Até o Fim

“Até o Fim”- “All is Lost”, Estados Unidos, 2013

Direção: J.C. Chandor

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A imagem de um mar azul, muito próximo, encontra-se com o céu de azuis mais pálidos e ficamos sabendo que estamos a 1.700 milhas náuticas de Sumatra, seja lá o que isso quer dizer.

Uma voz em “off”, que reconhecemos como a de Robert Redford, diz:

“Sinto muito. Sei que isso significa pouco agora.

Acho que todos vocês concordam que eu tentei ser verdadeiro, ser forte, ser gentil, amável e correto. Mas não fui. E sei que vocês sabem disso. Sinto muito.

Tudo aqui está perdido, exceto pela alma e pelo corpo. Ou seja, o que resta deles.

E a ração de meio dia.

É imperdoável realmente. Sei disso agora. Como levei tanto tempo para admitir que não tenho certeza?

Mas aconteceu. Lutei até o fim. Não tenho certeza de que isso vale apena, mas saibam que eu fiz.

Vou sentir saudades. Sinto muito.”

E lemos uma data: 13 de julho, 4:50 PM.

Outro letreiro indica que vamos voltar oito dias.

Imediatamente nós nos perguntamos: mas quem é esse homem? O que faz sózinho no mar, tão longe de casa? Por que sente muito? A quem pede desculpas? De quem vai sentir saudades? O que aconteceu?

Mas, ao mesmo tempo, sentimos que tudo isso não importa, pois, de chofre, nosso homem acorda com um solavanco de seu veleiro. A água invade a cabine. Ele já se movimenta e sobe ao convés.

Um “container” perdido chocou-se contra o barco, perfurando seu casco.

Nosso homem toma providências.

Consegue livrar-se do “container” depois de muita luta e manobra o barco para que o buraco saia do nivel da água.

Empenha-se em consertá-lo, usando tela e cola.

Percebe que a parte elétrica foi danificada. Usa bomba manual para tirar a água do convés.

Dorme numa rede para ficar acima da água que bate na cintura dele.

Acorda e sai com o que salvou da água. O diário de bordo, mapas, uma caixa, o rádio, a bateria. Põe tudo para secar e trabalha concentrado.

Maneja o rádio que faz alguns ruidos. Ouve vozes e pede socorro: “Aqui Virginia Jean”. Mas em vão. O rádio está mudo.

Assim ele também vai ficar. Mudo. Focado nas tarefas que realiza para se manter vivo.

O rosto marcado por rugas e vincos que mostram a idade (Robert Redford tem 77 anos), mas também a inteligência e a determinação no olhar, acompanham um corpo forte, flexível, pronto para a ação.

A câmara fica em cima dele o tempo todo. Ela também é ágil e se movimenta rápida.

O espectador cria, inevitávelmente, uma ligação com esse homem, sofre com ele, acompanhando tudo de ruim que acontece e respira fundo quando ele se safa, até o momento em que não há mais possibilidades de luta pela vida.

A fotografia belíssima de Frank G. DeMarco acompanha nosso homem e sua luta para mostrá-lo em “close” a maior parte do tempo. Quando o vê de cima, no bote, mostra a casquinha que ele é. E quando mergulha, para mostrá-lo na água, vemos que há perigo.

O filme é uma fábula bem contada sobre o homem e sua vontade de viver, de não entregar-se, de romper os próprios limites, de ir além.

Mas chega um momento em que nos deparamos com o fim, com a morte. Mesmo que ainda não seja o final e tivermos a sorte de sair dessa, não adianta. De repente, algo nos convence de que a vida terá fatalmente um fim.

E a aceitação disso é a chave para abrir novas portas, até a derradeira.

O diretor e roteirista, J. C. Chandor, 40 anos, em seu segundo longa ( o primeiro foi “Margin Call – O Dia Antes do Fim”2011), usando um só ator, sem diálogos, nem monólogos, excetuando o inicial, com o barulho do vento, do mar, a respiração do nosso homem, trovões, o rangido da madeira do veleiro e o som do bote batendo na água, consegue envolver o espectador, que experimenta como se fosse na própria pele, a fragilidade e o desamparo do homem, mesmo o mais bem preparado, frente às forças da natureza desencadeadas.

Pena que “Até o Fim” não foi lembrado no Oscar, apesar da crítica de Nova York ter premiado Robert Redford.

Mas não importa. É um filme inesquecível.

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Lunchbox

“Lunchbox”- “Dabba”, India/Alemanha/Estados Unidos/França, 2013

Direção: Ritesh Batra

Quem conhece Mumbai na India, não se espanta com a imagem de trens apinhados que combina com a outra do telhado coalhado de pombos. Nas ruas, a multidão fervilha no meio de um trânsito caótico de carros, bicicletas, motos, “tuc-tucs”, carroças e sabe-se lá o que mais.

Ninguém diria que é possível haver solidão nessa cidade. Mas sim, existe.

O viúvo Saajan Fernandes (Irrfan Khan de “As Aventuras de Pi”) segue uma rotina solitária, da casa para o trabalho e daí para casa de novo. Ele não é um velho mas já passou da meia-idade e está perto de aposentar-se. Planeja retirar-se para o campo.

Seu rosto inexpressivo, sua vida monótona e a ausência de sonhos, parecem imutáveis nesse personagem da grande cidade, até que um erro impensável coloca tempero em sua vida.

O serviço de entrega de marmitas de Mumbai é muito conhecido e respeitado. Já foi até motivo de estudo da Universidade de Harvard. Seus 5.000 entregadores, que levam e trazem de volta o alimento dos que trabalham nos escritórios do governo e de empresas, nunca se enganam.

Mas, como toda regra tem exceção, a marmita preparada com esmero por Ila (Nimrat Kaur), uma bonita indiana que teme que seu marido Rajeev esteja se afastando dela, vai parar na mesa de Saajan.

Na hora do almoço, no refeitório, quando abre a marmita, os olhos de Saajan arregalam-se enquanto um cheiro delicioso vem das panelinhas empilhadas. Come rezando.

E Ila, quando vê a marmita vazia voltar, grita na janela para sua tia:

“- Tia! Está totalmente vazia! Parece que ele lambeu!”

“- Eu não falei? Seus quitutes vão trazê-lo de volta!”

Mas à noite, quando Rajeev chega com o mesmo comportamento distante e nada de falar da comida dela, ela pergunta:

“- E o almoço?”

“- A couve-flor estava boa.”

Decepção. Grita Ila na janela:

“- Tia! A marmita foi para outro…”

Claro, não tinha couve-flor na marmita dela.

E o próximo passo é Ilia escrever um bilhete para o apreciador de sua comida:

“Obrigada por devolver a marmita vazia.”

E começa assim, uma troca de cartas, sempre escondidas na marmita.

Na vida de Saajan e Ilia, algo de novo acontece. Essa amizade epistolar vai mudar a vida deles.

O diretor estreante, Ritesh Batra, acerta no tom da história principal e também na do substituto de Saajan, o jovem Shaik (Nawazuddin Siddiqui), o divertido orfão que vai ser treinado para substituir o aposentado.

Solidão, envelhecimento, rejeição, amizade, solidariedade, temas tratados com delicadeza em “Lunchbox” fazem desse filme uma surpresa agradável para quem pensa que indianos só produzem filmes tipo Bollywood, com cantorias, danças e heróis mitológicos.

“Lunchbox” é simples e universal.

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