Miss Julie

“Miss Julie”- Idem, Noruega, Reino Unido, 2014

Direção: Liv Ullmann

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Uma menina ruiva lê para sua boneca, sentada numa cama de dossel e cortinas da cor de seu cabelo:

“- Ela ganhou uma linda boneca de presente.”

Vai até o outro quarto, com dossel e cortinas da mesma cor do seu e joga-se na cama:

“- Mamãe…” diz num lamento.

E a menina solitária e enlutada corre pela escada majestosa da mansão. Passa pela sala de jantar com a mesa adornada com cristais que brilham sob a luz da grande janela. A câmara faz um “close”: pele branca, olhos azuis, cabelos ruivos. Miss Julie.

Ela sai pela janela e corre para um lugar idílico. Um bosque com flores e um riacho.

Mas há algo dissonante. Por que ela olha para a boneca despida, presa na forquilha do alto da árvore e sorri?

Já sabemos muita coisas sobre ela. É só, triste, carente, o pai está longe, faz o luto da mãe e cultiva devaneios que só ela sabe.

Quando volta à casa e entra pela mesma janela, já é uma mocinha (Jessica Chastain).

Assim começa o filme de Liv Ullmann.

Estamos na Irlanda, 1890 e aquele dia é o mais longo do ano. Tudo pode acontecer no solstício do verão. Ricos e pobres misturam-se nos festejos. Segundo a lenda pagã, a noite é mágica para os apaixonados.

Na cozinha, John (Colin Farrell) e Kathleen (Samantha Morton) conversam sobre a beleza de Miss Julie:

“- Ela é magnífica! Aquela cintura, o pescoço..” diz John.

“- Pare!” interrompe Kathleen.

“- O que você cozinha que cheira tão mal?”

“- Miss Julie prefere ver a cadelinha morta do que tendo uma ninhada…Viu o cão do patrão rondando e mandou fazer essa poção abortiva. Mas não vou fazê-la forte… Pobrezinha…”

Miss Julie espreita pela porta e entra.

“- Vocês estão fazendo bruxarias na noite do solstício? Venha dançar John!”

E assim começa um jogo. Miss Julie não sabe que é perigoso? Mas ela quer companhia. E seduzir John parece ser divertido.

A arrogância de Miss Julie esconde uma fragilidade doentia. Tem como herança da mãe o ódio aos homens, o que aumenta sua curiosidade por John. E tirar o noivo da empregada soa como música para a menina cujo pai ausente nunca se fez próximo o suficiente para ser seduzido.

John, por sua vez, a vê como um troféu inalcançável. Só ele sabe a inveja e o temor que sente pelo patrão.

Strindberg (1849-1912), é o autor sueco da peça “Miss Julie”, escrita em em 1888, que é retomada pela dinamarquesa Liv Ullmann. O encontro na cozinha entre John e Julie renova-se sob o olhar da diretora, musa do inesquecível Ingmar Bergman.

Atriz, ela sabe dirigir atores e foca principalmente em Jessica Chastain, talentosa e adorável, que entrega uma performance dilacerante, que caminha da arrogância à psicose. Liv Ullmann leva seu filme muito além das diferenças de classes sociais e mergulha no psíquico.

Um filme para quem gosta de ir fundo na natureza humana.

 

 

 

 

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Um Pombo pousou num galho refletindo sobre a Existência

“Um Pombo pousou num Galho refletindo sobre a Existência”- “En duva satt pa en green och funderade pa tillvaron”, Suécia, França, Alemanha, Noruega, 2014

Direção: Roy Andersson

O pombo aparece na primeira cena do filme. Só que está empalhado numa vitrine de uma espécie de museu de História Natural. Um homem apatetado observa o pombo e é observado por uma mulher.

O humor negro ou melhor, sardônico, do diretor sueco Roy Andersson parece beber da mesma fonte de inspiração de Samuel Beckett (1906-1989), escritor e dramaturgo irlandês, um dos mais influentes do século XX, Nobel de literatura em 1969.

Assim como em Beckett (“Esperando Godot”, “Dias Felizes”), a maioria dos personagens de Andersson são patéticos mais do que engraçados e sofrem de angústia e solidão. Há uma crítica ácida à natureza humana e sua tendência à crueldade, seja em situações terríveis como as guerras e a colonização da África, seja na amizade e nas relações familiares, como também no trato com os animais.

Em 39 quadros, Andersson mostra um sofrimento mudo ou pouco refletido do ser humano em situações de relacionamento com os outros.

Seus principais personagens, uma dupla tipo “Gordo e Magro”, quer divertir as pessoas com produtos ridículos como dentes de vampiro, saco de risadas e uma máscara grotesca de um velho. Devem dinheiro a seus fornecedores e não são pagos pelos poucos produtos que vendem. Há uma relação sado-masoquista e uma dependência perversa entre os dois, que se sentem solitários sem a presença do outro e por isso não se separam.

A morte é um tema que abre os três primeiros quadros e não há piedade nem compaixão nessa hora.

O uso do telefone celular é ridicularizado. As pessoas escutam e escutam, só murmurando sons apaziguadores e, no fim, dizem sempre a mesma frase;

“- Estou feliz em saber que você está bem.”

E vivem ligando para saber se há mensagens e escutam sempre:

“- Você não tem mensagens.”

O amor contrariado, a vida como espera de algo que nunca se encontra, o desespero mudo das pessoas bebendo sózinhas no bar ou o choro convulsivo no qual ninguém presta atenção, são situações exploradas em outros quadros.

Entretanto, há alguns momentos de descontração e felicidade num casal que acaba de fazer amor e fumam abraçados na janela, numa mãe que brinca com seu bebê, num casal jovem que se ama na praia e na dona de um bar que aceita beijos como pagamento.

E há reflexão, ainda que tardia, em um único momento. O quase desespero de um velho que, na hora em que o bar fecha, repete seguidamente:

“- Eu fui ganacioso e não generoso na minha vida toda. Por isso terminei infeliz.”

Então temos escolha, parece dizer o diretor sueco que ganhou o Leão de Ouro de Veneza 2014.

O filme é uma reflexão sobre o ser humano que, talvez, poucos vão apreciar. Afinal, para a grande maioria, infelizmente, é o “pombo” que tem que refletir sobre a existência e não eles.

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