Blue Jasmine

“Blue Jasmine”- Idem, Estados Unidos, 2013

Direção: Woody Allen

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Todo mundo conhece uma Jasmine French. Não é uma pessoa rara num mundo no qual os valores éticos decaem e são substituidos por ambição desmedida e egoismo.

Pior. Todo mundo tem uma Jasmine dentro de si, pronta a eclodir, desrespeitar limites, entregar-se ao narcisismo desenfreado e proteger-se através da cegueira, para não ter que mudar nenhum milimetro.

Através de Jasmine, Woody Allen, o diretor, fala de todos nós, ele inclusive, claro. Ela é humana por excelência, naquilo que a humanidade tem de tendência à voracidade, desrespeito aos outros e preguiça.

Por meio de “flashbacks” entendemos que Jasmine vivia na Park Avenue, em Nova York, lugar onde moram os muito ricos e era a que melhor recebia a elite endinheirada, na cidade ou nos Hamptons, praia chic para onde vão os mesmos que circulavam nos seus salões na cidade.

Casada com o especulador Hal (Alec Baldwin), Jasmine era uma flor habituada a um ambiente luxuoso. Em sua estufa, desde que tivesse tudo o que queria, ela não via problema nos flertes do marido. Para mantê-lo, cegava-se às suas infidelidades constantes.

E parece que também fechava o olho à maneira com que o dinheiro chegava até eles. Fazia-se de desentendida. Até que…

Porque um dia a casa cai e pobre daquele que não sabe o que fazer nessa situação previsível e perigosa.

Jasmine, quebrada financeiramente e ferida em seu narcisismo, entrega-se à loucura mansa. E engana-se mais uma vez. Pensa que vai poder refazer sua vida, sem mudar nada em si mesma.

E lá vai ela para a casa da irmã (Sally Hawkins, ótima) que ela evitava nos dias de luxo. Troca Nova York por São Francisco mas só para não cruzar com os ex-amigos na situação em que está.

Cate Blanchet, 44 anos, faz uma Jasmine de cortar o coração. Porque ela é fútil, mentirosa, egoista mas sofre demais, porque não entende nada sobre si mesma.

A atriz australiana que já tem um Oscar de melhor atriz coadjuvante por “O Aviador” 2004 e quatro outras indicações, pode ganhar o seu segundo e como melhor atriz. E seria merecido porque Cate Blanchet incarna Jasmine com alma, fazendo sua personagem sem criticá-la e emprestando a ela beleza e elegância naturais.

Quando a vemos, falando sózinha, olhos vermelhos e embaçados, sentada num banco de jardim público, as risadas nervosas da plateia cedem lugar a um silêncio empático.

Esse é o grande lance do filme. Como sempre escrito pelo próprio diretor. “Blue Jasmine” não é comédia, tampouco tragédia. É a vida.

Woody Allen, 77 anos, em seu 40º filme acertou mais uma vez e, de quebra, agradou também aos críticos americanos que escreveram elogiando o filme.

Ele deve estar feliz com o resultado e já se prepara para o próximo, com Emma Thompson.

Não perca “Blue Jasmine”, uma outra obra prima de Woody Allen sobre a condição humana, seu assunto preferido.

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Lore

“Lore”- Idem, Alemanha/Austrália/Reino Unido, 2012

Direção: Cate Shortland


Quando a australiana Cate Shortland, 45 anos, ganhou do marido o romance “Dark Room”, de Rachel Seiffert, ela soube que poderia fazer um filme original, que teria tudo a ver com a família dela e a do marido, judeus alemães que se refugiaram na Austrália em 1938.

A diretora e roteirista resolveu levar para o cinema uma das três histórias contadas no livro, a de Lore, uma alemã de 14 anos, vivendo momentos terríveis nos dias que se seguiram à vitória dos Aliados, na 2ª Guerra Mundial, em 1945.

Claro que foi um assunto difícil de encarar para uma judia. Cate Shortland sabia disso.

Então, apoiou-se em longas conversas com a autora do livro, uma alemã, que trata da repercussão do Holocausto na mente dos alemães. E ficou sabendo que era uma história real, a de Lore. Rachel Seiffert, a autora do livro, viveu isso. Seu avô era da Gestapo e foi preso por crimes de guerra.

“Lore”, a história da mocinha (Saskia Rosendahl), filha de um oficial nazista, que é abandonada pela mãe, que prefere entregar-se aos Aliados do que morrer nas mãos dos camponeses alemães e deixa os filhos com a mais velha, é comovente e terrível.

A diretora disse, em uma entrevista, que contar a história do ponto de vista dos derrotados, os alemães e não pelo olhar das vítimas, os judeus, foi muito difícil mas também recompensadora:

“- … o que me atraiu foi realmente essa perspectiva assustadora de fazer um filme sobre os agressores ou os filhos dos agressores. E eu tive que lutar contra os meus próprios demonios e minha percepção sobre o que é a Alemanha e a minha própria raiva sobre o assunto…”

A diretora também diz, na mesma entrevista, que tentou não fazer julgamentos sobre as pessoas porque elas viviam sob o nazismo. Era natural para Lore que o pai (Hans-Jochen Wagner), a mãe (Ursina Lardi) e a avó (Eva-Maria Hagen) adorassem Hitler.

Foi preciso que algo muito forte acontecesse durante o percurso a pé de Lore com quatro crianças, uma delas um bebê de colo, desde a Bavária, no sul, atravessando a Floresta Negra e chegando ao Mar Báltico, no norte, para que ela fosse mudando e compreendendo, afinal, o que acontecera em volta dela, em seu país.

A descoberta da intensa atração por um misterioso rapaz (Kai-Peter Malina) que ajuda Lore na fuga com os irmãos, leva a mocinha a um conflito: como amar aquele que ela aprendera a desprezar e odiar?

“Lore” é um filme feito com delicadeza, com um olhar feminino sobre a vida, apesar das imagens terríveis, obrigatórias numa Alemanha destroçada, com falta de tudo que é essencial e descobrindo o horror do Holocausto, crime do nazismo, quase que uma religião para os alemães, que ainda não se davam conta do que realmente acontecera.

“Lore” é belo, terrível e original. Vá ver.



                

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