Rustica Carpio), muitos são os estratagemas para conseguir o dinheiro que, ao invés de pagar a fiança, poderá ser oferecido como forma de reparação à família do morto, libertando assim seu neto.

Nas Filipinas, a justiça, tal como as águas das chuvas de verão, segue um curso estranho para nós, mas conhecido e aceito pela população. Ninguém discute se é certo ou errado alguém pagar com dinheiro por um crime e sair livre.

“Lola” tem cara de documentário. Esquecemos que as avós são atrizes tarimbadas e nos envolvemos na história com o coração apertado.

A cena bem humorada que reune as duas avós para a transação final, parece que apresenta duas amigas que falam sobre seus achaques devido à idade e trocam receitas de como lidar com esses males. Uma lição importante. Porque é a aceitação da passagem do tempo sem dramas e, bem ao contrário, aqui transparecendo a vontade de assumir um papel de sabedoria e força justamente por causa da idade. São matriarcas respeitadas.

Assim deveria ser cá como lá.

Se você consegue assistir a um filme fora dos parâmetros geralmente aceitos, vai se emocionar com “Lola”. E aprender algo com as duas velhinhas.

Afinal, na melhor das hipóteses, todos seremos como elas um dia.

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Gainsbourg – O homem que amava as mulheres

“Gainsbourg, Vie Éroique”, França, 2010

Direção: Joann Sfar

Há uma sedução imediata do espectador frente às primeiras imagens do filme.

Duas crianças estão sentadas na areia da praia frente ao mar:

“- Posso segurar a sua mão? “pergunta o menino.

“- Não! Você é muito feio”, responde a menina de vestido vermelho que sai correndo.

Começa então uma virada magistral.

Um desenho animado mostra, numa profusão de movimento e cores, num traço delicado, Serge Gainsbourg mergulhando no mar onde, tanto ele quanto os peixes, fumam. Escorregando em imensas águas-vivas, ele cai sobre os tetos de Paris e voa sob a chuva.

A troca de registro do real para a vida onírica de fantasia encanta nossos olhos, ao mesmo tempo que indica de que maneira o diretor Joann Sfar vai desenvolver seu filme.

Um dos maiores nomes da história em quadrinhos na França, o jovem Joann Sfar, ele também judeu e admirador confesso de Gainsbourg, escreveu a história desse famoso e controverso personagem da cena do “showbusiness” em quadrinhos.

E fez a transposição dessa “bande dessinée”, como dizem os franceses, para a tela do cinema, nesse seu primeiro filme, que intitulou “Gainsbourg, Vie Éroique”. Para o novo cineasta, ele é, portanto, um herói e suas aventuras vão ser contadas de forma peculiar, misturando realidade e sonho, com personagens vividos por atores reais e outros criados por animação.

Sfar desenha um companheiro imaginário para Gainsbourg, que é uma caricatura dele e que o acompanha pelo filme, muito alto, enorme nariz, orelhas e mãos descomunais e o mesmo humor, por vezes perverso.

Vamos ver como o menino mirradinho e com orelhas de abano, Lucien Ginsburg, filho de judeus russos imigrantes, se transforma no polêmico e badalado Serge Gainsbourg, compositor e cantor francês que fez fama e manchetes de jornais, levando uma vida nada ortodoxa, cercado de belas mulheres, muito álcool, drogas e cigarros Gitaine. Morreu jovem, aos 62 anos, de ataque cardíaco, deixando mais de 200 canções que foram e são cantadas por intérpretes famosos como Yves Montand, Juliette Gréco, Vanessa Paradis.

A história começa em 1940, na França ocupada pelos nazistas. Bandeiras com as suásticas nas ruas de Paris, cartazes anti-semitas colados nos muros.

Os judeus são obrigados a colocar uma estrela amarela costurada à roupa.

O menino Lucien chega bem cedo ao lugar onde serão distribuídas as estrelas:

“- Esse menino quer a sua estrela antes de todos”, exclama o policial encarregado com ar de troça.

“- Essa estrela é sua, senhor. É o senhor que quer que eu use isso”, retruca Lucien.

“- Você é insolente”, rosna o homem.

“- Sou judeu. Lucien Ginsburg. Estudo na Academia de Belas Artes e conheço um oficial da SS. Quer que eu o apresente a você? Pode ser bom para a sua carreira.”

Além de insolente, Lucien era talentoso. Pintava, tocava piano e violão.

E foi aos 30 anos, dedilhando canções em um cabaré enfumaçado que conheceu Boris Vian, trompetista nas horas vagas e amigo dos músicos que tocavam na noite. Foi ele quem abriu as portas da boemia da Rive Gauche parisiense para Serge.

Foi nessa época que ele encantou a musa existencialista, Juliette Gréco (a bela Anna Mouglalis, “égerie” de Chanel) que cantou suas canções.

Mas a popularidade veio nos anos 60 quando France Gall, quase menina, de saia curta e meias ¾, interpreta na TV uma canção dele, “Les Sucettes”, chupando um pirulito. Malícia e duplo sentido. Sucesso imediato.

Brigitte Bardot teve um caso com Gainsbourg e a atriz Laeticia Casta, que foi ensaiada para o filme pela própria BB, encarna o maior símbolo sexual da França, com graça e beleza.

A cena onde ela, enrolada num lençol, canta “Comic Strip” com o ator Eric Elmosino, que faz um Gainsbourg mediúnico, é um dos pontos altos do filme.

Serge Gainsbourg casou-se com a inglesa Jane Birkin (Lucy Gordon que se matou trágicamente depois do filme, aos 29 anos). Foi com ela que ele gravou seu maior sucesso, a canção “sexy” que lotava as pistas das discotecas nos anos 70, “Je t’aime, moi non plus”. Sussuros e gemidos explícitos valeram a proibição da canção em alguns países.

Desse casamento, que durou 10 anos, nasceu Charlotte Gainsbourg, hoje uma das melhores atrizes do cinema.

O filme de Joann Sfar conta tudo isso em belas imagens e simpatia por Serge Gainsbourg.

“Não são as verdades dele que me interessam. São as mentiras”, escreve o diretor na tela, antes dos créditos finais.

Belo filme, grande homenagem a Serge Gainsbourg, um homem talentoso que viveu intensamente, como queria.

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