Heleno – O Principe Maldito

“Heleno – O Principe Maldito” Brasil, 2011

Direção: José Henrique Fonseca

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A vida dele foi uma ópera. E o filme começa no 3º ato, o mais dramático.

A câmara nos mostra Heleno, vivido por um Rodrigo Santoro surpreendente, 12 quilos perdidos, uma sombra de si mesmo, quase irreconhecível. Vê-se um homem muito magro, cabelo ralo, dentes ruins, olhar desfocado, arrancando da parede pedaços de jornal onde se leem as manchetes:

“O casamento de Heleno mexeu com a Cidade”, “Heleno é o mais novo membro do Clube dos Cafajestes”, “Dupla personalidade de Heleno de Freitas”, “Destempero de Heleno – Caso perdido” e outras mais que cobrem todo o nosso campo visual.

“- Serei lembrado, vocês não”, balbucia, “eu não preciso do carinho de vocês. Eu brilho.“

É um choque para quem não sabe nada sobre a vida de Heleno de Freitas (1920-1959), um dos maiores craques de futebol que o Brasil já teve e que empolgou as torcidas, jogando pelo Botafogo nos anos 40.

Mas, na verdade, o filme não é sobre futebol. Nem mesmo é a biografia de Heleno, porque muitos dos fatos mostrados no filme não aconteceram, nomes foram trocados, nada é muito explicado, para que o mito criado possa começar a aparecer na tela em cenas que são esparsas e não cronológicas.

Ao som de árias do “Cavalheiro da Rosa”, o vemos jogando na chuva e a torcida vibrando com um gol. Ele tira a camisa e, com o olhar esgazeado, joga-a para a multidão que grita seu nome.

E o homem elegante, que nasceu de uma rica família mineira, bacharel em Direito e bem relacionado com a elite carioca da época que o Rio de Janeiro era capital do Brasil, vai ser mostrado aos poucos.

E o que vemos é um ego descomunal, alguém que se considerava o melhor de todos e que por isso, não aceitava regras e nem conhecia limites.

Mulherengo, exibido e claro, sem noção da própria fragilidade, era presa fácil dos vícios que entorpecem. Fumando sem parar, bebendo muito e cheirando éter, seu caminho em direção à queda foi anunciado a todos, menos a ele mesmo.

Briguento no campo e na vida, pisava duro e maltratava os companheiros no jogo e nos vestiários.

Sedutor, passava de mulher em mulher nas boates do Rio. O Cassino da Urca e o Hotel Copacabana Palace eram o seu mundo. Uísque e champagne a rodo, arrogância e desprezo por quem mostrava algum cuidado com ele.

A bela Alinne de Moras vive Silvia (Ilma na vida real), a moça com quem se casou e teve um filho. Mas o casamento era um tal inferno para ela, que Heleno nunca conviveu com o filho, que ela afastou dele.

Acabou internado em um hospício em Barbacena, com sífilis, já em estado avançado.

Morreu aos 39 anos, louco e paralisado, depois de 5 anos de internação, tendo como único apoio o carinho do enfermeiro (Mauricio Tizumba, comovente).

O filme é um tratado sobre o que pode acontecer com alguém que, cego pelo próprio narcisismo, não ouve nada e a ninguém e é guiado por um sabotador interno incansável.

Causa horror ver alguém se destruindo dessa forma…

Filmado em um luxuoso preto e branco, com a fotografia do premiado Walter Carvalho, tem cenas deslumbrantes, que impactam pela beleza estética.

Talvez quem goste de futebol fique decepcionado com “Heleno”. Já quem se interessa pelo ser humano e pela beleza trágica no cinema, vai ficar encantado.

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Um Método Perigoso

“Um Método Perigoso”- A Dangerous Method”- Canadá/ Reino Unido /Alemanha, 2011

Direção: David Cronenberg

Na primeira cena do filme, a paisagem plácida e ajardinada da Suiça contrasta com o comportamento feroz de uma moça que grita, ri e se contorce dentro de uma carruagem, enquanto dois homens tentam controlá-la.

Sabina Spielrein (1885-1942), judia russa de 19 anos, nascida em uma família abastada, é internada no Hospital Burgholzli em Zurich (um dos melhores da Europa) em 1904. Ela vai ser o centro das atenções de David Cronenberg em seu filme “Um Método Perigoso”.

Mas vamos introduzir os outros personagens.

Carl Gustav Jung (1875-1961), suíço, 30 anos, era médico no hospital onde Sabina foi internada como histérica.

Ele era um homem alto e forte. Casado com uma mulher riquíssima, morava bem e não dependia de seu trabalho para sobreviver.

No palco principal, os dois personagens, Sabina e Jung, se aproximam através do método criado por Sigmund Freud (1856-1939), judeu nascido na Áustria, o pai da psicanálise, fundada em 1900, quando da publicação de seu livro “A Interpretação dos Sonhos”.

Ao contrário de Jung, Freud já tinha fama mas vivia sem luxos, com a mulher, a cunhada e seis filhos num apartamento de classe média em Viena.

Jung, estudioso do comportamento humano, fazia pesquisas nessa área mas não conhecia Freud pessoalmente. E tudo começa quando escolhe Sabina para ser a sua primeira paciente a ser tratada através da “talking cure” ou seja, um tratamento que faz o paciente falar sobre os males que o afligem, criado por Freud.

É bom lembrar que, nessa época, os doentes mentais que possuíam posses eram tratados com banhos, massagens, hipnotismo e outros métodos ineficazes. Aos pobres, restava apodrecer numa instituição pública.

Em 26 de outubro de 1906, Jung toma coragem e escreve a Freud:

“Trato no momento, utilizando seu método,de uma histérica. Caso difícil; uma estudante russa de 20 anos, doente há 6.” (in “Freud/ Jung-Correspondência Completa- Ed. Imago- p.47)

E, através de Sabina e seu tratamento, os dois médicos se aproximam, trocam cartas e se visitam.

Mas, Freud e Jung eram muito diferentes. O que os uniu, também os separou.

Jung, desde o principio não simpatizava com o papel central que Freud dava à sexualidade nas neuroses. Mas, se aproxima dele, a quem trata como um mentor. E o caso era que Jung se interessava por áreas especulativas que pareciam superstições para Freud.

Ora, isso era exatamente o que Freud não podia admitir em quem depositava a esperança de ser seu herdeiro. Mais, a quem pedia que o ajudasse a defender a nascente psicanálise, para que ela fosse vista com seriedade e aceita por círculos respeitados da academia. E, principalmente, Freud precisava de um ariano influente para levar a psicanálise a grupos mais amplos do que aquele  que o cercava em Viena, constituído por médicos judeus.

Voltemos ao filme.

David Cronenberg, conhecido por seus sedutores toques de perversão nos filmes que já fez, dessa vez adaptou um livro (“A Most Dangerous Method – The Story of Freud, Jung and Sabina Spierein”) de John Kerr e uma peça de Christopher Hampton ( responsável pelo roteiro), “The Talking Cure”.

Mas, Cronenberg não deixou de colocar aqui também sua assinatura. O que se conhece como rumores de um encantamento romântico entre Jung e sua paciente Sabina, transforma-se numa relação sado-masoquista, na qual Jung, amante cruel, dá a Sabina o que ela pede: surras misturadas a beijos e orgasmos.

A menina que era espancada pelo pai e que transforma a dor em prazer para se defender, entrega-se agora, com paixão, ao homem que faz com que ela fale e relembre a excitação que sempre sentiu com experiências de humilhação.

As cenas imaginadas por Cronenberg, belamente eróticas, são uma “licença poética” que asseguram o seu jeito de ser cineasta.

E aqui reside justamente o perigo do método analítico, quando o psicanalista mal formado esquece o lugar que ocupa e atua as fantasias do seu paciente ao invés de interpretá-las.

Michael Fassbender e Vigo Mortensen são Carl Jung e Sigmund Freud. Excelentes atores mas distantes dos personagens reais.

Keira Knightley é Sabina Spilrein. Um pouco exagerada nos tiques e contorsões no início do filme, incarna bem a bela jovem que se cura dos traumas do passado e se torna uma das primeiras mulheres psicanalistas freudianas.

O filme é belo e nostálgico. Merece ser visto por quem se interessa pelos conflitos que se escondem na alma dos seres humanos.

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