A Travessia

“A Travessia” - “The Walk”, Estados Unidos, 2015

Direção: Robert Zemeckis

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Todos sabemos como foi. Saiu em todos os jornais do mundo a notícia de que, um francês, atravessara o espaço entre as Torres do World Trade Center, em Nova York, a 400 m do solo, num cabo de aço, sem nenhuma proteção.

E, no entanto, como é atraente ver no cinema, em IMAX e 3D, essa história sobre Philippe Petit que, em 7 de agosto de 1974, com 25 anos, realizou um sonho que todos julgavam se não impossível, para lá de temerário.

Segui-lo na construção da estratégia de execução do plano, pela câmera de Robert Zemeckis (“Forrest Gump”, “Back to the Future”), 64 anos, coloca-nos na “cena do crime”. A travessia era ilegal e tudo foi feito em segredo, por Petit (Joseph Gordon- Levitt) e seus cúmplices, que queriam ver e participar dessa aventura maluca.

Mas, na primeira parte do filme, alguns anos antes do feito, Petit era um artista de rua, malabarista, equilibrista e ganhava aplausos e vinténs.

Ninguém diria que um dia ele viraria um nome internacional.

Visionário? Onipotente? Louco? Foi preciso um pouco de tudo isso e mais um persistência e paciência raras.

Ele soube da construção das Torres em Nova York e encantou-se com a ideia de passear nesse espaço ainda não existente e para isso dedicou todos os minutos de sua vida, daí em diante.

Foi atrás do melhor professor, daquele que saberia instrui-lo não só na arte da “corda-bamba”, mas em como fazê-la segura e firme, lá no alto entre as Torres. Ben Kingsley, de chapéu e piteira, compõe com talento a personalidade do amedrontador Papa Rudy, um homem famoso do circo, que, contra tudo que acreditava, também se apaixonou pela aventura que Petit inventou.

E o aventureiro foi angariando simpatias de pessoas que ele precisa que o ajudem a concretizar o plano. Assim, Annie (Charlotte Le Bon) vai aumentar a auto-estima do namorado, o fotógrafo Jean-Louis (Clément Sibony) acredita no sucesso da maluquice e ainda traz para o grupo o professor de matemática, apavorado com alturas, Jean-François (César Domboy). Todos seguem com Petit para Nova York, meses antes do término de construção das Torres.

E é então que o filme de Zemeckis captura nossa total adesão. Ficamos hipnotizados. Torcemos por algo que já sabemos que deu certo. Mas é como se estivéssemos no ar com Petit. Cada passo no cabo, prende nossa respiração. Tal é a veracidade capturada pelos efeitos especiais, usados com inteligência e arte, que fazemos a travessia, que nunca foi filmada.

“A Travessia” captura um momento mágico. Mas também contraditório. Porque as Torres brilham ao sol e todos na plateia pensam no depois, quando o show foi de horror.

Mas, certamente, a façanha de Petit, recriada por Zemeckis, devolve o brilho às Torres que já não existem mais.

Porque assim é a vida. Momentos de êxtase e de pavor, coexistindo no mesmo espaço em tempos diferentes. 

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A Colina Escarlate

“A Colina Escarlate”- “Crimson Peak”, Estados Unidos, 2015

Direção: Guillermo del Toro

Uma mocinha loira, muito pálida (Mia Wasikowska), olha a câmera e diz:

“- Fantasmas são reais. Disso tenho certeza. A primeira vez que vi um, tinha 10 anos. Foi o de minha mãe. Ela morreu de cólera. Caixão fechado. Sem adeuses. Não a vi até que ela voltou…”

“- Quando chegar a hora, tenha cuidado com a Colina Escarlate… Ela disse isso para mim, numa noite de pesadelo. Levei muito tempo para entender esse aviso, mas então, era tarde demais.”

Esse monólogo é o prólogo de uma história que envolve ambição, vingança, amores proibidos e assassinatos. Maldade e loucura vão engendrar atos cruéis numa mansão secular, onde os fantasmas sobrevivem alimentando-se de desejos do passado.

Todo um jogo de emoções fortes acontece em cenários majestosos, de uma beleza arrepiante.

Os personagens, interpretados com ardor por atores que aceitaram o convite do diretor e escritor mexicano Guillermo del Toro (“O Labirinto do Fauno”2006), 51 anos, são arquétipos góticos em uma história que todos que leram Mary Sheley e Edgard Allan Poe conhecemos.

Mas não é a surpresa que Guillermo del Toro quer alimentar. Ele não quer assustar o público com monstros canibais. Seu desejo é mostrar a beleza exótica e sedutora, cenários que existem em sonhos e personagens movidos por alucinações.

“A Colina Escarlate” é um pesadelo sofisticado. As emoções fortes estão no centro de tudo. Fantasmas são só veículos de lembranças. Ou de avisos.

A heroína Edith, sem mãe e com o pai morto em circunstâncias misteriosas, é um brinquedo nas mãos dos irmãos Lucille (Jessica Chastain, morena e fatal) e Thomas Sharpe (Tom Hiddleton), aristocratas ingleses falidos e sem escrúpulos.

A produção de arte é excepcional e nenhum detalhe passa desapercebido. A iluminação à luz de candelabros adensa o clima de mistério. Os figurinos de Kate Hawley são uma lição do uso de tecidos para realçar a beleza dos corpos e chamam tanto a atenção, que eu, às vezes me distraia da trama.

Destaque para a cena da valsa com a vela, em que Mia Wasikowska usa um vestido de seda champanhe, ornado com fios de pérolas, cabelos num coque sedutor. Ou ainda, o vermelho escuro com gola de tule bordada que veste Jessica Chastain ao piano. Inesquecível a blusa de organza plissada de Mia e o azul marinho de veludo, deslumbrante, que acompanha Jessica Chastain na escada monumental de Alerdalle Hall.

E os insetos sempre presentes, obsessão de del Toro, são metáforas das duas personagens femininas. Assim, Edith é a borboleta colorida e diurna, enquanto Lucille é a mariposa negra, apavorante e noturna, que são multidão na mansão que afunda no barro sanguíneo.

“A Colina Escarlate”, cercada pela neve tingida de sangue, é um filme saído da imaginação e da fantasia extraordinárias de um dos mais originais diretores do cinema contemporâneo. Eu recomendo.

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