O Homem Duplicado

“O Homem Duplicado”- “Enemy”, Espanha/Canadá, 2013

Direção: Denis Villeneuve

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Numa cidade com perfis de edifícios envoltos em uma sinistra luz amarelada, Adam Bell guia por uma rodovia.

Escuta no viva-voz o recado de sua mãe:

“- Foi bom você me mostrar seu apartamento novo. Estou preocupada com você. Vamos voltar a falar como antes?”

Ele tem um vislumbre de uma mulher grávida.

E um ritual erótico tem início: homens sentam-se numa sala onde uma mulher nua geme. Usa sómente sandálias de salto alto.

Outra mulher entra, vestindo um “peignoir” branco. Uma travessa de prata com tampa é colocada no pequeno palco, centro dos olhares masculinos. Uma aranha negra escapa quando a travessa é aberta. O salto da sandália da mulher aproxima-se perigosamente da aranha.

Sonho? Metáforas? Alucinação? Não sabemos.

O tímido professor Adam Bell (Jake Gyllenhaal), na sala de aula, discorre sobre ditaduras e suas formas de controle:

“- Umas, como na Roma antiga, davam pão e circo para o povo. Outras exercem o controle através do baixo nível de educação, censura às informações e limitação de acesso à cultura. É importante que percebam que esse é um padrão que se repete ao longo da História.”

E a vida do professor também tem um padrão que se repete com monotonia. De casa para a universidade, de novo para casa e a namorada que chega. Transam sem emoção e Mary (Mélanie Laurent) se vai:

“- Ligo pra você amanhã.”

Tudo debaixo daquela luz estranhamente amarelada que borra todos os contornos. Há um clima sufocante, que oprime a cidade e as pessoas.

Logo vai instalar-se claramente uma paranoia na mente de Adam, que fica obcecado com seu duplo. Um homem idêntico a ele aparece de passagem num filme que foi sugerido para ele ver.

Denis Villeneuve ( “Os Suspeitos”2013 e “Incendios” 2010),o diretor e Javier Guillón, o roteirista, tentaram passar ao espectador as emoções que sentiram ao ler o livro do escritor português José Saramago (1922-2010), já que a única condição que ele impôs, foi que o filme fosse uma adaptação totalmente livre do livro.

E o espectador terá que responder às perguntas que o filme provoca. O professor Adam Bell está louco? Procura na cidade as confirmações de suas alucinações e acredita nelas? O duplo de Adam, o ator Anthony Saint- Claire, existe?

Tudo indica que a leitura à luz da paranoia esquizofrênica de uma mente dividida, explica melhor os acontecimentos.

E a aranha que paira pela cidade e assusta Adam em seus sonhos?

Talvez perguntar à obra da falecida artista plástica francesa Louise Bourgeois (1911-2010), que plantou enormes aranhas negras pelo mundo a fora?  Simbolo do feminino proibido e exaltado (a obra chamou-se “Maman”), ela assusta Adam, que se perturba com a gravidez da mulher dele como Anthony, Helen (Sarah Gadon) e tem que transar com outra, a namorada Mary, para se proteger?

Quem sabe?

Isabella Rossellini, numa ponta importante, pode ser o centro dos problemas do filho.

“O Homem Duplicado” é um filme para quem gosta de pensar em como a mente humana pode deixar-se levar por defesas perigosas para controlar aquilo que não quer ou acredita não poder viver.

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Oslo, 31 de Agosto

“Oslo, 31 de Agosto”- “Oslo, 31 August” Noruega, 2011

Direção: Joachim Trier

Quando uma pessoa procura a auto-destruição e ela se empenha nisso, sempre consegue o que busca.

Mas há um longo caminho a ser percorrido e os que amam e querem ajudar aquela pessoa vão desistindo aos poucos.

No caso do personagem do filme, ele escolhe as drogas. Heroína, anfetaminas, cocaína, maconha. Todas.

Vamos assistir ao último dia de Anders.

Teve uma noite livre da clínica de reabilitação onde está internado e passou a noite com uma garota. Mas, desde que sai do apartamento dela, tenta ser radical. Pedras nos bolsos, entra no lago. Mas desiste. Tirou da cabeça? Parece que antes ele tem que fazer algo.

Tem uma entrevista para um emprego nesse dia. E, no caminho, passa pela casa de um amigo.

A filha pequena desse amigo desenha um ogro quando vê Anders chegar. E olha desconfiada para ele.

O pai brinca, tenta explicar que o amigo largou as drogas mas criança não se engana.

Algo desumano cresce a olhos vistos naquele rapaz de 34 anos, bonito, magro, com um rosto sem expressão.

“- Então Anders? Esteve com Malin? Que tal? Você já dormiu com tantas suecas!”

“- Difícil dizer…Eu não estava lá…”

Ele ausentou-se de tudo. Mas o que quer ainda?

“ – Me lembro de você falando: se alguém quer se destruir, é permitido.”

E, por mais que o amigo tente, ele derruba, um a um, seus argumentos a favor da vida. Parece que tem um prazer perverso nisso.

“- Ninguém precisa de mim… Não de verdade…Só quero que você entenda. Se eu terminar com tudo, será porque eu quero assim.”

“- Não posso ouvir você dizer assim desse jeito que vai se suicidar! E seus pais? “

“- Ia parecer uma overdose. Acontece todos os dias.”

“- Qual é? Você já passou por isso antes”, encoraja o amigo.

“- Tudo vai se arranjar” diz Anders sorrindo irônico. E completa a frase:

“- Só que não é verdade.”

Conversam mais um pouco e ele consegue deixar o amigo deprimido e culpado.

Na despedida se abraçam e o amigo fala:

“- Você não vai fazer nenhuma besteira? Eu ficaria muito mal.”

“- Prometo”, responde Anders, sem convicção.

E vai, deixando o amigo aflito.

Seu percurso é semeado por gente que ele perturba.

Na entrevista consegue falar mal do jornal que quer empregá-lo e confessa que é drogado. Sai antes que o outro possa mudar de ideia.

A própria irmã não quer vê-lo.

Num club noturno diz para uma desconhecida que pergunta o que ele faz:

“- Procuro compaixão…”

Tenta falar com a ex mas ela não retorna suas insistentes ligações. E ouve de um rapaz a quem ele aborda para pedir perdão:

“- Não é da sua conta se eu tive ou não um caso com sua ex. Não conheço você mas sei como trata as pessoas a seu redor. Não quero seu perdão. Você é um viciado…”

Parece que esse foi o único que Anders não conseguiu enganar.

Ele liga para Iselin e diz que foi uma pena ela não querer ouvir seu último recado e segue o seu caminho anunciado. É a manhã do dia 31 de agosto.

O diretor Joachim Trier, no seu segundo filme, faz uma homenagem à “Nouvelle Vague” francesa, inspirando-se para o roteiro no livro “Le Feu Follet”, de Pierre Drieu La Rochelle de 1931, que foi adaptado por Louis Malle em 1963 no seu filme “The Fire Within”. Em comum, o tema do suicídio.

“Oslo, 31 de Agosto” tem uma interpretação impecável de Anders Danielsen Lie e é um filme que nos alerta sobre os perigos que rondam a vida, quando nos entregamos à auto-compaixão e ao ódio aos que querem nos abrir os olhos.

 

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