Inhotim, um encontro feliz entre a natureza e a arte

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Eleonora Rosset

 

 

Hoje não vou falar de filmes mas de um lugar cinematográfico.

Todo mundo me contava de Inhotim mas nunca chegava o meu dia de ir para lá.
Era longe. É longe. Mas, eu digo: vale cada minuto da jornada.
E, por mais que me contassem, meu encontro com o que era imaginado foi ainda mais forte do que eu poderia sonhar.
Saindo de uma São Paulo no meio da chuvarada, apreensiva, vi um pouquinho de céu azul em Belo Horizonte e respirei aliviada. Não iria chover.
E lá fomos nós, vendo o sol aparecer, o céu com nuvens brancas de bom tempo.
Imaginem uma estrada estreita, serpenteando por entre serras verdes e pequenas fazendas antiguinhas espalhadas pelo caminho.  A BR040 é uma deliciosa preparação para o que vai vir.
Uma hora e pouco depois, a placa mostra Brumadinho, a antesala de Inhotim.
Cidadezinha simpática. E o olhar da gente vai buscando. Como será?
Enfim chegamos. E o sol, o calor, o céu azul, são moldura para os jardins bem cuidados numa desordem natural muito bem pensada. Roberto Burle Marx assinou uma paisagem que nos atrai e nos enlaça. Instantaneamente estamos em paz. Pássaros e cigarras. Silêncio.
Eu me senti numa catedral verde. As palmeiras altas, uma miríade delas, muitas raras e originais, são como colunas, sustentando esse espaço que leva a comungar com plantas, arbustos, árvores de todo o tipo, flores e mais flores.
Imensos troncos como bancos convidativos mostram o talento de Hugo França.
Caminhos de terra por dentro de bosques levam a descobrir as pedrinhas, folhas e pontos cambiantes de luz do sol.
Tudo em Inhotim leva à contemplação. E que fome de calma e beleza nós temos!
As galerias, como são chamados os pavilhões que abrigam as obras de artistas de renome, brasileiros e estrangeiros, imaginados por arquitetos inspirados, muitas vezes são escolha dos próprios artistas.
Que casamento harmonioso na quase piramide que abriga as “Tetéias” luminosas de Lygia Pape!
E o que dizer da monumental estrutura, cercada de espelhos d’água azuis, que nos encanta antes mesmo de conhecer o mar interno que Adriana Varejão criou com azulejos “craquelés”, quais cacos do barroco? “Celacanto provoca maremoto” é o nome daquela beleza. E que luz!
O olhar, através do vão do mezzanino, revela as flores carnívoras sobrevoando as ruínas com vísceras sanguinolentas expostas. Quando atingimos o terceiro andar, estamos na altura das copas das árvores. Bancos nos esperam com ladrilhos salpicados de pássaros.
Tunga e seu pavilhão com a obra “True Rouge”, na frente de um lago verde (corante biodegradável transforma o marron das águas), tem uma borda sinuosa que o envolve. E lá dentro, o vermelho das redes que sustentam vidros, qual tubos de ensaio, ocupa todo o espaço que se faz leve mas com um sentido pesado.
No novo pavilhão desse artista, cercado pelo verde, subimos de um lugar escuro onde um túnel infinito nos surpreende, para o salão com redes negras, ossos amarrados, caveiras e caldeirões que falam de magia, para um lugar de sonho no terceiro andar, onde uma grande mesa de espelho, protegida por cortinas, abriga coleções de ânforas, copos, jarras coloridas e transparentes.
As redes vermelhas no terraço sombreado convidam ao repouso e a pensar sobre todo aquele desafio visual.
Mas tem mais, muito mais.
O visitante que só tem um dia, como eu, vai sentir saudades do tempo que poderia ter ficado na contemplação da piscina de Jorge Macchi que um casal jovem aproveitava com gosto ou do campo de vasinhos  em forma de letras de Marilá Dardot, que convida a formar nomes e mini poemas.
Para não falar do alto daquela colina onde Chris Burden enterrou pesadas vigas no cimento que as sustenta, como um jardim monumental e que quando tocadas soam como sinos cavos.
Lá embaixo, às margens do lago dos cisnes, as paredes coloridas de Helio Oiticica não se tocam mas trocam combinações de cores intensas.
Nem dá vontade de almoçar. Mas até nisso Inhotim surpreende. Mesinhas em várias das galerias que oferecem  quitutes, um centro de recepção que tem um restaurante acolhedor e uma lojinha simpática que distrai e refaz as energias para novas descobertas.
E como vale subir o caminho daquele bosque que esconde paredes de espelho com labirintos de flores verdes e água sob os nossos pés. Cristina Iglesias surpreende com uma natureza pessoal.
Ou descer aquele outro caminho e entrar no espaço em que Olafur Eliasson colocou sua fonte que jorra e dança e se imobiliza sob a luz, como se fosse de cristal.
Subindo escadas entramos num espaço circular pensado por Doug Aitken que abriga um buraco que adentra a terra. E ouvimos seus sons, ora suspiros, ora rugidos. O som da Terra.

E o grande Cildo Meirelles propõe três espaços de contrastes, com suas famosas instalações que já andaram pelo mundo e agora sentem-se em casa:”Desvio para o vermelho”, “Através” e “Glove Trotter”. Um privilégio que merece reflexão.
E tem a enorme tela de Marepe, colagem de embalagens de picolé que fica em frente à sua cabra picassiana. A casa tropical de Rirkrit Tiravanija com paredes que se abrem à brisa. E Amilcar de Castro, rigoroso, pousado na grama perfeita.
E qual sentimento cada um vai sentir quando sentar nas paradas de onibus de Dominique Gonzalez-Foerster, em meio à brilhante brita branca? Esperando… O tempo da vida.
Inhotim é um extraordinário enorme museu ao ar livre com uma profusão de jardins e bosques, conversando e protegendo a arte. É único no mundo.
Será com certeza uma pessoa especial, aquele turista que vai poder usufruir do hotel que já está sendo construido com bom gosto. Ano que vem inaugura.
Aposto que vai ter gente que vai querer morar lá, como faz há muito tempo o dono desse lugar de maravilhas, o visionário Bernardo Paz.

Dá vontade de imitá-lo.

 

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Como não Perder essa Mulher

“Como não Perder essa Mulher”- “Don Jon”, Estados Unidos 2013

Direção: Joseph Gordon-Levitt

As imagens que aparecem na tela são atropeladas e os sons atordoantes. Programas de TV, desenhos animados, lutas, garotas com pouca roupa. O título original, “Don Jon”, aparece pulsando. Nem precisa dizer que a tradução para o português, que não tem nada a ver com o filme, foi escolhida para trazer público para o cinema.

Mas, mesmo assim, cuidado. O tema, pode assustar pessoas conservadoras. O protagonista, interpretado pelo próprio diretor e também roteirista de seu primeiro filme, Joseph Gordon-Levitt, começa dizendo:

“- Sim, não vou mentir. Nessa hora, a única coisa que existe no mundo é aquele peito, aquela bunda…”

Ele olha a tela do computador, onde passa um filme pornô, que vemos de relance. Pega um lenço de papel da caixa e depois joga no lixo.

“- Me interesso pelo meu corpo, meu ap, minha família, minha igreja, minhas garotas e meus pornôs. Estou sendo sincero. Por que me chamam de Don Jon?”

Ele parece que não sabe, mas vive em função da pornografia.

Toda noite vai a um clube pegar garotas. Entre amigos (Rob Brown, o Bobby e Jeremy Luke, o Danny), dão notas de 1 a 10 para as meninas e Don Jon, invariavelmente, dança com a de melhor nota, se esfrega, leva para o sofá, para o táxi e para a cama. Só que, depois da transa, sente um apelo irresistível e vai se satisfazer vendo um pornô.

Para tudo recomeçar metódicamente no dia seguinte. Aliás, ele tem mania de limpeza. Faxina o ap como ninguém.

Sua rotina não seria completa sem a macarronada aos domingos com o pai, machista mal-educado, a mãe, que sonha com netos (Tony Danza e Glenne Headly, ótimos) a irmã, muda, sempre navegando no celular e a TV no futebol aos berros. Tudo isso precedido de uma ida à igreja com toda a família, para confessar seus pecados. Sempre os mesmos, variando as quantidades.

No trânsito ele é irritadíssimo.

Até que surge ela, Barbara Sugarman (Scarlett Johansson) num vestido vermelho provocante e com aquela boca, emoldurada por longos cabelos louros.

“- É a mulher mais linda do mundo”, exclama Jon de queixo caído. E vai para cima dela. Só que na hora do táxi, ela vai embora sózinha, fazendo beicinho de um jeito que deixa Jon mais encantado ainda.

Apresenta a bela à família e ela conquista a todos. Netos à vista!

Tudo estaria no melhor dos mundos, se o inesperado não acontecesse. Jon não consegue dispensar o ritual pós-transa e Barbara fica ultrajada.

Por que será que a pornografia tem um apelo irresistível para Jon? Não seria porque ali ele controla tudo e é dono de seu gozo do jeito que ele quer? E, mais importante, não corre o risco de se fragilizar com sentimentos?

Nada contra a pornografia, se isso não estimulasse seu medo de se envolver com mulheres reais.

O que ele parece não saber é que o sexo depende muito mais do cérebro e da imaginação. Para não falar da auto-estima.

Para Jon não adianta ter na cama a mulher nota 10, a mais atraente no visual e depois se deparar com uma manipuladora que usa o sexo para controlar e mandar nele.

Nos dois vemos o mesmo problema. Superficialidade. Não há tranquilidade em lidar com gente real, nem vontade de aprofundar a intimidade. Teriam que sair desse cenário de acrobacias, corpos perfeitos e egos avantajados.

Julianne Moore, como Esther, vai ensinar uma ou duas coisas para Jon.

O filme é engraçado, bem editado e com ótimos personagens vividos por bons atores. Mas não é para todo mundo porque os mais conservadores e puritanos vão só condenar as imagens do filme, sem pensar na mensagem. Uma pena.

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