Pássaro Branco na Nevasca

“Pássaro Branco na Nevasca”- “White Bird in a Blizzard”, França, Estados Unidos, 2014

Direção: Gregg Araki

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É sempre difícil atravessar a adolescência.

Mas, na vida de Kat, 17 anos, é a mãe dela que parece estar vivendo sérios problemas. Eva Connors é uma bela mulher e perfeita dona de casa mas, aos olhos da filha, sempre pareceu fora de prumo.

Uma das recordações mais antigas da garota é o porquê do nome dela, Katherine:

“- Ela me deu esse nome para poder me chamar de Kat. Eu era o gatinho dela. Por anos pensei que eu fosse um animal de estimação.”

Kat acha que a mãe nunca gostara dela. Cabelos muito lisos e gordinha na infância, desagradava à mãe que a queria parecida com ela, esbelta e elegante. Mas, quando sua gordura derreteu na adolescência e apareceu um corpo bonito, isso também não agradou à mãe, que Kat achava que a invejava.

Curiosa sobre a vida sexual dos pais, como toda a criança, a adolescente se lembra de uma gaveta secreta do pai com revistas de mulheres nuas e na gaveta da mãe um livro sobre como atingir o orgasmo:

“- Foi perturbador descobrir a péssima vida sexual deles.”

E, quando Kat tinha 17 anos, a mãe desaparece sem deixar bilhete, nem vestígios. Mas não sem confessar antes à filha, com rancor, que nunca amara o marido:

“- Eu tinha medo que ela enlouquecesse e sufocasse meu pai com o travesseiro ou pusesse fogo na casa. Mas, ao invés disso, ela sumiu.”

E Kat começa a ter sonhos perturbadores. Sempre no meio da neve e do gelo, a mãe aparece chamando por ela. Culpa e negação da realidade parecem motivar esses sonhos, que ela conta para uma terapeuta, aparentemente desatenta, como a mãe dela.

O pai, que ela vê como um sujeito submisso e apático, também não parece ser de grande ajuda para Kat.

O namorado, um garoto vizinho (Shiloh Fernandez), filho de uma cega, não está muito interessado sexualmente nela. Ironicamente ela escolheu o mesmo tipo de homem que a mãe escolhera e desprezava?

Tal mãe, tal filha?

O filme “Um Pássaro Branco na Nevasca”, do diretor Gregg Araki, que também produziu e escreveu o roteiro adaptado do livro de Laura Kasischke, é surpreendente. Um ótimo elenco, fotografia com tons que sugerem as emoções das cenas, “flash-backs” que vão desvendando aos poucos o segredo que envolve o desaparecimento da mãe de Kat e direção de arte e trilha sonora que embrulham bem o suspense com um final inesperado.

Eva Green está deslumbrante como a bela mulher decepcionada com a vida, agressiva e contundente, egoísta e surtada. Mas Shailene Woodley (“A Culpa é das Estrelas”) é quem rouba muitas cenas e mostra porque é um nome em ascensão no mundo do cinema, aos 22 anos.

Gregg Araki é reconhecido por cinéfilos e disputado por bons atores.

Mas não pense que o filme é complicado ou tem final aberto. É o contrário disso e há críticos que não gostaram do que chamaram de filme para a TV.

Eu achei “Pássaro Branco na Neblina” intrigante e muito bem feito. Vá ver e opinar você também.

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Winter Sleep

“Winter Sleep” – Idem, Turquia, Alemanha, França, 2014

Direção: Nuri Bilge Ceylan

Uma paisagem de grandes pedras, neve e lama. Na Anatólia, região central da Turquia, os homens habitam em cavernas nas rochas, há milênios. Dentro delas, hibernam durante o inverno rigoroso.

Um jeep laranja vai no seu caminho, com dois homens dentro. De repente, uma pedra atinge o vidro da janela do passageiro. O motorista corre atrás de um garoto que foge. Por que aquele menino fez isso?

A partir daí, presenciamos a um demorado desmoronar das certezas de Aydin (Haluk Bilginer, excelente),dono de um hotel na região, homem rico, herdeiro de propriedades do pai.

Aquele menino pertence a uma família que não consegue pagar o aluguel da casa alugada. São inquilinos de Aydin e submissos a ele, mas numa postura de fachada. Por trás há ódio.

Mas o ex-ator e escritor de colunas num jornalzinho local parece não se interessar pelo vil metal. Deixa seus negócios, básicamente aluguéis e o hotel, nas mãos do motorista, Hydaiat, enquanto se refugia, com seu computador, em seu estúdio aconchegante.

Ele pretende, um dia, escrever a história do teatro turco. Diz que será um livro importante, já que conhece bem o assunto.

Mas essa pose de “grand seigneur”que Aydin mantém, com discursos longos nas conversas com a irmã Necla (Demet Akbaj) ou com a esposa Nihal (Melisa Sozen), muito mais jovem que ele, fica cada vez difícil de ser mantida.

Acusa a irmã, recém divorciada e a esposa, de preguiça e de viver às custas dele. Através da disfarçada desvalorização dos outros, Aydin consegue manter sua auto-estima num nível alto.

Para ele, só vale o que ele pensa sobre o mundo. Arrogante, pede a opinião dos outros apenas para reduzir tudo que a outra pessoa fala em seu oposto. É distante e frio, com aparência de ser magnânimo e generoso.

A caçada de um cavalo selvagem, que se joga na água lamacenta do rio para lutar por sua liberdade, abala  Aydin, que começa lentamente a dar-se conta de sua crueldade. Não apenas com as outras pessoas com quem convive mas principalmente consigo mesmo. Ainda frouxamente, algo dentro dele quer também libertar-se do jugo desse tirano que domina a personalidade dele.

É com interesse que seguimos os lances dessa luta interna.

O filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes 2014, a terceira de Ceylan e o prêmio da Federação Internacional dos Críticos de Cinema, o FIPRESCI.

O diretor e co-roteirista, o turco Nuri Bilge Ceylan, de “Era Uma Vez na Anatólia” 2011, consegue criar um clima que vai se adensando e que, como gelo fino, ameaça o lugar e a pose imperial de Aydin.

“Winter Sleep” alude a um longo periodo de hibernação da alma de Aydin, que, frente a um fato que o atinge mais fortemente que os estilhaços do vidro daquela janela, vai despertar para a vida.

Tarde demais?

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