Trumbo – Lista Negra

“Trumbo - Lista Negra”- “Trumbo”, Estados Unidos, 2015

Direção: Jay Roach

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A expressão “caça às bruxas” lembra o medo de bruxaria que acontecia no século XVII nos Estados Unidos, quando pessoas eram acusadas de praticar “vudu”, uma religião africana trazida pelos escravos. Essas pessoas eram julgadas e condenadas à morte, apesar de inocentes.

Por isso, foi também conhecida por esse nome a perseguição aos comunistas americanos, durante a Guerra Fria nos anos 50.

Vinte anos antes, durante a Grande Depressão e frente à ameaça crescente do fascismo, muitos americanos se inscreveram no Partido Comunista, que era perfeitamente legal. Durante a Segunda Guerra, a União Soviética foi aliada dos Estados Unidos e o Partido Comunista recebeu outros milhares de adeptos.

Dalton Trumbo (1905-1976), o mais bem pago roteirista de Hollywood, entrou no Partido em 1943. Ele era conhecido como defensor dos direitos humanos e apoiava os movimentos grevistas.

A “caça às bruxas”, que aconteceu então, foi o medo do comunismo, incentivado pelos seguidores do macartismo, ideias defendidas pelo senador Joseph McCarthy. Criou-se um Comitê de Atividades Anti-Americanas no Congresso, que acusava pessoas de subversão ou de traição, sem qualquer prova real.

Em Hollywood, a colunista Hedda Hopper (Helen Mirren) foi uma das principais incentivadoras do movimento que visava perseguir a “ameaça vermelha”, acusada de corromper os valores da democracia e desejar derrubar o governo.

Os “radicais perigosos”, como eram chamados, Dalton Trumbo e mais nove diretores e roteiristas, são convocados a depor no Congresso perante o Comitê.

Trumbo, inteligente e irônico comenta:

“- Isso é o início de um campo de concentração americano.”

Processados, “os 10 de Hollywood” foram demitidos de seus empregos sem qualquer compensação, presos e proibidos de escrever e ganhar dinheiro com o seu trabalho. Constavam da conhecida “lista negra”, que só aumentava com a delação dos próprios colegas, diretores, atores e produtores.

Trumbo (Bryan Cranston, ótimo, foi indicado ao Oscar 2016 de melhor ator), casado com Cleo (Diane Lane), sua companheira fiel, pai de três filhos, vai preso por um ano e quando sai da prisão está atolado em dívidas com seu advogado e precisa sustentar a família.

É então que, sempre com seu cigarro e piteira na mão, ele tem uma ideia fantástica. Cria uma rede de escritores de roteiro que assinavam os roteiros dele e também dos colegas da lista e dividiam os ganhos.

Algumas vezes usou pseudonimos e é famosa a história do momento em que Richard Rich ganha o Oscar por “The Brave One-Arenas Sangrentas” em 1957 e não aparece para receber a estatueta. Claro, porque ele era Trumbo, que comemorava na frente da TV com a família.

Além de brilhante em seus roteiros premiados (“Johnny got his gun”1971, “Roman Holiday – A princesa e o plebeu”1953, “Spartacus”1960, “Exodus”1960, “Papillon”1973, para só citar alguns), era um homem justo e conciliador mas sabia defender suas ideias.

Ele lutava para que todos estivessem atentos para não ceder à tentação, invejosa e prepotente, de negar a alguém que defenda suas ideias, mesmo que sejam diferentes das nossas, porque essa é base da democracia, sistema de governo que escolhemos.

Nunca é demais lembrar que em nenhum lugar estamos a salvo de uma outra infeliz “caça às bruxas”. “Trumbo – Lista Negra” é exemplar.

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O Menino e o Mundo

“O Menino e o Mundo”, Brasil, 2013

Direção: Alê Abreu

Na tela branca, um ponto vermelho é o centro de um “Big Bang”. Circulos laranja e azuis ampliam a mandala, o universo, a barriga? É o menino que nasce, do centro, saindo de um buraco, vestindo a camiseta de listas vermelhas e brancas.

Já se vê que o desenho animado ou a animação, como é chamada essa arte nos nossos tempos de agora, é muito sofisticada no conceito, não na imitação da realidade. Aqui um ponto vermelho ou mais adiante uma semente, servirão de metáfora para algo que nasce e morre, para poder renascer.

E o encantamento da infância, a descoberta do primeiro mundo que se vê, está na tela. O menino corre e brinca no seu quintal, um campo de flores que são  traços coloridos, com a galinha e seus pintinhos-bolinhas, vaca, cavalo. Pula na água azul do rio, que vemos de cima e lá estão os peixes coloridos.

Logo, explora a floresta. Segue um esquilo e a cena se abre para as árvores tropicais com bicho-preguiça, colibris, macacos, pássaros, borboletas.

O som é essencial e lindo. Ouvimos ruídos de bicharada, tirados de instrumentos que não distinguimos bem mas que soam familiares para quem já entrou numa floresta.

E o  desenho abandona o simples traço e cria telas multicoloridas, cheias de detalhes de fauna e flora e o menino sobe em árvores altas.

Sempre com sua camiseta listada vermelho e branca e os olhos que são ora dois traços verticais curiosos, ora duas vírgulas tristes, ora se arredondando carinhosos, o menino sobe nas nuvens distraido. É tudo farra.

Mas a realidade aparece e entristece. O pai tem que ir embora, procurar trabalho.

E aí começa a saga desse personagem que sai pelo mundo à procura do pai e encontra o mundo maior, bem diferente daquele que conheceu na infância. Injustiças, maldades, indiferença, pobreza extrema e riqueza lá longe.

Cidades-pináculos cercadas de lixo que o sistema produz sem cessar. As coisas são substituidas rápidamente porque o homem precisa consumir, gritam os anúncios em cartazes gigantes.

E os sons sempre presentes explicam as emoções dos personagens em ruidos de pés, mãos, bocas, cantorias sem palavras. E as flautas que soltam bolhas coloridas que encantam nosso menino?

Mas cedo ele vai descobrir trombones que soltam bolhas negras assustadoras, enquanto marcha o exército negro que policia as cidades.

No céu, o pássaro colorido, ave do paraiso, é derrotada por uma águia negra.

As aventuras do menino, zanzando pelo mundo, vão falando de um sistema corrompido que não faz a felicidade de ninguém. E que, ainda por cima, destroi a natureza.

Há um hiato carnavalesco quando na tela desfilam personagens coloridos, ao som de alegres melodias de violões, chocalhos, pandeiros, batuque de tambores. Mas dura pouco.

A automatização tira o trabalho das mãos dos homens e os deixa com fome e tristes. Um violino e um violoncelo choram.

E, quando é tempo de voltar, para o circulo se fechar, o menino/velho reencontra o pai. E a semente, quando plantada, leva ao sono no colo da mãe sonhada. E a flauta toca uma nota só, que vai morrendo.

Alê Abreu vai estar na festa do Oscar disputando o prêmio de melhor animação. Vamos torcer por ele.

Mas o melhor já aconteceu. “O Menino e o Mundo” pode ser visto e compreendido por todos, cada um em seu nivel, sem o entrave da lingua porque as poucas frases são faladas num português de trás para a frente e com a ajuda da surpreendente música universal da trilha sonora de Ruben (Binho) Feffer e Gustavo Kurlat que vai do “rapper” Emicida, passa pelo GEM (Grupo Experimental de Música) e chega no percussionista Naná Vasconcellos.

E não pensem que é só coisa para criança ver.  É para adulto também se deliciar e refletir sobre a vida.

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