Terapia de Risco

“Terapia de Risco”- “Side Effects” Estados Unidos, 2013

Direção: Steven Soderbergh Steven Soderbergh Steven Soderbergh

Oferecimento Arezzo

Ela parece tão frágil, ao lado do marido, naquela sala de visitas na prisão onde ele estava cumprindo pena por crime de “colarinho branco”. Ele, um homem grande, afetuoso, que abraça ela e a mãe dele com gosto, no dia de sua libertação.

Tudo fazia crer que aqueles dois poderiam retomar a vida boa de antes. Era só uma questão de tempo.

Mas a vemos cada vez mais triste, mais longínqua, fora do mundo. Uma avezinha com a asa quebrada. E seu olhar era de medo, ansiedade por não conseguir nem retomar a vida social com os amigos do marido.

No banheiro da festa, chorando, ouve de sua amiga que também ela sofrera de períodos de depressão na vida e que um remédio a tinha salvado. O mesmo lhe diz sua chefe.

E Emily vai atrás dessa solução, depois de ir parar no hospital porque não freara frente um muro na garagem do prédio. Antes, acelerara.

O médico simpático que a atendeu, concordou em não interná-la, passando a atendê-la no consultório.

Sabemos como o termo “depressão” virou coisa comum hoje em dia. A antiga tristeza cedeu vez a essa doença. E, na cultura competitiva em que vivemos, onde todos querem se realizar e ser felizes, essa “doença” se espalha. Ninguém tolera frustração, perdas, não atingir metas sonhadas. E aquela pílula parece que faz tão bem…

“- Faz você se sentir você mesmo, no auge de suas potencialidades”, dizem os que a usaram e mesmo os psiquiatras. E a propaganda corre de boca em boca.

Só que ninguém está preparado para os efeitos colaterais, “side effects” do titulo original. Nossa sociedade adoeceu e a pior coisa que nos acontece não é essa “depressão”, novo nome da velha tristeza.

A ambição de grupos vai de encontro às pessoas que se vendem, com desculpas de que estão, por exemplo, fazendo pesquisa. No campo da medicina, é comum os grandes laboratórios financiarem os médicos que aceitam comprovar os benefícios de drogas novas no mercado ou até ampliar o uso de remédios indicados a casos especiais. Sem saber o que fazem. Essa é uma denúncia importante que “Terapia de Risco” tem a coragem de fazer.

O filme de Steven Soderbergh é um “thriller” muito inteligente. Trata de efeitos colaterais no sentido específico do termo e também num sentido mais amplo. Porque o ser humano, infelizmente, tem falhas que nenhum remédio pode curar.

Falar algo mais sobre o enredo de Scott Z. Burns é fazer o filme perder a graça.

Steven Soderbergh reuniu nomes famosos e talentosos como os de Rooney Mara, Jude Law, Catherine Zeta-Jones, Channing Tatum e contou uma boa história que prende o espectador e o faz pensar.

O que mais se pode pedir de um bom filme? Tomara que a anunciada aposentadoria do mestre Soderbergh seja apenas um boato.

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Reality – A Grande Ilusão

“Reality – A Grande Ilusão”- “Reality”, Itália/ França, 2012

Direção: Matteo Garrone

O Vesúvio, imponente, trona sobre a cidade de Nápoles.

A câmara foca a cidade de cima e vai descendo, procurando por um veiculo inusitado. Uma carruagem dourada, puxada por dois cavalos brancos e conduzida por um cocheiro de chapéu e vestimentas com “paétès” vermelhos.

Nós nos perguntamos: do que se trata?

E, quando a carruagem adentra os portões de uma vila italiana decadente mas ainda com belos jardins, vemos que é um casamento bizarro. Noivo e noiva, de branco, estão sentados no cetim branco dos bancos, felicíssimos.

Chegam no local da festa e o noivo corta uma fita inaugural com uma tesoura dourada. Pombos brancos voam, libertados de caixas em formato coração. Pagens vestidos de cetim de cores berrantes ladeiam o cortejo. Tudo ao som da Marcha Nupcial.

E, coitados dos noivos, tudo muito cafona.

Mas aí pensamos: os convidados devem estar achando aquilo o máximo. Pois até aplaudem!

E logo é anunciado um convidado especial: Enzo, do “Grande Fratello”, o “Big Brother” local. Ovação, gritos, pedidos de autógrafos e fotos.

Enzo (Raffaele Ferrante), de blaser xadrez e chapéu de turista americano, é todo sorrisos e ridículo. Fica cinco minutos, fala seus clichês e corre para o helicóptero prateado. Mas tem que dar atenção a um homem vestido de mulher, peruca azul e boá de penas vermelhas, com uma menina no colo.

“- Enzo, minha filha quer uma foto!

“- OK!”, diz Enzo, um pouco chateado mas acrescentando o seu refrão, “Never give up” e “nunca desista de seus sonhos! “

Luciano (Aniello Arena), o pai da menina e mais dois filhos, que costuma fazer performances nas festas da família, é dono de uma peixaria, casado com Maria, vive num cortiço e aplica pequenos golpes para ganhar um dinheirinho extra.

Mas, preparem-se porque aquele homem simpático, cordato, feliz até, vai mudar completamente na frente dos olhos de todos.

Para não desistir de seu sonho, Luciano vai visitar o inferno. Delírios de grandeza, mania de perseguição, paranoia e ideias fixas. Luciano vai enlouquecer completamente, por causa de um sonho. Bobagem, para muitos de nós mas a salvação de sua vida, para ele e outros como ele.

Com produção de arte de Paulo Bonfini e fotografia de Marco Onorato, que usam e abusam das luzes coloridas de palco no cenário e música de Alexandre Desplats, de inspiração felliniana, assistimos a uma tragicomédia entre personagens caricatos, falastrões e com um gestual exagerado e até patético.

O filme levou o Grande Prêmio do Juri em Cannes 2012 e a interpretação de Aniello Arena foi muito elogiada. Ele é um ex-mafioso, condenado à prisão perpétua por três homicídios, que aprendeu teatro na cadeia e obteve permissão do juiz para participar da filmagem.

“Reality – A Grande Ilusão”, dirigido por Matteo Garrone, que também trabalhou no roteiro, é uma fábula contemporânea sobre o velho tema de vender a alma ao diabo, com a novidade que aqui alguém não consegue isso e afunda na loucura. O desejo é de obter fama e fortuna. Sabemos que dramas faustianos nunca acabam bem.

“Reality – A Grande Ilusão” é um filme divertido, patético e oportuno, num mundo de “celebridades” instantâneas em que vivemos hoje em dia.

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