Um Belo Domingo

“Um Belo Domingo”- “Un Beau Dimanche” França, 2013

Direção: Nicole Garcia

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O que são aquelas pessoas dormindo no chão, ao lado de cachorros? Quando chega a polícia, são arrastados para fora. Sem teto? Invasores?

Mas, quando a cena seguinte do sétimo longa da diretora francesa Nicole Garcia mostra uma escola, a pergunta fica no ar e nos esquecemos da cena inicial, para só nos lembrarmos dela quase no fim do filme.

E já nos concentramos na história do professor Baptiste (Pierre Rochefort, filho da diretora, em seu primeiro papel no cinema), que tem um lugar de professor temporário naquela escola e não aceita o convite para ser efetivado. Por que ele foge de um lugar fixo? Estranha recusa…

Mas então aparece Mathias (Mathias Brezot) que o pai esqueceu de buscar no colégio e aceita a carona do professor.

O pai de Mathias (Olivier Loustaut), rico e entretido com a namorada e a viagem para Monte Carlo no fim de semana, esqueceu de pegar o filho. Parece dividido entre a moça zangada e o menino que o olha com velada censura. Até que o professor vem em sua ajuda:

“- Posso ficar com Mathias”, diz Baptiste.

“- Mas você não tem família, namorada? Bom, vou te dar 30 Euros, então.”

“- Não precisa.”

“- Acho que já nos conhecemos” responde o pai.

“- Você me deu uma carona. Eu vinha de uma conferência…”

“- Astrofísica, não é mesmo?”

Mas já vai atrás do filho para explicar a situação.

E lá vão os dois de novo na lambreta do professor.

Ele instala Mathias no sofá do pequeno apartamento.

“- Podemos ir à praia amanhã?”

“- Não sou seu chofer.”

E Baptiste recebe o baseado que seu fornecedor vem entregar, disfarçando que é um DVD. Vai para o quarto e antes, manda o menino dormir.

Dia seguinte, os dois na lambreta, rumo à praia.

Mathias escolhe um lugar mais longe para o banho de mar. E lá encontram a mãe dele, a bela Sandra (Louise Bourgon), que trabalha num restaurante na praia e parece ter uma ligação com o dono, um sujeito mais velho, com uma corrente de ouro no pescoço.

A partir daí, esses três destinos se cruzam de maneira irremediável.

Baptiste vai ter que encarar o seu passado misterioso para poder ajudar Sandra, metida com agiotas perigosos. E Mathias vai conseguir a atenção da mãe e o seu carinho. Não foi à toa que escolheu a praia onde a mãe trabalha como destino do seu passeio com o professor.

E o belo domingo?

Vamos viajar com esses personagens até os Pirineus, na região da França próxima à Espanha, onde numa mansão senhorial, rodeada de bosques, rio, jardins, piscina, quadras de tênis, Baptiste vai reencontrar sua família,  que não vê há muito tempo, num almoço de domingo.

Essa é a ocasião para o espectador que conhece e o que não conhece, admirar a atuação da matriarca desse clã aristocrata, a lendária Dominique Sanda, 66 anos, que atuou em grandes filmes de Bertolucci (“1900”1976, “O Conformista”1970), Vittorio De Sica (“O Jardim dos Finzi-Contini”1970) e Visconti (“Violência e Paixão”1974).

A escolha desse mito do cinema, é outro acerto da diretora e roteirista de “Um Belo Domingo” que tem 68 anos, nasceu na Argélia e foi atriz do célebre filme do diretor Alain Resnais, “Meu Tio da América”1980.

Este sétimo longa dela traz à tona temas como a solidão, a loucura, a paternidade e a maternidade, dinheiro e classe social e escolhas de vida.

É, no mínimo, um filme interessante.

 

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Amantes Eternos

“Amantes Eternos”- “Only Lovers Left Alive” Reino Unido, Alemanha, Chipre 2013

Direção: Jim Jarmush

Um amor de séculos une aqueles dois pálidos seres da noite.

Eve (Tilda Swinton), num djelabah negro e dourado, cabelos louros opacos e longos, magra, rosto sem idade, descansa imóvel ao pé de seu leito de dossel, coberto de renda. Adam (Tom Hiddleston), jeito de rock star, está deitado num sofá de veludo grená, abraçado a um alaúde, dorso nú, olhos fechados.

Estão distantes mas muito perto um do outro.

Assim que se faz noite, ela, de rosto velado, anda por uma cidade muçulmana antiga, de ruelas e escadas, que descobrimos ser Tanger, no Marrocos e entra num bar chamado “Mille et Une Nuits”.

É recebida por Bilal que diz:

“- Eve! Como está você? O mestre está frágil mas mostra espírito forte.”

Logo, chega um velho (John Hurt), de olhos embaçados, com um saco de farmácia que dá a ela, que exclama com carinho:

“- Marlowe!”

Ele vem a ser Christopher Marlowe, dramaturgo do século XVI, que confirma o que muitos acreditam: foi ele que escreveu as peças creditadas a Shakespeare. É o mestre de Eve, interessada por literatura de todas as épocas e línguas e seu fornecedor.

Adam, compositor incógnito, vive num apartamento repleto de fios, aparelhos de gravação e compra instrumentos musicais de cordas do século passado.

“- Ah! Preciso de uma bala de madeira calibre 38.”

“- Mas para quê?”

“- Um projeto artístico…”, responde, disfarçando seus impulsos suicidas.

E em seguida sai. Dirige o carro por uma Detroit escura e abandonada e entra no único prédio iluminado. Está de óculos escuros, estetoscópio ao redor do pescoço e veste um avental branco, onde se lê no crachá “Dr Faustus” e leva uma maleta.

Um homem o espera no banco de sangue. Tubos de alumínio passam para a maleta e um maço de notas muda de mão.

Vemos os três, cada um no seu lugar, frente a um cálice de cristal onde brilha um líquido vermelho escuro. Quando o sorvem, caem imediatamente em transe, entreabrindo bocas com caninos ponteagudos e avermelhados pelo sangue ingerido.

São vampiros intelectuais, sofisticados e elegantes.

Quando os amantes se falam e se veem pelo Iphone de Eve e a tela da TV de Adam, estão acordando do torpor duplo e ela, percebendo ele deprimido, promete ir a seu encontro:

“- Já passamos por isso…Você sentia falta da Idade Média, da Inquisição, das enchentes, da peste…Como vai a sua música? Me lembro quando você deu aquela sonata para Schubert…”

Adam e Eve são seculares, viveram tudo, conheceram os gênios, os sábios, os cientistas mas parecem saudosos de tudo isso. Não acham graça no mundo contemporâneo dos “zumbis”, como chamam os homens.

Jim Jarmush, 61 anos,o famoso diretor americano, se esbalda fazendo os diálogos dos dois vampiros rememorarem coisas que vão passar desapercebidas, a não ser para poucos e raros espectadores. Mas esses vão sorrir. E reconhecer tanto as alusões como os retratos na parede de Adam.

Quando chega de Los Angeles a vampira-periguete Ava (Mia Wasikowska), jovem e desmiolada, ouvimos sua irmã Eve avisá-la sobre o perigo do sangue contaminado.

“- Eles não mudam…Só percebem quando é tarde demais…” diz Adam.

Os vampiros de Jim Jarmush são seres desiludidos, nostálgicos e cansados. “Amantes Eternos” é um belo filme para pessoas que se sintam como eles. Os demais vão se aborrecer.

 

 

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