Jauja

“Jauja”- Idem, Argentina, Dinamarca, 2014

Direção: Lisandro Alonso

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Um texto na tela informa que os antigos falavam de “Jauja”, uma terra mitológica, de abundância e felicidade. Muitas expedições a procuraram. Estrangeiros participavam dessas buscas, em terras do sul da Argentina.

Podem preparar-se para a beleza das imagens que trazem a Patagonia para os nossos olhos. Há uma contemplação da natureza que hipnotiza, ao mesmo tempo que observamos os poucos personagens: o capitão Gunnar Dinensen (Viggo Mortensen) e sua filha, uma menina bonita de 15 anos, loura de olhos azuis, vestida à moda do século XIX (Ghita Norby).

“- Papai, por que não posso ter um cachorro?”

“- Você vai ter Inge, quando voltarmos para casa.”

Estão sentados numa pedra, próximos ao mar, onde formam-se lagoas entre os recifes cobertos de musgo. Vemos leões marinhos ao longe.

Outros personagens aparecem: um militar de calças vermelhas, dono de um olhar lúbrico e cruel, que deseja a menina dinamarquesa, tem colares de prata no peito queimado de sol. Outro ainda, fala em francês e usa bengala e chapéu, afetado como um dândi.

Em suas conversas, referem-se aos “cabeças de coco” e a um certo Zuluaga, que desapareceu. Correm boatos que se juntou a um bando e cavalga vestido de mulher.

“- Por que os chamam de “cabeças de coco”? Precisamos saber quem são para poder entendê-los” diz o capitão dinamarquês.

“- Não vamos entendê-los, vamos matá-los”, responde ríspido o militar de olhar cruel.

Mas a procura do paraíso, “Jauja”, como os indígenas chamavam, transforma-se num inferno para o dinamarquês. Sua filha desaparece com um soldado, ele vai atrás dela e vaga sozinho por uma terra verdejante com riachos e depois árida e pedregosa. Tromba com mortos, quase mortos e fantasmas.

“Jauja” traz uma natureza de rara beleza que convida à contemplação, enquanto desafia o capitão dinamarquês. A câmara, fixa, mostra grandes planos com o capitão lá longe. À noite, o céu de estrelas brilhantes, de dia o azul ou chuva intensa sobre os campos amarelos.

E nós nos perguntamos: foi tudo um sonho? Que salto foi esse para um século depois?

O roteiro escrito por um poeta, Fabian Casas, conta a história argentina da campanha sangrenta dos militares para conquistar as terras dos índios e mistura a esse episódio a expedição de busca de “Jauja”, o paraíso perdido.

O tema do feminino e do amor costura as personagens mulheres através de um soldadinho de brinquedo.

O formato da tela não é o usual e a narrativa é solta.

“Jauja” não é um filme para se  compreender. É um convite para uma interpretação pessoal sobre o que significa essa busca do paraíso, tema recorrente na história da humanidade.

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O Cidadão do Ano

“O Cidadão do Ano”- “Kraftidioten”, Noruega, Suécia, 2014

Direção: Hans Peter Molland

A Noruega, um país avaliado como o mais pacífico do mundo, numa pesquisa realizada em 2007 pelo “Indice Global da Paz”, é o cenário para o surpreendente “O Cidadão do Ano”, no qual acontece uma matança em meio a muita neve e frio.

E as mortes, inicialmente, são de autoria de um pai de meia idade, até então pacato, recentemente escolhido como “Cidadão do Ano” por sua eficiência e caráter, que fica insano quando seu filho inocente é assassinado por gangsters envolvidos no tráfico de cocaína. O “limpa-neve” vira uma fera. Stellan Skarsgaard está assustador como Nils Dickman.

Por mais que o assunto da vingança seja mórbido, o filme não é. Porque se a raiva assassina do pai é realista, o bando norueguês, comandado por um nervoso rapaz, Ole, conhecido como “Conde”(Pal Sverre Hagen) é o responsável por inúmeras trapalhadas. O narcisismo enorme, modos infantís e a constante briga com a ex-mulher pela guarda do filho, criam situações divertidas e até mesmo demonstrações de brutalidade gratuita, que o “Conde” vê como normais.

Já que a cidade está dividida entre as gangues norueguesa e sérvia, esta última comandada pelo velho Papa (Bruno Ganz,ótimo), os dois bandos culpam um ao outro pelas mortes que acontecem, sem se dar conta de que quem está matando é o apagado “limpa-neves”, que transforma até seu poderoso caminhão em arma letal.

Essa situação equivocada provoca ainda mais mortes, inclusive a do filho de Papa, que inicia uma guerra sem trégua ao bando de Ole.

Agora são dois pais furiosos que querem o “olho por olho”.

Daria para povoar um cemitério o número de bandidos mortos por ambos os lados, nomeados na tela por um anúncio fúnebre, que ora tem uma cruz católica em cima do nome do morto, ora uma cruz ortodoxa, ora uma estrela de David, ora outros simbolos menos conhecidos.

O título em inglês do filme é “Por ordem de desaparecimento – By order of disappearence”, uma brincadeira com o “In order of appearence” que sempre anuncia o elenco nos créditos finais.

“Uma comédia com vocação para o absurdo e a morbidez”, foi como o diretor, Hans Peter Molland, definiu seu filme.

“O Cidadão do Ano” horroriza nossa sensibilidade e, ao mesmo tempo nos diverte, criando uma contradição original que fala sobre a agressividade assassina comum a todos nós, humanos, quando perdemos o controle e a razão.

Um filme diferente que vale a pena ser visto.

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