Aliança do Crime

“Aliança do Crime”- “Black Mass”, Estados Unidos, 2015

Direção: Scott Cooper

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Johnny Depp está irreconhecível. Muito magro, pálido, ralos cabelos claros e olhos com lentes azuis. Mas a frieza é o que mais assusta.

Mesmo quando ele ajuda uma velhinha na rua com suas compras e o informante que está revelando para a polícia a história de James Whitey Bulger, o “Jimmy”, diz que ele era adorado por todos, na região de Boston onde viviam, o ator passa uma impressão de um ser que é uma sombra sem alma.

Tudo começa em 1975 e a história é contada pelos que conviveram e fizeram parte do grupo em torno a Jimmy, chamado “Winter Hill Gang”, que praticava todo tipo de crime como extorsão, tráfico de drogas e assassinatos.

Saído de Alcatraz, onde passou dez anos, o irlandês, representado na tela pelo ator preferido de Tim Burton, convivia quando menino com John Connally (Joel Edgerton, que está excelente). Esse amigo, que se torna membro do FBI, faz a tal “aliança do crime” com o antigo companheiro de infância:

“- Brincávamos de mocinho e bandido nessas mesmas ruas de agora. Mas hoje em dia fica difícil dizer quem é quem…”

Com a promessa de se tornar informante do FBI sobre a Máfia italiana, Jimmy consegue proteção para o seu grupo, que passa a agir livremente.

Os únicos contatos afetivos de Jimmy, a mãe dele e o filho pequeno, morrem, fazendo com que essa figura arredia e de poucas palavras, fique ainda mais estranho.

Seu irmão menor, Billy (Benedict Cumberbach), um senador, também parece ser alguém que Jimmy quer poupar de maiores sofrimentos, mas o filme não aprofunda essa ligação fraterna.

Os assassinatos dos que traem Jimmy são cometidos à queima-roupa pelos que o cercam, mas à medida que passa o tempo, o próprio Jimmy executa esse trabalho sanguinário. Aquilo que era frieza, tornou-se crueldade insana, fazendo do irlandês um psicopata muito perigoso.

Consequência, diminui o número dos que o adoravam e aumenta o grupo dos que tem medo dele ou rancor.

Estranhamente, depois de cometer assassinatos, Jimmy se refugia na igreja, onde uma câmara no alto mostra um ser isolado, minúsculo mas especialmente amedrontador. O título do filme em inglês alude a uma “Missa Negra” na qual todos os valores da outra estão invertidos e desrespeita-se aquilo que é venerado.

Há momentos em que Johnny Depp parece o próprio Satã, com os olhos vazios e fixos e um corpo descarnado. Será que é dessa vez que ele vai ganhar o Oscar?

O filme, dirigido com brilho por Scott Cooper, baseado em fatos reais, é pesado e não idealiza em nada a figura de James Whitey Bulger. Parece querer ensinar que o crime realmente não compensa.

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Olmo e a Gaivota

“Olmo e a Gaivota”- “Olmo and the Seagull”, Brasil, Portugal, Dinamarca, França, Suécia, 2014

Direção: Petra Costa e Lea Glob

Foi perturbador para Petra Costa, 32 anos, atriz e diretora de cinema, constatar que nem na literatura, nem no cinema, havia material psicológico importante sobre o tema que ela queria trabalhar em seu segundo filme, a gravidez.

Compreendeu que, assim como o suicídio, abordado em seu primeiro documentário, o belo “Elena”, havia um tabu no tema da maternidade. Sempre que se falava nela, evitava-se tocar no que se passava na cabeça de uma mulher grávida. Nada sobre dúvidas, nem problemas, nem medos.Ora, a gravidez coloca sempre em jogo a soberania da mulher sobre seu próprio corpo. Era disso que Petra Costa queria tratar.

Convidada para fazer parte de um projeto dinamarquês, que une em duplas diretores do país com estrangeiros, ela foi escolhida para fazer parceria com Lea Glob, que havia filmado um curta sobre o suicídio do pai. O tema era comum às duas e Petra sempre admirou o cinema dinamarquês.

Outro desejo das diretoras era trazer o teatro para o cinema. Daí a escolha da atriz Olívia Corsini do Théatre du Soleil, conhecida companhia francesa, com quem Petra nutria laços desde muito tempo. Nesse momento inicial, a ideia era fazer algo como o que acontece no livro de Virginia Wolf, “Mrs Dalloway”, que conta o dia na vida de uma mulher. Enquanto ela faz coisas triviais, o passado e o futuro a invadem. Mas, quando Olivia contou que estava grávida, chamaram seu companheiro Serge Nicolai e o projeto transformou-se numa já antiga vontade de Petra de falar sobre maternidade.

Foram meses de filmagem sobre a atriz que tem que ficar presa em casa porque sua gravidez corre risco. E, desolada, vê o companheiro continuar com o projeto que era dos dois, a encenação da peça “A Gaivota” de Tchekhov, em Nova York e Montreal. Realidade e ficção misturam-se frente aos nossos olhos. Em closes reveladores, a câmara vasculha a mente de Olivia, que traduz em seu rosto e olhos expressivos, o que se passa com ela. Dúvidas e medos sobre o futuro, a carreira, o momento presente:

“- Não sei ao que me agarrar…”

E quando fala, muitas vezes grita suas angústias em francês e italiano com o companheiro:

“- Tenho um “alien” crescendo dentro de mim…”

“- Você está sensível demais”, diz Serge que é carinhoso com Olivia mas toca sua vida.

O filme é uma mistura muito íntima entre os atores, que vivem sua própria relação e o resto da equipe de filmagem que se intromete entre o casal. Há momentos em que ouvimos em “off” a voz da diretora, questionando a cena filmada e pedindo para que os atores repitam o que fizeram, de outra maneira.

“Olmo e a Gaivota”, vencedor do prêmio de melhor documentário do Festival do Rio 2015, não é um documentário realista. É um olhar denso e questionador sobre a vivência da maternidade. 

“Olmo e a Gaivota” é, no dizer de Petra Costa, “a luta entre as raízes e a liberdade”. O medo de não mais voar, está presente em Olivia, que sente que o bebê realiza uma grande mudança nela e ela se pergunta se vai perder asas ou transformar-se numa nova combinação, quase impossível, de voo e raízes.

Excelente.

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