Saint Laurent
“Saint Laurent”- Idem, França, Bélgica, 2014
Direção: Bertrand Bonello
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Ele criou um estilo. Vestiu as mulheres com calças, com seus famosos “tailleurs-pantalon” e o “smoking”. Enfeitou-as de ciganas “bohémiennes” e luxuosas russas. Criou capas, “sahariennes”, casacos de pele coloridos, xales, botas, perfumes, bijuterias. O que você quisesse, tinha na butique “Rive Gauche”. Era a novidade do “pret-à-porter”, sofisticação da alta costura a preços acessíveis.
A história de Yves Saint-Laurent (1936-2008) já foi contada no filme de Jalil Lespert, no começo de 2014. Agora, o filme é de Bertrand Bonello, também de 2014 e vai representar a França como candidato a uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro na cerimonia em Los Angeles em fevereiro de 2015.
De certa forma, os dois filmes se complementam. Contam quase que as mesmas passagens, as crises, as drogas, o sucesso financeiro graças a Pierre Bergé, seu companheiro e sócio de toda a vida, mas com quem teve uma relação conturbada. Também lá estão Betty Catroux, Loulou de la Falaise, Marrakesh, a mãe e os amigos dele.
Mas são filmes diferentes.
O primeiro, narrado por Pierre Bergé, depois da morte de Yves Saint-Laurent e no momento do leilão das peças do apartamento de Paris, é quase que só reverente.
O segundo, mostra o outro lado do estilista, com mais nuances. Não há narrador. Os anos aparecem na tela em vermelho mas não seguem uma sucessão cronológica.
O primeiro começa em 1957, quando o rapaz, vindo da Argélia, entrou no atelier da Casa Dior em Paris.
Já o de Bonello, de chofre, leva-nos a um quarto de hotel em 1974, quando “M. Swann” (Proust inspira a escolha do nome) concede uma bombástica entrevista por telefone, contando sua dependência das drogas, que começou na época da guerra da Argélia, quando foi convocado pelo exército francês e a internação com eletrochoques para uma depressão que o levou a pesar 39 quilos.
Nunca publicada, proibida por Pierre Bergé, a entrevista levanta o véu que cobre a sombra, o lado escondido daquele que conheceu o labirinto das paixões, sua natureza tímida e frágil levando-o a se entregar a uma auto-destruição, nos braços dos mais fortes do que ele.
Mas, como já disse, a narrativa não segue cronologias. E voltamos ao atelier onde Yves Saint-Laurent (Gaspar Ulliel) avalia a “toile” de um vestido do qual arranca as mangas:
“- Agora sim. Simples, limpo e preciso como um gesto!”
Todos ali falam baixo, escutam música clássica e ele ajuda a montar o “look” de uma cliente que prova um terno de lã:
“- Acho um pouco masculino…”diz ela.
Um toque na gola, colares, um cinto brilhante e ele pede a ela (Valeria Bruni Tedeschi) que solte os cabelos:
“- Et voilà!”
A cliente muda, frente nossos olhos. Mais feminina e sensual.
Noites Chez Castel com Loulou de la Falaise (Léa Seydoux) e Betty Catroux (Aymeline Valade), a amizade com Andy Warhol e a mãe dele, sempre na primeira fila dos desfiles (Dominique Sanda). E o encontro com Jacques de Bascher (que dizem ter sido o grande amor de Karl Lagerfeld, interpretado por Louis Garrell), de “summer”, bigode e sorriso perverso. É ele que vai apresentar Yves ao sexo sem nome e brutal. Bebida e pílulas à vontade.
Há algumas cenas na réplica do apartamento parisiense, decorado por Jacques Grange, de um bom gosto e classe inesquecíveis.
E o grande final é o desfile de 1976, a coleção russa, quando a tela se divide para que nossos olhos possam detalhar a beleza dos brocados, das sedas, das peles nos chapéus e nos coletes, xales com franjas, turbantes dourados e as mais belas cores nascidas de seus “croquis” de Marrakesh. Mas, ele mesmo, já não estava envolvido.
“Saint Laurent” mistura cenas da infância à velhice (Helmut Berger) desse ícone da moda, que marcou seu nome na história da imaginação e da elegância.
Bertrand Bonello fez um filme sem preconceitos e mergulhou fundo nos conflitos e desafios de seu personagem.