Pina

“Pina”- Idem, Alemanha /França /Inglaterra, 2011

Direção: Wim Wenders

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Quando jovem, os olhos claros de Pina Bausch pareciam boiar em seu rosto branco. Já eram fluidos os movimentos de seu corpo, como podemos ver nas cenas em preto e branco que mostram sua juventude no documentário de seu amigo Wim Wenders.

Depois, eles foram se tornando mais fundos e profundos. Dava a impressão de que via com os olhos da alma. E, talvez por isso, gostasse de dançar de olhos fechados, como em “Café Muller”, peça de seu teatro-dança de 1978.

Ela nos deixou cedo e abruptamente aos 69 anos.

E o amigo Wim Wenders, o consagrado diretor de cinema alemão de obras-primas como “Paris, Texas”(1984) e “Asas do Desejo”(1987), engavetou todo o material já filmado, enlutado demais para pensar em outra coisa que não fosse a sua dor.

Mas, aos poucos, os bailarinos da companhia convenceram Wim Wenders que esse documentário era a última chance de ver Pina dançando. E ele se entusiamou e fez sua última homenagem à grande coreógrafa, mixando imagens novas com outras já filmadas antes da morte dela.

Ele usa o 3D sem estardalhaço, o que nos permite aprofundar no cenário e perceber as dimensões espaciais das coreografias.

“Café Muller”(1978) parece ser a referência predileta de Wim Wenders que volta sempre a essa peça, privilegiando-a porque traz Pina viva, dançando.

Mas também são mostradas sequências de “Sagração da Primavera”” (1975), “Kontakhof- Pátio de Encontros”(1978), “Wollmond- Lua Cheia”(2006) , entremeadas aos depoimentos de vários bailarinos da companhia de Pina.

A câmara acompanha os dançarinos que expressam sentimentos fortes seja através apenas de movimentos de seus corpos, seja com palavras, lágrimas, gritos, chocando-se ou ajudando o outro a se equilibrar, abraçando, beijando-se, molhando-se com água, sujando-se com terra, saltando no ar e tudo que se possa imaginar que seres humanos possam sentir.

Porque ela se debruça sobre o mundo interno dos homens e suas paisagens psíquicas.

Porque é o teatro-dança de Pina Bausch, diretora do Teatro de Dança de Wuppertal desde 1973.

Às tantas, ela fala conosco de dentro da tela:

“-A dança faz mais do que evocar as coisas que as palavras nomeiam.”

E um bailarino emocionado, relembrando Pina, diz essa frase linda”

“- Pina era a pintora. E nós passamos a ser a tinta de suas imagens.”

Mesmo se você não gosta de dança, dê-se a oportunidade de ver “Pina”. É bem capaz que ela maravilhe você.

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Habemus Papam

“Habemus Papam”- Idem, Itália/França, 2011

Direção: Nanni Moretti

O Papa está morto.

O féretro expõe toda a pompa do Vaticano, recriada pelo olho atento da câmara de Nanni Moretti. A procissão fúnebre é acompanhada pelos cardeais em fila majestosa. Rendas, ouro, vermelho. A guarda suíça reluz em seus uniformes medievais.

Como cenário para o conclave que elegerá o novo Papa, os afrescos sublimes da Capela Sistina, com seus preciosos mármores trabalhados e madeiras nobres.

Para a eleição do novo pontífice, cento e oitenta cardeais do mundo inteiro estão reunidos e isolados do mundo, que espera a fumaça branca lá fora, na Praça São Pedro, com sua colunata célebre, obra do arquiteto da Basílica, Michelangelo, artista maior.

Em meio a toda essa grandiosidade, o cardeal Melville (Michel Piccoli) é focalizado durante a contagem de votos. Ouvimos seus pensamentos:

“Por favor, Senhor, eu não. Não posso. Não permita que eu seja eleito!”

Ora, no mundo atual, fama e poder são ”commodities” pelas quais a maioria paga qualquer preço. Causa estranheza, portanto, um homem que as recusa. Só pode ser louco ou boçal.

E quando se trata de um Papa que, eleito, aceita o posto com um olhar angustiado e que depois se recusa a subir na sacada para saudar o povo que lota a praça… Está criado um impasse nunca visto.

Nanni Moretti, o diretor premiado no Festival de Cannes pela melhor direção em “Caro Diário” (1993) e que ganhou a Palma de Ouro por “O Quarto do Filho” (2001), realiza em “Habemus Papam” um trabalho original, com um roteiro que privilegia um humor fino e sofisticado. O riso cúmplice é preferido às gargalhadas.

Para resolver a questão da angústia do Papa é chamado um psicanalista narcisista e sarcástico (o próprio Nanni Moretti). A ironia transborda de suas falas, às voltas com a etiqueta e as normas travadas do Vaticano.

Mas quem mais brilha em toda essa trama é aquele que não quer ser Papa, o cardeal interpretado por Michel Piccoli. Aos 86 anos, semblante suavizado pela passagem do tempo, o ator fetiche de Buñuel causa arrepios com sua interpretação de carne e osso. Humano, muito humano é o Papa de Moretti que Piccoli realiza com beleza e suavidade.

Frente a um mundo conturbado e difícil, eleito quase que à sua revelia, esse homem simples e sincero, recusa o que sabe que não é para ele. Rara qualidade nesse mundo de poderosos sem auto-crítica e pouco respeito pelo cargo que ocupam.

Seu contraponto, o porta-voz do Vaticano, papel de um ótimo Jerzy Stuhr, mostra a bizarrice que acontece quando tudo não corre como se prevê.

Nanni Moretti realiza, mais uma vez, um filme pouco comum. Faz rir com sobriedade. E é comovente o silêncio que se instala na platéia frente a um final obrigatório.

Vá você também admirar esse filme que é uma lição de humildade e sabedoria.

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