Entre Segredos e Mentiras

“Entre Segredos e Mentiras”- “All Good Things”, Estados Unidos, 2009

Direção: Andrew Jarecki

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Uma estranha luz ilumina uma água azul. O mar e a lua? Clima sombrio.

Enquanto passam as cenas, ouvimos uma voz em “off”, aparentemente em um tribunal, perguntar a um homem sobre o seu passado. Ficamos sabendo seu nome, que nasceu em New York, tem pai vivo. A mãe morreu quando ele tinha 7 anos.

“- E como ela morreu?”

“- Uma morte violenta”, responde aquele que se chama David.

Arrepios.

Os letreiros avisam que o filme se baseia em fatos reais.

Cenas do passado na tela. Um filme caseiro mostra um menino jogando tênis e brincando na piscina com a mãe.

Os dois, felizes, andando de bicicleta.

Gramados verdes a perder de vista e uma linda casa branca na colina são o cenário suntuoso que cerca essas vidas.

Logo, crianças bonitas e bem vestidas ao redor de uma mesa no jardim. O menino, fantasiado de cowboy sopra as velas do bolo de aniversário que a bela mãe traz para ele, cercada de empregados uniformizados.

Há um sentimento de felicidade entre o menino e sua mãe que, súbitamente, é transformado em algo perigoso quando a câmara, que focava o rosto do menino, procura o pai em “close” no fundo da cena.

Tudo indica que o triângulo edípico conduzirá a tragédia que intuímos ao ver essas imagens. Mãe e filho amorosos e um pai que tudo observa com olhos frios.

Essa é a história da família Marks. O pai (Frank Langella, excelente), poderoso “tycoon” no ramo imobiliário, dono de pardieiros na rua 42 e do Times Square, vai transformar o cenário urbano de New York. Nos anos 70, arranha-céus ocupam o lugar de “inferninhos” que desvalorizavam o local.

Mas o herdeiro David (o ótimo Ryan Gosling de “Namorados para Sempre”), desagrada ao pai em tudo. Até na escolha da namorada Katie (Kirsten Dunst, talentosa como sempre), que veio de Long Island sem brasão nem dinheiro na família e que quer estudar medicina.

O casal vai morar junto apesar da desaprovação do pai. Levam uma vida livre, sem luxos em Connecticut e abrem uma loja de comidas saudáveis, a “All Good Things”. E parecem felizes até que um dia Katie ouve o marido falando sozinho e começa a sofrer com a violência dele.

Negros presságios toldam o céu azul da vida no campo…

Contar mais é estragar a festa.

Andrew Jarecki estréia com “Entre Segredos e Mentiras” na direção de um longa. É também co-autor do roteiro.

Há nesse filme inspirações em Hitchcock e Brian de Palma, mestres do “triller” que também puseram na tela mães narcisistas, filhos psicóticos, suicídios, assassinatos e “cross-dressing”. Perversão alimentando suspense.

“Entre Segredos e Mentiras”, sem ser um filme imperdível, prende nossa atenção e envolve nossa curiosidade. E é uma delícia ver os anos 70 recriados ao som de “Last Dance” que Donna Summer transformou no hino de uma época.

E mais, quem gosta de apreciar boas atuações, não pode deixar de ver Frank Langella, Kirsten Dunst e Ryan Gosling brilhando como devem brilhar os “movie stars”.

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O Dia em que Eu Não Nasci

“O Dia em que Eu Não Nasci”- “Das Lied in Mir”, Alemanha/Argentina, 2010

Direção: Florian Micoud Cossen

Destino? Acaso? Motivações inconscientes?

O caso de Maria (Jessica Schwarz) é intrigante.

A nadadora alemã, de trinta anos, chega a Buenos Aires a caminho do Chile, onde vai participar de uma competição e é informada que deverá esperar pelo vôo de conexão para Santiago.

Sentada no saguão do aeroporto, de chofre, sente-se estranhamente emocionada ao escutar a canção de ninar que a mãe ao lado canta para o seu bebê.

Ora, Maria é alemã, não fala espanhol e, no entanto, é como se conhecesse aquelas palavras… Cantarola junto quase que mecânicamente, repete o que ouviu sem entender mas sentindo uma emoção real que a leva ao choro.

Corre ao banheiro, lava o rosto, olha-se no espelho. Aquilo mexeu com ela. Como explicar?

O tempo parece que pára. Ela fica mais tempo do que queria na frente daquele espelho.

Quando sai do banheiro, seu vôo partiu. Perdeu a conexão. O único avião para Santiago naquele dia.

Não lhe resta outra opção, senão esperar na Argentina. Terá que pernoitar em Buenos Aires.

E, a partir daí, Maria vai perder o passaporte, terá sua vida posta de cabeça para baixo e conhecerá segredos sobre ela mesma que a assustam e seduzem ao mesmo tempo.

Buenos Aires, a cidade que ela vê através de um vidro destorcido no inicio do filme, vai se mostrar a ela de uma maneira nítida e inesperada.

Estrangeira mas também acolhedora e próxima, a cidade a atrai. E ela não sabe o porquê desse sentimento desconhecido que brota em seu coração.

Ao longo do filme vamos ver Maria refazer a própria identidade, descobrir que não é quem ela pensou que foi e se deparar com o preço de procurar saber a verdade a qualquer custo.

A questão levantada pelo filme é candente e não tem uma resposta imediata e fácil.

Seguimos Maria de perto e vemos como ela se debate entre uma tomada de posição radical e outra que leva em conta a fragilidade e a carência de pessoas que foram egoístas mas pensaram estar fazendo o bem.

O diretor estreante Florian Micoud Cossen, alemão nascido em Israel, é também co-autor do roteiro que lida com questões que tocam de perto a todos os que foram vítimas de atrocidades cometidas por governos carrascos. E levanta perguntas que não são respondidas de forma unânime.

Revanchismo ajuda a confortar a quem foi alvo de crimes sem perdão? O passado pode ser resgatado por quem perdeu o cenário de onde foi retirado à própria revelia?

E mais. Devemos procurar esquecer ou lembrar? Perdoar ou punir?

Não apenas a cruel ditadura militar argentina está sendo objeto de tais perguntas. Porque o diretor leva-nos a expandir as indagações e a nos perguntarmos mais.

Belo filme que nos coloca a todos para pensar sobre tantas questões difíceis mas vitais.

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