O Diário de uma Camareira

“O Diário de uma Camareira”- “Journal d’une Femme de Chambre”, França, Bélgica, 2015

Direção: Benoit Jacquot

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A beleza, aliada a uma certa postura atrevida e ambiciosa, pode ser uma maldição para uma mulher sem posição social, nem dinheiro, parece querer dizer o filme de Benoit Jacquot, adaptação do livro do francês Octave Mirbeau, de 1900, que conta a história de uma arrumadeira, no começo do século XX. Outro desejo dessa história é olhar a classe alta pelos olhos de seus empregados, principalmente mulheres.

Célestine (a belíssima Léa Seydoux) é uma arrumadeira fina e jovem que já trabalhou em algumas casas da elite francesa e não tem uma boa opinião sobre seus patrões.

Ela parece um quadro de Renoir quando aparece na tela com um vestido azul petróleo, enfeitado de rendas, que realça sua cintura fina. Seu rosto é perfeito, olhos azuis sob longos cílios, boca petulante e cabelos louros num coque de cachos no alto da cabeça e chapéuzinho com fitas.

Tanta elegância não condiz com seu estado de desempregada e destoa das outras que foram procurar emprego na mesma agência. A aparência já nos diz algo sobre Clémentine. Ela sabe que é bonita. E gosta de atrair os olhares dos homens.

“- A senhorita é instável”, diz a dona da agência, que lhe oferece um cargo no interior.

Percebemos que censura Célestine por sua insubmissão.

“- Prometo me comportar bem”, responde a moça, olhos baixos.

Por que será que ela muda tanto de emprego?

Em “flashback”, ela pensa na única boa lembrança de sua vida com patrões. Na Normandia:

“- Não lhe ofereço uma posição alegre…Bem sei…”, diz a senhora que a contrata para cuidar do neto doente.

Em “off”, ouvimos ela dizer:

“- Basta me falar com doçura e eu aceito tudo que me pedem”.

O jovem doente melhora a olhos vistos com a presença de Célestine, vestida de azul céu, na praia com ele.

“- Você nunca mais nos deixará, meu anjo”, diz a avó.

Mas a paixão que ela desperta nos homens pode ser fatal e Célestine, de luto, vai parar na casa de um homem que só a quer na cama.

Até uma dona de um bordel elegante a aborda na rua em Paris, convidando-a a ser uma das suas “privilegiadas”. Ela guarda o cartão na bolsa e chora em silêncio.

O novo emprego que ela aceita, no interior, não é diferente dos outros. O patrão a assedia, a patroa implica com ela, ela fica só no mundo porque sua mãe morreu e o vizinho estranho faz propostas indecentes.

E Célestine fica conhecendo melhor o misterioso Joseph (Vincent Lindon), o homem que trabalha como cocheiro e jardineiro na mesma casa em que ela é arrumadeira. Fascista, anti-semita, ladrão e talvez até coisa pior, ele diz a ela que são parecidos e que a deseja. E ela se agarra a ele como numa tábua de salvação. Cansou de reclamar com frases entrecortadas, ditas em voz baixa. Aquilo que antes aflorava e era logo reprimido, sobe à tona e ela se deixa levar por sua parte mais censurada. Escolhe seu patrão.

Sua carência e ambição a controlam e ela o seguiria até o inferno.

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Que Horas Ela Volta?

“Que Horas Ela Volta?”, Brasil, 2015

Direção: Anna Muylaert

“Que horas ela volta?” é uma pergunta feita por duas crianças no filme de Anna Muylaert. Acontece na primeira cena, onde Regina Casé (numa interpretação extraordinária), babá do menino de classe média alta, liga para a filha dela, que está longe e chora. O garoto pergunta pela mãe que trabalha fora:

“- Que horas ela volta?”

Val, a babá pernambucana, põe o menino no colo e o enche de beijos.

Na segunda vez, a pergunta é lembrada pela filha de Val, Jessica (Camila Márdila, ótima) que reclama por ter passado a infância vendo raramente a mãe e sempre fazendo a pergunta:

“Que horas ela volta?”

Ironicamente, é o dinheiro que Val manda para Recife que dá uma vida melhor para a filha.

Esse é um filme comovente. Mexe com nossos sentimentos porque faz lembrar a mãe ou a substituta dela. Tanto que, no exterior, o filme ganhou o título “Second Mother – Segunda Mãe”.

Val é aquela empregada devotada à família para a qual trabalha, a faz-tudo da casa e que adora Fabinho (Michel Joelsas), o único filho do casal.

O garoto é mimado pela empregada, que, certamente sente falta da filha e que é naturalmente maternal e atenta. Ela está sempre de braços abertos para ele, mesmo quando o adolescente, bem crescido, pede para dormir com ela e se aconchega feliz ao lado dela, na cama estreita do quartinho abafado.

A patroa (Karine Teles) é simpática mas desatenta com Val. Não a trata mal em nenhum momento, mas vê-se que a empregada é bem-vinda para trabalhar e fazer tudo que se pedir a ela. É sintomático desse jeito de ser, o modo com que dispensa, gentilmente, o presente de aniversário que ganhou de Val.

Mas tudo muda na casa do Morumbi quando chega Jessica, a filha de Val. Não se veem há dez anos e a menina se transformou numa jovem bonita.

Mas são duas gerações de brasileiras que foram educadas de maneira diferente. Val “conhece o seu lugar”sem que ninguém precise dizer isso para ela. Já Jessica, acha que a mãe é tratada como cidadã de segunda categoria e não quer isso para ela.

As duas nasceram em momentos diferentes do país.

Jessica participou de uma real ascensão das classes menos favorecidas. Estudou e veio para São Paulo para prestar o vestibular na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP). A mesma escolhida por Fabinho, o “filho adotivo”de Val.

Articulada e segura de si, Jessica não se conforma com a fronteira que lhe é assinalada: “da porta da cozinha para lá”, como enfatiza a patroa, principalmente porque o patrão (Lourenço Mutarelli) está encantado com a garota.

Ela vai ser um elemento de mudança na vida da mãe.

O filme ganhou o Prêmio do Público no Festival de Berlim e o e melhor atriz para Regina Casé e Camila Márdila no Sundance Festival. Exibido em 22 países, teve excelentes críticas na Europa e Estados Unidos e está sendo falado como um forte candidato ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

Anna Muylaert (“Durval Discos”2002 e “É Proibido Fumar”) acertou no roteiro e pediu para seus atores que recriassem suas falas, o que deu espontaneidade e verdade aos personagens.

O humor é um grande tempero para amaciar os temas amargos do filme. Mas lágrimas teimam em aparecer, principalmente no final antológico.

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