Rua Cloverfield 10

“Rua Cloverfield, 10”- “10 Cloverfield Lane”, Estados Unidos, 2016

Direção: Dan Trachtenberg

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Poucos filmes conseguem colocar a plateia em estado de alerta desde o começo. Isso acontece com “Rua Cloverfield 10”. Quem viu “Cloverfield-Monstro” de 2008 não pense que esse aqui é uma sequência, apesar do nome. O produtor diz que são filmes com certo parentesco, mais nada.

A imagem inicial mostra uma mulher jovem, visivelmente nervosa, olhando um celular que toca. Não ouvimos a conversa mas o semblante dela nos conta que ela discute com alguém.

A música de Bear McCreary faz com que o clima seja captado pelo espectador. Ansiedade, raiva, frustração.

Ela desliga e continua, às pressas, a colocar coisas das gavetas numa mala. Quando sai, deixa o anel de noivado e as chaves sobre a cômoda.

Horas depois é noite e a vemos numa estrada deserta. Para num posto de gasolina vazio. Chega outro carro. Ela sai. Continua aflita.

No carro o celular toca e ela não atende Ben mas ouve a mensagem (na voz de Bradley Cooper):

“- Michelle, fala comigo. Volta. Fala alguma coisa. Não acredito que você foi embora! Casais brigam…Fugir não é a solução.”

Ela desliga o celular. No rádio há uma notícia sobre falta de energia devido a uma explosão mas o celular toca de novo. Ela olha e é Ben insistindo.

Nesse instante, algo acontece e ela perde a direção do carro. Vidros se estilhaçam. Parece que ela foi atingida por algo e o carro despenca na ribanceira.

Na cena seguinte ela parece desmaiada. Acorda. Soro no braço. Mas aquilo não é um hospital.

Tateia a coxa e percebe que está acorrentada à parede. Está presa, numa cela de concreto.

Até agora ela não disse uma só palavra mas sentimos o pânico, como antes sentíamos a raiva e a frustração. Está ofegante. Seu olhar mapeia o lugar. Ela vê o celular e a bolsa num canto mas não consegue alcançá-los.

Lemos em seus olhos: como vou fugir daqui?

Esse início atordoante marca o que vamos ver. Uma mulher jovem  (Mary Elizabeth Winstead, ótima), amedrontada, não sabe quem a prendeu naquela cela. Quem vai entrar por aquela porta de ferro, sólida e com travas?

Tensa, ela escuta o destravar da porta e um homem mais velho, de barba e gordo (John Goodman, excelente) entra com uma bandeja com comida. E Michelle escuta que ele a tirou do carro acidentado e a trouxe com ele.

“- Meu noivo vai me procurar…Preciso ir para um hospital…”

“- Sinto Michelle, mas ninguém vai te procurar…Fomos atacados por algo que deixou o ar irrespirável. Todos morreram.”

E aí começa a história que mistura o suspense de um “thriller” com situações envolvendo medo e horror.

Mas o conteúdo psicológico é também importante. Porque Michelle vai confessar, a um terceiro personagem, que sempre fugia quando se sentia tomada por emoções fortes. Aqui ela vai passar por uma prova de fogo. Vai ter que enfrentar medos e dúvidas dos quais não consegue escapar. Vai ter que ser forte e usar tudo que pode e até o que não sabe para decidir como vai agir.

E nós nos grudamos na cadeira do cinema e enfrentamos com ela a tensão, que só cresce, com os acontecimentos inesperados e as reviravoltas do excelente roteiro (Josh Campbell e Mattew Stuecken com bons toques de Damien Chazelle, diretor e roteirista de “Whiplash”).

Competente estreia do diretor e investimento certeiro de apenas 10 milhões de dólares do produtor J.J.Abrams, (diretor de “Star Wars: O Despertar da Força”), que vai ter um ótimo retorno.

Filme inteligente com um suspense e surpresas de arrepiar.

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Desajustados

“Desajustados”- “Fúsi”, Islândia, Dinamarca

Direção: Dagur Kári

A câmara, lá do alto, mostra o aeroporto e o carrinho que transporta as bagagens. Parece um mundo de brinquedo. Mas quando se aproxima do condutor, ele é um homem imenso, de enorme corpanzil. A intenção é apontar a relatividade do tamanho? O engano de nossas percepções?

Dagur Kári, o diretor e roteirista islandês, que ganhou o prêmio de melhor filme, melhor ator e melhor roteiro no último Festival de Tribeca, com esse filme “Virgin Mountain” em inglês e “L’histoire du géant timide” em francês, parece que pede, com esse início, que não façamos julgamentos apressados.

Quando vemos Fúsi (o carismático ator Gunnar Jonsson) comendo seu cereal com leite, delicadamente, na cozinha da casa onde vive com a mãe, ele parece um menino bem comportado. Mas ele deve ter uns 40 anos, porque quando o acompanhamos, lidando em silêncio com as brincadeiras de péssimo gosto dos colegas de trabalho, percebemos que compreende o mundo em que vive.

Intrigados, frente àquele homem que gosta de brincar com carrinhos de controle remoto e, com seu único amigo, reconstruir com miniaturas as batalhas famosas da Segunda Guerra, vamos nos envolvendo com sua história.

Ele poderia ser mais independente mas parece que fica com a mãe por inércia ou por falta de interesse em explorar o mundo e as pessoas.

Pensando bem, aquele gigante delicado já deve ter sofrido em suas primeiras tentativas de socialização. O “bullying” não deve ser novidade para ele, que tem paciência com os outros e não revida os insultos e as brincadeiras pesadas. Ao contrário, está sempre disposto a ajudar, quando solicitado. A verdade é que ele tem bom coração e não guarda mágoas.

Quando encontra, na escada do prédio, a menina tristinha que mora no andar de baixo e que pede que ele brinque com ela, ele não recusa. Mal sabe que o pai dela, recém divorciado e fora de si, vai acusá-lo de pedofilia.

A mãe possessiva quer ele por perto para ajudá-la mas quando arranja um namorado e são flagrados na cozinha pelo filho, apesar de Fúsi não tocar no assunto, decide distraí-lo fora de casa. Um chapéu de cowboy e a matrícula numa escola de dança são o presente de aniversário que vai tirar Fúsi de casa em horários semanais regulares. Sossego para os namorados que vão poder ficar a sós.

E uma tempestade de neve vai trazer, para a vida daquele solitário, uma companhia feminina, Sjófn (Ilmur Kristjánsdóttir). Ela também está nas aulas de dança, é pequena, loira, alegre e não tem preconceito contra a aparência de Fúsi. Pede uma carona e assim começa uma amizade que leva o gigante romântico a ter coragem de enfrentar sua timidez e ampliar seus horizontes.

Mas, como as aparências enganam, como avisa o diretor desde o início, a moça pode ser mais complicada do que parece.

O certo é que o gigante amável parece ser o menos desajustado dos personagens desse filme que, sem pieguismo, trata da bondade, difícil de ser encontrada nesse mundo egoísta em que vivemos.

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