Força Maior

“Força Maior”- “Force Majeure”, Suécia, 2014

Direção: Ruben Oslund

Oferecimento Arezzo

Montanhas altas cobertas pela neve fresca da manhã e o sol que faz tudo cintilar são o cenário ideal para aquela família sueca, em férias nos Alpes franceses.

Um fotógrafo aparece e faz o grupo familiar, meio constrangido, encenar união, afeto e carinho:

“- Juntem as cabeças! Sorriam!”

Esse ritual faz parte do pacote das férias, que a mãe Ebba (Lisa Loven Kongli) explica para outra hóspede do hotel:

“- Meu marido tem trabalhado muito, então achamos bom sair alguns dias com as crianças.”

E, na segunda manhã, lá vai outra vez a família para as pistas, o pai sempre na frente, seguido pelo menino menor e a menina e a mãe atrás, protetora.

Hora do almoço, eles relaxam no terraço do restaurante, ao sol. É quando acontece algo inesperado.

Numa estação de esqui como aquela, todos sabem que os pisteiros detonam avalanches com dinamite, em lugares onde as pessoas não esquiam. Por isso, todos no terraço sacam seus celulares para fotografar aquele espetáculo inusitado, bem na montanha em frente. Nada parece perigoso mas fantástico.

A neve desce pela encosta, avolumando-se e a avalanche não para mas continua vindo, assustadoramente, para cima dos turistas. Alguns já se levantam das cadeiras e correm.

Ebba grita pelo marido Tomas (Johannes Kulnke), agarrada aos filhos. Em meio à neblina provocada pela nuvem de neve que os atingiu, percebemos que Tomas não está ali.

Passado o susto, a neve assenta e o sol já brilha e os que correram voltam para seus lugares, aliviados.Tomas está entre eles e parece não dar-se conta do olhar de Ebba.

“- Eles sempre controlam muito bem essas situações. Não havia perigo, afinal…”desconversa Tomas.

Mas o estrago já estava feito. Ebba olha para o marido como se não o reconhecesse. Onde está o protetor, pai de seus filhos e amor da vida dela?

Aquela quase-tragédia na verdade fez desmoronar a imagem que tanto Ebba como o próprio Tomas faziam do papel do pai e marido.

Pior. Tomas parece evitar o contato com o que aconteceu. Sua fragilidade emergiu à sua revelia. Sua auto-estima vai sofrer uma queda brutal.

E o que eram férias prazerosas transformam-se num pesadelo. Questionadas as ilusões que cada um do casal tinha a respeito do outro, agora são quase estranhos. Os filhos assustam-se com o que veem acontecer e sentem-se ameaçados.

Mas, na verdade, quem é que pode dizer o que faria na mesma situação? O interessante de “Força Maior” é que o diretor e roteirista, Ruben Oslund, 40 anos, nos coloca pensando nisso. Tanto na fuga de Tomas como na reação de Ebba.

Trata-se aqui de questionar o que se espera do outro e na reação punitiva da decepcionada sobre o que decepcionou mas que nada pode fazer, porque já aconteceu o que nem ele previra.

“Força Maior” é um filme inteligente e questionador. Ganhou o prêmio do júri na mostra paralela “Un Certain Regard”, no Festival de Cannes 2014 e merece ser visto.

 

Ler Mais

Nostalgia da Luz

“Nostalgia da Luz”- “Nostalgia de la Luz”, França, Alemanha, Chile 2010

Direção: Patricio Guzmán

 

O que podem ter em comum astrônomos, arqueólogos e buscadores de corpos de desaparecidos?

“- A célebre imagem da Terra azul vista do espaço, ostenta uma única mancha marrom: é o deserto de Atacama, no Chile”. Com essas palavras, o narrador de “Nostalgia da Luz”, o roteirista e diretor Patricio Guzmán, nos apresenta o cenário do seu filme.

Lá, conta ele, a atmosfera é límpida e permite uma melhor observação das estrelas. Por isso, aí foram construídos gigantescos telescópios, com ajuda internacional, para que um grupo de cientistas procure responder à pergunta: de onde viemos? Escutam as estrelas e esperam registrar a energia do Big Bang que, de um passado ultra longínquo, espera com seus mistérios.

E o clima ultra seco do deserto é favorável para os arqueólogos, explica o narrador, que pesquisam os desenhos de lhamas e outros personagens inscritos nas pedras desde a pré-história. Até mesmo corpos, desse povo que habitou o lugar há 1.000 anos, ficaram preservados, mumificados pelo ar seco, enterrados na areia milenar. Contam a história do passado histórico do Chile.

Mas e aquelas mulheres, que parecem tristes e desoladas, com pequenas pás cavocando o solo duro e catando pedacinhos de ossos branqueados pelo sol, que a câmera mostra? Olham para baixo, atentas, movidas por um macabro elo com o passado mais recente, dos fins do século XX.

São vítimas da ditadura de Pinochet que matou seus entes queridos. Elas procuram seus corpos. Só encontram rastros. O passado esconde seus mortos. Para onde os levaram?

Assim, diferentes passados unem astrônomos, arqueólogos e buscadores de corpos de desaparecidos no mesmo deserto de Atacama, conta o narrador.

Patricio Guzmán, 73 anos, escreveu o roteiro e dirigiu o documentário “Nostalgia da Luz”, titulo emprestado do livro do francês Michel Cassé.

Arte, ciência e política estão presentes nas imagens poéticas de nebulosas distantes, na beleza das paisagens de areias vermelhas, no espanto com as descobertas arqueológicas e no desespero calado das mulheres que procuram seus desaparecidos.

Nascido no Chile, Guzmán também é uma vítima da ditadura cruel que matou milhares de pessoas e exilou outras tantas. Ele vive na França e volta ao país natal só para filmar.

Mestre dos documentários, Guzmán figura na lista do British Institute dos 50 maiores de todos os tempos, com “Batalha do Chile” e esse “Nostalgia da Luz”.

Numa das imagens finais, observamos crateras da Lua e não percebemos a transição imperceptível para a superfície de um crânio humano, que aos poucos se revela.

O sublime e o horrendo, o deslumbramento e o pavor, se tocam de maneira magistral nesse documentário magnífico. Quem gosta de obras primas, não pode perder.

Ler Mais