O Que Eu Mais Desejo

“O Que Eu Mais Desejo” – “Kiseki”, Japão, 2011

Direção: Hiroka zu Kore-Eda

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Quem já não pensou em realizar um desejo vendo uma estrela cadente no céu?

Pois, no Japão, o menino Koichi (Koki Maeda), só quer um coisa nesse mundo: ter de volta a sua família.

Seu pai e mãe se separaram e ele sente falta do pai e do irmão Rynosuke (Ohshiro Maeda, que é irmão de Koki na vida real). Os dois moram no norte da ilha enquanto ele e a mãe moram no sul, com os avós dele.

A história da estrela cadente, que realiza desejos, ganhou aqui uma nova versão. As crianças acreditam que quando dois trens-bala se cruzam, a energia é tal que um milagre acontece e, quem presencia o evento, realiza um desejo.

Koichi não pensa em outra coisa. Quer planejar uma excursão a esse lugar com poderes mágicos e conseguir ter, de novo, junto a ele e a mãe, pai e irmãozinho.

O quotidiano da cidade e seus habitantes é mostrado na primeira parte do filme por uma câmara tranquila, que deixa os personagens à vontade, em sua vida simples e sem luxos. Quase todos são crianças ou velhinhos aposentados, porque a maioria dos jovens deixaram a pequena cidade à procura de realizar seus sonhos em Tóquio.

E tudo é vida que passa sem atropelos maiores, a não ser por uma apreensão resignada que paira sobre a cidade. Lá existe um vulcão ativo que lança cinzas sobre as ruas e os habitantes de Kagoshima.

Todos vivem sob sua ameaça mas sem pensar muito nisso, numa resignação vital.

No quarto de Koichi vemos, pendurado na parede, um desenho com o vulcão em plena explosão, lançando lavas de fogo para o céu. Para ele, a pior erupção já acontecera. Foi no dia em que seus pais se separaram e ele perdeu a família…

A segunda parte do filme, que conta a execução do plano secreto de Koichi é poética e divertida. Táticas e truques são usados pelas crianças para conseguir a adesão de alguns adultos, enquanto mostram seu lado prático e também seus receios pelo sucesso da excursão.

A cena no jardim sem dono que mostra o encantamento das crianças com as flores que nascem ao léu, é pura delícia.

Kore-Eda é um mestre do cinema japonês que gosta de se ocupar com crianças. O seu “Ninguém Pode Saber” de 2004 é uma denúncia trágica do abandono.

Aqui é a delicadeza que preside ao desenrolar da história, contada sem pressa, fazendo a plateia presenciar as pequenas e as grandes perdas que todos vivem naquela cidade, onde a vida segue seu curso esperado, mesmo que à beira de uma possível tragédia sem aviso prévio.

A perda do narcisismo egoísta infantil vai acontecer quando menos se espera e vai levar um menino ao caminho do crescimento, guiado por um pai ausente fisicamente mas presente na mente do filho.

Ajuda muito a apreciar “O Que Eu Mais Desejo”, o fato de não nos esquecermos de lembrar da nossa própria infância durante o filme. É terapêutico.

 

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Mistérios de Lisboa

“Mistérios de Lisboa”- Idem, Portugal/França, 2010

Direção: Raul Ruiz (1941-2011)

Ver o filme “Mistérios de Lisboa” é como entrar numa máquina do tempo e voltar a Portugal no século XIX.

Em um redemoinho de imagens preciosas, ficamos conhecendo histórias rocambolescas de filhos ilegítimos, amantes secretos, casamentos de fachada, padres com passado enigmático, freis que se encerram em conventos para se mortificar de uma vida de libertino, cartas perdidas, amores incendiários e tudo que a natureza humana esconde quando é reprimida.

Dirigido pelo chileno Raul Ruiz, que morava em Paris e lá morreu em agosto do ano passado com 70 anos, “Mistérios de Lisboa” foi aclamado em festivais do mundo inteiro.

Passou na última Mostra de Cinema de SP para uma plateia estrelada, onde se viam desde atores globais a autores de renome, até quase toda a inteligência paulista. Todos em silêncio interessado durante as quase 5 horas do filme.

Inspirado no romance homônimo de 1854, de Camilo Castelo Branco, escritor português que nasceu em 1825 e suicidou-se em 1890, “Mistérios de Lisboa” é um painel, com tintas de novela, da história e da vida sentimental portuguesa. Dá conta de metade do século XIX e visita o XVIII, extrapolando o tempo e nacionalidades, para mostrar o coração humano que sempre vai chorar amores proibidos e contrariados ou a ausência dele na frivolidade e frieza da vida de certos seres humanos.

O filme começa mostrando ladrilhos portugueses que vão sugerindo a história, antes mesmo que ela seja contada. Assim, uma arara presencia uma conversa num salão, uma gôndola em Veneza leva um casal romântico, um fuzilamento envolve um pelotão de soldados e prisioneiros de guerra, uma casa arde em chamas.

E o narrador assim começa a história:

“Eu tinha 14 anos e não sabia quem eu era… Todos os meninos tinham sobrenomes, férias, passeios e presentes. Eu, não.”

No internato, “João” descobre que era, na verdade, filho de uma Condessa, infeliz no casamento, chama-se Pedro da Silva e Padre Dinis, seu protetor, que o menino sempre pensara que era seu pai, vivera várias identidades na vida e guardava enigmas que mudarão sua posição no mundo.

A fotografia deslumbrante de André Skankowski realça os belíssimos figurinos e cenários de Isabel Branco.

E a câmara dança em torno aos personagens, não se mantendo estática, como se pudesse ajudar a desvendar mistérios, através de seus ângulos originais.

De vez em quando percebe-se uma nota dissonante, um algo que não se encaixa. É a assinatura de Raul Ruiz.

No elenco de atores portugueses e franceses destacam-se Lea Seydoux, como a vingativa Blanche de Montfort e a bela Maria João Bastos que faz a mãe de Pedro, vivido na infância por um comovente João Luis Arrais e Adriano Luz que faz Padre Dinis.

O próprio Raul Ruiz, comentando seu filme, disse:

“- Busco criar emoção, por isso apostei num filme que tem espaço para respirar e pensar.”

Se você gosta disso, corra para ver “Mistérios de Lisboa”.

 

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