Agnus Dei

“Agnus Dei”- “Les Innocents”, França, Polônia, 2015

Direção: Anne Fontaine

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 As maiores vítimas de uma guerra são sempre as mulheres e as crianças. Em qualquer guerra, em qualquer lugar, os inocentes são os que mais sofrem.

Esse filme de Anne Fontaine, diretora francesa que escolhe retratar figuras femininas em seus trabalhos (“Coco antes de Chanel” 2009, “Gema Bovery”2014) inspirou-se aqui numa história real, a vida de Madeleine Pauliac (1912-1946), que lutou na resistência na Segunda Guerra e foi médica-chefe do Hospital Francês em Varsóvia. “Agnus Dei” é dedicado a ela.

Estamos na Polônia, em dezembro de 1945 e a Segunda Guerra acabou. Mas os exércitos vencedores e desertores perambulavam pela Europa, saqueando e matando. Instintos agressivos foram liberados e os homens perdem o controle de seus atos, principalmente quando estão em grupos e a culpa repartida torna-se inexistente.

Mas uma cena quase celestial abre o filme. Estamos num convento e freiras católicas com seus hábitos negros e véus brancos das noviças, entoam cantos gregorianos, na capela. Olhos azuis assustados em “close”. Ouve-se um grito.

Uma das freiras se apressa ao atravessar o bosque em meio à neve, passa por órfãos de guerra na rua esmolando e vai ao ambulatório da Cruz Vermelha. Lá pede ajuda em polonês, única língua que fala.

“- Aqui só franceses. Poloneses não”, diz um médico.

Mas ela não desiste.

“- Ela vai morrer. Me ajude!” pede a uma jovem enfermeira que se prepara para uma operação. Quando a intervenção termina vê, surpresa, a freira ajoelhada na neve, rezando.

Na próxima cena, a enfermeira acompanhada da freira, dirige a ambulância da Cruz Vermelha.

Mathilde (Lou de Laage, perfeita), a enfermeira francesa que não conseguiu terminar seus estudos de medicina, não sabe o que vai encontrar.

Apesar da severidade com que olham para aquela que foi pedir ajuda, as outras freiras não impedem que Mathilde se aproxime de uma cama onde grita e geme uma mulher jovem, em evidente trabalho de parto. Apesar de suas tentativas de cobrir-se, a enfermeira sabe que uma cesariana terá que ser realizada.

À luz de um lampião e com a ajuda da única freira que fala francês, Maria (Agata Buzek), Mathilde consegue trazer o bebê ao mundo.

E quando uma outra freira desmaia diante dela, a superiora (Agata Kuleska, ótima) chama Mathilde para uma conversa a sós. E muito constrangida, conta que o convento fora invadido pelos russos que tinham violentado todas as freiras. Daí o bebê da noite passada.

“- Quantas estão nesse estado?”

“- Seis”, responde a superiora.

Comovida, Mathilde vai ter que se render e enfrentar o que foi posto no seu caminho. Será ela e ninguém mais. O segredo tem que ser protegido pela honra do convento. A superiora teme que seja fechado se soubessem do acontecido e promete adoção para todos os bebês.

Essa situação terrível vai envolver várias questões sérias. Problemas éticos vão demandar respostas nem sempre evidentes. A fé cega de todas as freiras vai ser abalada em maior ou menor grau. A gravidez vai mexer com elas de forma  também diferente para cada uma.

Imagens de Caroline Champetier fazem um filme dramático ter momentos de pura beleza, em tons quase monocromáticos

Anne Fontaine, que co-escreve um roteiro de ritmo perfeito, assina um filme comovente que não julga suas personagens. Ao contrário, coloca-nos no lugar das vítimas frente a situações impossíveis, cercadas de medo, trauma e vergonha. Um filme excelente.

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Um Belo Verão

“Um Belo Verão”- “La Belle Saison”, França, Bélgica, 2015

Direção: Catherine Corsini

A paixão é um sentimento que não escolhe hora, nem lugar. E assim, envolve duas pessoas, tão inteiramente, que elas criam um mundo à parte, pelo menos por algum tempo, fortificando-se com as dificuldades encontradas.

É o que acontece na história de Delphine (Izia Higelin) e Carole (Cécile de France).

As duas se encontram em Paris em 1971, um momento de grande ebulição de ideias e de novas maneiras de viver descobertas através do clima de liberdade que imperava.

Delphine, que vem do interior para a cidade grande, deixando a fazenda de seus pais, é uma jovem camponesa que aceita sua inclinação sexual, que surgiu nela muito pequena. Ela sente atração por mulheres. Mas, dado o conservadorismo reinante, ela preserva seus relacionamentos juvenís dos olhos críticos dos camponeses do local e da família.

Já Carole é uma mulher urbana, mora com o namorado e gosta justamente de enfrentar os preconceitos burgueses e de divertir-se com um grupo de outras mulheres politicamente envolvidas com a defesa dos direitos femininos. A vida delas é livre e agem até como adolescentes, longe da vista dos pais.

Delphine olha de longe esse tipo de ativismo mas não se envolve. Ela se encanta mesmo é por Carole e toma todas as iniciativas para seduzi-la.

A princípio surpreende a outra, que encara aquilo como um divertimento a mais. E uma oportunidade de escandalizar burgueses.

Mas a bela Carole, que pensava poder ser livre e levar a vida como bem entendesse, se vê envolvida por aquela menina saudável, que não se engana com o que sente e é mais livre do que Carole para aceitar essa atração, que logo se transforma em paixão.

Quando circunstâncias familiares obrigam Delphine a voltar para casa e tomar a liderança da fazenda em suas mãos, ela se mostra à altura dos acontecimentos e percebe que o trabalho com a terra e o trato com os animais é o que mais a deixa à vontade nesse mundo. Ela não é uma pessoa da cidade. Sente-se feliz no campo.

Carole aparece na fazenda, certa de poder recuperar a atenção e o amor de Delphine. Mas, apesar de sentir-se atraída pela ideia de largar tudo e seguir Carole, Delphine vai ter que refletir sobre as escolhas que vai fazer e que vão determinar o rumo de sua vida.

Belas imagens e excelentes atuações são o ponto forte de “Um Belo Verão”, que não hesita em mostrar os corpos femininos em seus mais íntimos detalhes. Mas será que isso ainda escandaliza alguém? Talvez os mais puritanos.

E certamente esse filme não é para pessoas que ainda não aceitam que o sexo é saudável e pode se expressar de diferentes maneiras.

 

 

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