Paixão e Acaso

“Paixão e Acaso”- Brasil, 2012

Direção: Domingos de Oliveira

Oferecimento Arezzo

O acaso é o responsável por muito do que acontece na nossa vida.

Mas como ter certezas num mundo comandado pelo acaso? Será que é para se defender desse cenário, onde tudo pode acontecer, que estamos sempre procurando razões para tudo? Há até quem diga que não existem coincidências.

Em “Paixão e Acaso”, Domingos de Oliveira, 77 anos, diretor e roteirista, brinca e faz graça dessa nossa desgraça de querer entender e controlar tudo à nossa volta.

No caso de Inês (Vanessa Gerbelli), uma jovem psicanalista compenetrada, que trabalha muito, tudo começa a acontecer de maneira diferente naquele dia em que ela acorda e vê o pai, já morto há três anos, sentado na cama dela:

“- Pai! Que saudades!”exclama Inês, entre assustada e feliz.

O clima de farsa instala-se. Ouvimos o pai de Inês questioná-la:

“- Você não está fazendo a coisa certa. Só trabalha! Há quanto tempo não vai para a cama com alguém?”

“- Três anos”, responde a filha.

“- Você é fixada em mim! Isto é imoral e revoltante. Sexo é tudo. Tudo é sexo”, acrescentando, “você vai encontrar o amor! O amor vai encontrar você!”

E com essa libertação forçada pela autoridade paterna, Inês sai da prisão que construira para si própria. Ela, que não sabia como escapar desse luto prolongado que afetava sua libido, acorda.

E, na livraria encontra Fábio (Pedro Furtado), que se diz apaixonado por ela, à primeira vista.

Numa cena bem humorada, os dois vão procurar livros que tenham a palavra “amor” no título, num diálogo charmoso. Só olhares, sem palavras.

Mas, novamente o acaso entra em ação e Inês, que foi conversar com uma amiga num bar, é surpreendida por Bento (Aderbal Freire Filho), muito mais velho que ela e pronto, os dois se apaixonam.

Para quem não tinha nenhum, Inês tem agora dois namorados e tem que revezá-los, contando mentiras para evitar que os dois se encontrem.

E  máximo da ironia acontece. Fábio e Bento são pai e filho. E também estão de luto porque a mãe idolatrada e  esposa querida, morreu também há três anos. Mas Inês não sabe de nada.

“Paixão e Acaso” é um filme com cenas divertidas e algumas reflexões interessantes.

Domingos de Oliveira, que luta há 15 anos com um Parkinson, não faz disso um drama, trabalha muito e está lançando dois filmes juntos. O outro é “Primeiro Dia de um Ano Qualquer”.

O genial criador de “Todas as Mulheres do Mundo” de 1966 com Paulo José e a inigualável Leila Diniz, não perdeu a mão. “Paixão e Acaso” tem altos e baixos mas é delicado e contemporâneo. E faz rir das angústias quotidianas das quais ninguém escapa.

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Trem Noturno para Lisboa

“Trem Noturno para Lisboa”- “Night Train to Lisbon”, Alemanha, 2013

Direção: Bille August

 

Um livro pode mudar a vida de alguém?

Depende. No caso do professor Raimund Gregorius (Jeremy Irons, convincente), ele tem um encontro marcado com o destino, naquela manhã chuvosa e escura, em Berna, Suiça, quando passa pela ponte que era seu caminho até a escola, onde dava aulas de latim.

Vê uma jovem pronta para pular nas águas geladas do rio. Grita e salta sobre ela. Os dois caem no chão molhado.

Sua pasta se abrira e os papéis se espalhavam pela rua. Ele e a mocinha recolhem as folhas levadas pelo vento.

“- Posso ir com você?”, pergunta ela ao professor aturdido.

E os dois seguem até a escola.

“- Sente-se”, diz ele para ela, que tira o casaco vermelho molhado.

Mas enquanto ele distribui os trabalhos dos alunos, ela escapa. Ele sai atrás dela, com o casaco que ela deixara para trás. Procura por algo que identifique a jovem nos bolsos do casaco e encontra um livro escrito em português. “O Ourives das Palavras” era o título, o autor um certo Amadeu de Almeida Prado e fora editado em Lisboa. Um carimbo mostrava o nome de uma livraria conhecida.

Lê uma frase a esmo:

“Se vivemos só uma parte da nossa vida interior, o que acontece com o resto?”

Pensativo, com o livro aberto, o professor caminha até a livraria e fica sabendo que o livro fora vendido a uma moça que procurava livros em português, no dia anterior:

“- Ela sentou-se, leu o livro por uma hora, pagou e saiu aflita”, conta o livreiro.

Quando manuseia o livro, cai de dentro dele uma passagem do trem noturno para Lisboa.

“- E parte em 15 minutos”, nota o dono da livraria.

O professor sai correndo, como se algo muito forte o tomasse e sobe no trem já em movimento, levando o livro e o casaco vermelho da moça.

As palavras do livro tinham mexido tão profundamente com o professor que ele vai andar por Lisboa atrás de pistas que o levem a conhecer a vida do autor.

Quanto mais sabe, mais procura e depara-se com a história da ditadura de Salazar, a resistência e a polícia política, a PIDE, conhecida por sua repressão cruel.

Descobre uma história de amor do passado e talvez uma nova vida no presente.

O livro que foi adaptado para o filme foi escrito por um professor de filosofia da Universidade de Berna, Peter Bieri, que usou o pseudonimo de Pascal Mercier. O livro vendeu mais de dois milhões de exemplares.

Bille August, 65 anos, dinamarquês, foi quem adaptou o livro para o cinema e comandou, com competência, um elenco de grandes nomes: Jeremy Irons, Charlotte Rampling, Bruno Ganz, Mélanie Laurent, Lena Olin e Christopher Lee. Todos ótimos.

Falado em inglês, o filme tem um charme português e Lisboa está linda, com seu casario ao sol, ladeiras estreitas e o Tejo de águas que procuram o mar.

Suspense, política e romance, ingredientes de sucesso, misturados a reflexões filosóficas interessantes, fazem com que o filme “Trem Noturno para Lisboa” seja altamente recomendado para quem gosta de histórias sofisticadas.

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