Hitchcock

“Hitchcock”- Idem, Estados Unidos, 2012

Direção: Sacha Gervasi

Oferecimento Arezzo

Não foi fácil tornar-se o diretor de um dos filmes mais cultuados de todos os tempos, “Psicose” (1960), que custou U$800.000 ao próprio Hitchcock e rendeu mais de 50 milhões de dólares.

A cena do chuveiro com Janet Leigh, em preto e branco, é dessas imagens do cinema que ninguém esquece, a trilha sonora de Bernard Hermann marcando com um som estridente e repetido, o ritmo das facadas, que são sugeridas com tanta realidade pela montagem, que todo mundo pensa que viu mesmo Norman esfaqueando a loura de touca de banho.

Alfred Hitchcok (1899-1980) tinha 60 anos quando sua estrela brilhou mais forte. Dono de um programa de TV nos anos 1955 a 1962, em preto e branco, onde aparecia introduzindo suas histórias de suspense, ficou mundialmente conhecido. Mas a sua produção como diretor em Hollywood já era extensa e bem sucedida. Filmes como “Rebeca, a Mulher Inesquecível” (1940), “Festim Diabólico” (1948), ”O Homem que Sabia Demais” (1956), “Um Corpo que Cai”(1958), colocaram ele entre os diretores mais bem pagos daquela época.

Mas, depois da estreia de “Intriga Internacional” (1959), diretores mais jovens começaram a ocupar mais espaço na imprensa.

É aí que começa o filme “Hitchcock”, do diretor inglês estreante Sacha Gervasi, 46 anos.

Baseado no livro “Alfred Hitchcock e os Bastidores de Psicose” de Stephen Rebello, 62, o filme tem Anthony Hopkins fazendo Hitch, com próteses no rosto e barrigão postiço, para ficar parecido com o diretor, mas que infelizmente engessaram o ator. E tem também a talentosa Helen Mirren como sua mulher Alma (1926-1982) com quem ficou casado por 54 anos.

Scarlett Johansson faz Janet Leigh, a estrela de “Psicose” e, numa ponta, Jessica Biel aparece como Vera Miles, irmã da loura principal.

Na verdade, Vera Miles havia desistido do papel principal de “Um Corpo que Cai” e foi substituída por Kim Novak. Hitch nunca a perdoou por trocá-lo para ter um bebê e dedicar-se à família.

Um dos traços do diretor era o tom cruel com que dirigia suas atrizes, “louras frias”, para delas tirar o melhor, desculpava-se ele.

Sua mulher Alma sabia de sua fixação pelas atrizes de seus filmes e Helen Mirren está magnífica no papel da esposa que intui o que acontece mas não deixa o palco, onde atua como a eminência parda por detrás do gênio, ajudando-o em quase todos os roteiros que ele filma.

O relacionamento entre eles era infantil e Hitch dependia dela como de uma mãe, amada e odiada. Seus ciúmes por ela eram doentios.

Aliás, essa personalidade de traços sombrios, violentos mesmo, mesclados a uma insegurança e dependência de uma mulher, que ficava oculta, faz Hitchcock ficar fascinado pelo livro de Robert Bloch “Psycho”, que conta a história de um “serial killer” de mulheres, Ed Gein, que inspirou o personagem Norman Bates, interpretado por Anthony Perkins em “Psicose”.

Não por acaso, tanto Ed (que aparece no filme em cenas de delírio de Hitch) quanto Norman, dois incestuosos, eram homens com problemas sexuais e mentes doentias.

O diretor de “Hitchcock” diz sobre “Psicose”:

“Foi um fenômeno mundial. Eu acho que todo mundo que viu “Psicose” como eu, quando era mais jovem, sofreu um grande impacto. O lado negro e a violência eram chocantes.”

Bem, se esse não é o filme definitivo sobre o mestre do suspense, é porque Hitchcock guarda ainda muito para nos contar sobre sua genialidade difícil. Outros filmes ainda virão.

Ler Mais

A Caverna dos Sonhos Esquecidos

“A Caverna dos Sonhos Esquecidos”- “Cave of Forgotten Dreams”, França, Estados Unidos, Alemanha, 2010

Direção: Werner Herzog

Quer fazer uma viagem no tempo? Visitar o homem pré-histórico que habitou a região de Vallon-Pont-D’Arc no sul da França, no vale do rio Ardèche?

Mais. Quer experimentar o que Jean Marie Chauvet e outros dois exploradores sentiram quando, em dezembro de 1994, penetraram num buraco e cavaram até chegar dentro de uma caverna?

A tocha de Chauvet, apontada para as paredes de rocha fez com que ele exclamasse:

“- Eles estiveram aqui!”

Imaginamos a emoção daquele que deu o seu nome à caverna, e seus companheiros, quando viram os desenhos, mais de 400, que enfeitam as paredes em meio às marcas das garras de ursos, principais habitantes do lugar e cujos crânios, enfeitados por cristais brilhantes, jazem no chão atapetado de estalactites e estalagmites, entre pegadas humanas e animais, ossos e restos das tochas dos que penetraram na caverna. Tudo recoberto por um tecido brilhante de água e rocha cristalizada.

Para nosso espanto e maravilha, entramos com o cineasta alemão Werner Herzog, 70 anos (diretor dos conhecidos “Nosferatu” 1979 e “Fitzcarraldo” 1982), pela porta de aço que veda o acesso à caverna.

Sua entrada principal foi selada pelas pedras que caíram durante um terremoto há 25.000 anos. Isso fez com que a caverna se tornasse uma cápsula do tempo, contendo intactas as pinturas ruprestres mais antigas de que se tem notícia, de 30 a 32.000 anos atrás.

É um privilégio, já que turistas não são permitidos aqui. Herzog obteve uma licença especial do governo francês e conseguiu filmar os desenhos, iluminados com três focos de luz e uma pequena máquina 3D, manejada por Peter Zeitlinger.

Herzog e seu pequeno grupo são vistos durante a filmagem andando em fila indiana por uma estreita passarela. É proibido sair desses limites.

As cenas nos comovem e emudecem porque os desenhos realizados com perícia e arte, com pedaços de carvão, estão lá preservados como no dia em que foram feitos.

Cavalos com suas crinas espessas, bisões em manada, enormes mamutes, leões das cavernas sem juba, rinocerontes com longos chifres, ursos, antílopes, alces e um único leopardo, se mostram aos nossos olhos em dimensões e proporções que o artista conseguiu criar aproveitando as reentrâncias e os volumes da rocha.

O que dizer do cavalo que parece relinchar com sua boca aberta? Ou do casal de leões que jaz a um canto com a fêmea roçando seu flanco no macho? E os rinocerontes em luta com seus chifres se batendo e cascos em fúria, projetados para a frente? Ou ainda na rocha que pende do teto ostentando o único desenho de um ser humano, uma Vênus ancestral?

E o que pensar sobre o conjunto de pedras arranjadas como um altar, encimado por um crânio de um urso, em face à entrada da caverna?

E pasmem. Werner Herzog, nosso anfitrião e narrador em “off”, alude a um proto-cinema quando nos mostra as várias patas de um bisão que dão aos nossos olhos a impressão de movimento.

Nas entrevistas com espeleólogos, arqueólogos, antropólogos e outros cientistas que mapeiam e estudam a caverna, há alusão ao nascimento do homem como o conhecemos, o “homo sapiens” que, naquela época, convivia com os Neandertais, que não deixaram nenhuma marca artesanal.

O passado remoto está ali e a alma dos nossos antepassados nos espreita nos traços que deixaram.

“A Caverna dos Sonhos Esquecidos” é um testemunho imperdível da história do homem e uma aula de arte magnífica.

Ler Mais