O Quarto de Jack

“O Quarto de Jack”- “Room”, Estados Unidos, 2015

Direção: Lenny Abrahamson

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Ela era o mundo dele. Jack tinha cinco anos e eram só os dois que existiam  naquele quarto, sua mãe e ele.

Se bem que, às vezes, Ma o levava para dormir no armário e fechava ele lá. E Jack ouvia a voz do homem porque ficava acordado, esperando poder voltar para a cama dos dois e ter o calor de Ma de volta.

No teto tinha uma pequena claraboia por onde Jack via nuvens, folhas, chuva e a neve. Mas era como se fosse um quadro que mudava de cores. E à noite mostrava luzinhas. De vez em quando uma bola iluminada.

Jack era feliz. Tinha tudo que queria. A mãe estava sempre com ele. Desde sempre.

Até que ela começou a querer que ele acreditasse que existia mais do que só eles e o homem e que o mundo era maior do que o quarto.

Jack primeiro ficou indiferente, depois assustado.

E, um dia, tudo mudou.

“O Quarto de Jack – Room” é um filme original. Aquela simbiose mãe/filho é um sonho que todos nós tivemos. A mãe/nosso mundo. Quando crescemos, aquela ligação intensa fica menos presente porque o mundo nos atrai.

Mas como o mundo era proibido para Jack e Joy, os dois só tinham um ao outro. E, nos enternece perceber que aquele menino, com o cabelo comprido como uma garota, não precisava de mais nada para ser feliz.

Mas entendemos, aos poucos, que a situação dos dois é trágica. Joy foi sequestrada e está trancada no quarto por sete anos. Jack nasceu lá e nunca saiu desse quarto.

Podemos imaginar como foi difícil para Joy criar Jack como um menino normal. Porque assim como ela era o mundo de seu filho, ele era o mundo para ela. O quarto ficava menos triste e trágico porque Jack existia.

Até que Joy resolve que vai contar, aos poucos, para Jack, o que foi que aconteceu. E vai tentar fugir.

O roteiro do filme, escrito pela autora do livro adaptado, Emma Donoghue, emociona e nos faz ficar muito próximos daquela mãe e seu filho.

A interpretação de Brie Larson é tão realista que sofremos com ela, vivemos o amor dela por Jack e compreendemos sua depressão na segunda parte do filme. Enquanto o filho ganha um mundo novo, ela perdeu o dela, aos 17 anos e não pode mais recuperá-lo. Ao mesmo tempo, talvez só agora ela pode permitir-se esses sentimentos, que poderiam ter sido fatais para ela e Jack naquele quarto que era como uma ilha perdida no oceano.

Merecidamente, Brie Larson ganhou o Globo de Ouro e está em todas as listas de prêmios para melhor atriz, inclusive o Oscar 2016.

Jack, interpretado com brilho por Jacob Tremblay, que é um ator de nove anos, faz um menino de cinco anos inteligente, dotado de grande imaginação, ingênuo e feliz. E convence o público que fica encantado com ele.

O irlandês Lenny Abrahamson, 50 anos, é um diretor talentoso (seu filme de 2012 “What Richard Did”ganhou o prêmio de melhor filme do ano na Irlanda). Seu trabalho com os atores, faz de “Room” (“Quarto” no título original), uma experiência emocional intensa, ora nos colocando no mundo de Jack e ali nos tornamos crianças como ele, ora no de Joy e sofremos e nos defendemos como ela, querendo esquecer o mundo lá fora.

Mas, principalmente, o filme nos faz viver aquele amor imenso que salva mãe e filho de uma tragédia maior.

“O Quarto de Jack” está na lista dos melhores filmes do ano do Oscar 2016. Quem é sensível não pode perder.

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Spotlight:Segredos Revelados

“Spotlight: Segredos Revelados”- “Spotlight”, Estados Unidos, 2015

Direção: Tom McCarthy

 Certos assuntos são difíceis e penosos. Quando a natureza humana mostra seu lado sombrio, doentio, acusar apenas resolve a questão?

No caso dos padres suspeitos de pedofilia em Boston, que o filme “Spotlight” encena, há vítimas que merecem que se faça justiça. Proteger crianças de pessoas perversas é um dever de todos. Mas tratar desse assunto de forma escandalosa a quem interessa?

Ora, quando o jornal “The Boston Globe” começa a ter baixa nas vendas em 2001 e muda de editor, os jornalistas de um grupo apelidado “Spotlight”, são chamados para escrever algo que faça a primeira página voltar a brilhar em suas manchetes.

Alguém se lembra de que notícias de casos de pedofilia na Igreja Católica em Boston, tinham aparecido no jornal há alguns anos. Mas a matéria não havia prosperado. Talvez fosse o caso de aprofundar a busca dessas notícias? Um escândalo envolvendo a Igreja Católica de Boston, com toda a força que ela tinha na cidade, certamente iria vender jornais.

O novo editor Marty Baron (Liev Schreiber) estimula então o grupo comandado por Walter Robinson (Michael Keaton), os jornalistas  Mike Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matt Carroll (Brian d’Arcy James) a investigar o assunto e levantar documentos que possibilitassem ao jornal publicar o escândalo.

O trabalho dos jornalistas foi árduo e longo. Extremamente dedicados, a ponto de prejudicar sua vida pessoal, eles pesquisam e chegam ao nome de algumas vítimas de abuso, ocorridos anos atrás, que preferiam o anonimato e são entrevistadas. A maioria é de pessoas desajustadas, de classes menos favorecidas e que culpam os fatos do passado por suas vidas destruídas.

Um grupo chefiado por uma dessas vítimas de abuso chega a dizer que elas são os “sobreviventes”. Muitos outros haveriam se suicidado.

Outro foco de pesquisa difícil era encontrar o nome dos suspeitos e descobrir o que tinha acontecido com eles. E o choque é grande quando concluem que esses padres tinham sido deslocados de suas paróquias para outras, depois de um tempo em casas de recuperação e tratamento, após as denúncias. E mais. O número era muito maior do que se tinha pensado inicialmente. Tudo com o conhecimento e a cooperação da Igreja Católica, numa tentativa de não tornar públicos esses tristes acontecimentos.

E, como havia processos, um advogado se encarregava da defesa e cobrava 20 mil dólares para sumir com os documentos, apesar da lei determinar que eram públicos.  A família da vítima ganhava algum dinheiro para que se calasse.

Depois de muitas noites sem dormir e um trabalho coroado de êxito, a reportagem ganhou o prêmio Pulitzer de jornalismo.

O caso foi muito comentado e causou mudanças na Igreja Católica, tanto em Boston quanto no Vaticano.

O atual Papa Francisco pediu perdão publicamente às vítimas desses crimes e mostra uma grande preocupação com o assunto. Não só com a pedofilia mas com padres que cometeram outros atos criminosos, que são afastados de suas funções mas precisam ser mantidos pela Igreja.

Os mais esclarecidas não se mostram surpresos com tudo isso. Afinal, seria muita inocência querer que não haja todo tipo de gente entre os que procuram a Igreja Católica para se tornar padres.

Um outro filme, chileno, de Pablo Larrain, “O Clube”, vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim 2015, tratou do assunto mas sem a finalidade de causar escândalo, tão presente no caso do “The Boston Globe”.

Voltando ao filme, “Spotlight” tem um elenco bem escolhido, a direção consegue manter um ritmo de “thriller” quase o tempo todo e o filme foi indicado para o Oscar de melhor filme, atriz coadjuvante para Rachel McAdams, ator coadjuvante para Mark Ruffalo, melhor roteiro adaptado e montagem.

Os críticos de cinema, em sua grande maioria jornalistas, louva o filme e lamenta que esse tipo de jornalismo investigativo que demanda tempo, dedicação e recursos financeiros, já tenha quase desaparecido, em tempos de internet e de pessoas pouco interessadas em ler jornais.

 

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