A Invenção de Hugo Cabret

“A Invenção de Hugo Cabret”- “Hugo”, Estados Unidos 2011

Direção: Martin Scorsese

Oferecimento Arezzo

Sobrevoamos Paris toda branca, sob um manto de neve. A Torre Eiffel reluz na manhã.

Lá embaixo, a Gare Montparnasse, uma grande estação de trens, fervilha de vida. Mergulhamos.

Gente que entra e sai dos trens, a florista com seu carrinho colorido de buquês, o café cheio de clientes, a orquestra que toca, casais dançam, a loja que conserta brinquedos, a livraria, o inspetor de polícia que passa com seu doberman, os vendedores ambulantes.

É todo um mundo que vamos conhecendo em detalhes mas muito rápidamente, respirando o ritmo apressado desse lugar.

Por uma fresta do grande relógio da estação, um menino de olhos azuis, observa o movimento do mundo lá fora.

Mundo proibido para o órfão que vive escondido em meio às engrenagens dos relógios. Ele conhece como ninguém aquelas entranhas escuras, suas escadas em caracol, torres, corredores, tubulações, entradas e saídas por entre os gradis de ferro ao rés do chão.

Desde que seu tio beberrão desapareceu, faz o trabalho dele, cuidando dos relógios.

Vive só, naquele lugar escuro, tendo como companhia o boneco autômato que herdou de seu pai quando ele morreu. Seu ideal é consertá-lo, seguindo as instruções de um velho caderno, e fazê-lo comunicar a mensagem que, acredita, seu pai deixou ali para ele.

O autômato guarda um segredo. Em seu interior, uma fechadura em forma de coração. E Hugo se pergunta:

“- Mas onde estará a chave? “

Tudo isso nos é mostrado em cores e formas que lembram as ilustrações de antigos livros infantis.

Nossos olhos maravilhados são atraídos pela ilusão de profundidade do 3D, usado de uma maneira espetacular, como nunca se viu antes.

Martin Scorsese, mestre de cinema, 69 anos, em seu 30º filme, “A Invenção de Hugo Cabret”, nos faz penetrar num mudo de pura magia.

Sem fôlego, corremos com o menino e vivemos suas aventuras.

Mas o filme tem uma segunda intenção.

Logo, Hugo (Asa Butterfield, do “Menino do Pijama Listado”) encontra Isabelle (Chloe Grace Moretz, de “500 Dias com Ela”), filha adotiva do severo homem que conserta brinquedos (Ben Kingsley, de “Gandhi”) e a leva para uma nova aventura: uma sala de cinema, onde penetram escondidos e assistem deliciados a filmes mudos.

E essa é a deixa para Scorsese envolver-nos em sua paixão. Vamos ver trechos de filmes dos inícios do cinema, puras preciosidades.

Há uma defesa calorosa da 7ª arte, aquela que, usando todas as outras, está alí nas salas de cinema nos bairros de cada um de nós.

Popular, mas nem por isso menos sofisticada, a arte do cinema encanta gerações, nos ensina Scorsese, desde que os irmãos Lumière a inventaram em 1895.

Scorsese homenageia, principalmente, Georges Meliès (1861-1938) que, através de seus mais de 500 filmes, levou o grande público ao cinema.

Mas o que fazer com quem não se emociona mais com nada? Estão “quebrados”, diria Hugo Cabret que achava os homens parecidos com as máquinas.

Quando perdemos a capacidade de nos encantar, é porque estamos cegos pela tristeza e depressão ou nossos olhos estão baixos porque pensamos não ter valor, nossa auto-estima está baixa.

Tem conserto?

Scorsese aponta para a chave que cura esse males: alimentar o amor, a imaginação e os sentimentos vivos que moram no nosso coração.

Vá ver esse filme com a mente e os olhos abertos e deixe-se levar por essa obra de arte magnífica.

 

Ler Mais

Albert Nobbs

“Albert Nobbs”- Idem, Inglaterra, Irlanda 2011

Direção: Rodrigo Garcia

 

Uma nuca muito branca num colarinho alto. Uma mão pequena ajeita o cabelo ruivo.

De costas, assim somos apresentados a Albert Nobbs, o garçom de um pequeno hotel em Dublin, no fim do século XIX.

E, quando o vemos trabalhando, com gestos precisos e corpo rígido, nos damos conta com surpresa de que “ele” é Glenn Close.

Rosto branco qual máscara imóvel, onde só os olhos se mexem amedrontados, Albert Nobbs é o novo papel que trouxe de volta Glenn Close aos holofotes.

Indicada cinco vezes ao Oscar nos anos 80, essa atriz extraordinária reaparece, 22 anos depois de sua última indicação a melhor atriz. E no papel que fez com sucesso no teatro em 1982, na peça baseada num conto do escritor irlandês George Moore (1852-1933) e pelo qual ela se apaixonou.

Levou tempo mas Glenn Close conseguiu fazer o filme que queria tanto fazer. Para esse filme sair do papel, ela produziu, escreveu o roteiro com John Banville, colocou a letra na canção, “Lay your head down”, com música de Brian Byrne e chamou Rodrigo Garcia, filho do grande escritor Gabriel Garcia Marques, para dirigir.

“Albert Nobbs” conta com uma direção de arte impecável que nos faz viajar aos últimos anos do século XIX, ao hotel da sra Baker (Pauline Collins).

Na Irlanda da passagem do século XIX para o XX, a pobreza era extrema e mulheres se vestiam de homem para conseguir um emprego.

As relações entre os empregados do hotel é que serão foco do filme: Nobbs, o garçom, Helen Dawes (Mia Wasiskowa, a “Alice”de Tim Robbins), a bela garçonete, Hubert Page, o faz-tudo (Janet McTeer, a surpresa do filme, indicada para melhor atriz coadjuvante no Oscar) e o galã vivido por Aaron Johnson.

Mas tudo gira em torno a Albert Nobbs, um personagem singular.

“- Recriar o interior de uma pessoa tão silenciosa”, foi o que mais fascinou Glenn Close para fazer o personagem.

O atencioso garçom que trabalha há 17 anos no hotelzinho e que vive essa farsa quanto à sua verdadeira identidade, só pensa em economizar dinheiro para abrir um negócio próprio, uma tabacaria.

De noite, antes de dormir, olha com ternura um retrato onde está escrito “Mãe”,  para voltar a guardá-lo nas páginas da Biblia. Santificada, essa mulher vai inspirar os sonhos infantis de Nobbs sobre uma tabacaria com uma sala nos fundos, um lar maternal, quente e acolhedor.

De dia, ele é a personificação do medo. Defende dentro de si uma menina abusada, reprimida pelo disfarce de Albert Nobbs.

A história é comovente e ao mesmo tempo angustiante, assim como é Albert Nobbs, “uma pessoa inacabada”, como diz Glenn Close numa entrevista ao New York Times.

Ela está soberba vivendo esse personagem preso numa teia de mentiras que ele mesmo criou e que o aprisiona.

Retrato de um ser humano determinado a sobreviver, Albert Nobbs pode ser o passaporte para o seu tão merecido Oscar.

Se não acontecer, não importa. Guardaremos sua imagem em nossos corações, tocados pela tristeza e desamparo, tão bem vividos na tela por essa atriz sublime.

Ler Mais