Aquarius

“Aquarius”, Brasil, 2016

Direção: Kleber Mendonça Filho

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Ouvimos o barulho do mar. E, de repente, Taiguara com seu vozeirão canta:

“Hoje, trago em meu corpo as marcas do meu tempo…”

No fim do filme, essa música é o fecho.

E o preâmbulo de “Aquarius” passa-se em Recife, 1980.

Na praia de Boa Viagem, um carro faz estrepulias na areia.

Depois, Clara, 30 anos, cabelos bem curtinhos, emociona-se na festinha de aniversário da tia Lúcia (Thaia Perez), que sempre foi uma batalhadora. É louvada pelos sobrinhos que dizem que a vida dela daria um poema, um livro, um filme.Viveu a revolução sexual e combateu a ditadura.

Clara, enfrentou um câncer, pesadelo em seu corpo e agora com o marido e filhos parte para viver a vida.

O tempo dá um pulo e, no presente, entramos pelo apartamento de Clara, à beira mar, decorado com objetos escolhidos, livros, álbums de fotos e uma coleção de vinil. Uma rede perto da janela convida à languidez.

E ela ilumina a tela. Sonia Braga aparece como a Clara de mais de 60 anos mas com um corpo sedutor e o belo rosto que ela oferece à câmara, soltando os longos cabelos negros e alongando-se como um gato.

Conversa com a empregada de anos sobre o almoço e vai para a praia.

O salva-vidas Roberval (Irandhir Santos) vigia enquanto ela entra na água, sem medo de tubarão. Some nas ondas verdes.

Clara é viúva há 17 anos, de um marido amado, seus três filhos são adultos. O mais velho está casado e tem um bebê, a filha do meio (Maeve Jinkings) separou-se e tem um menino, Pedro e o mais novo é gay assumido.

Ela é jornalista aposentada, foi crítica musical e escreveu um livro sobre Villa Lobos. Vive num mundo de escolhidas sonoridades.

Clara passou a vida inteira naquele predinho de dois andares, onde criou os filhos, amou o marido e lutou contra um câncer no seio. Cercado por edifícios modernosos, o “Aquarius” é uma raridade, uma memória de tempos de outrora e é o chão de Clara. Mistura-se com sua identidade.

Ela modificou a planta original numa reforma e o apartamento é o seu território, que ela defende com garra das ofertas de compra de uma construtora.

O “Aquarius” está vazio. Todos se foram, rendidos ao mercado e só restou Clara, agarrada com teimosia às suas paredes como a uma tábua de salvação.

Até os filhos e principalmente a filha, fazem uma propaganda sutil a favor da venda, dizendo-se preocupados com a segurança da mãe. Mas ela resiste. E começa um periodo de baixarias contratadas pela construtora para que ela se vá.

Clara resiste e luta como fez a vida toda. E compreendemos que ela tem no sangue a rebeldia contra os que querem impor à força sua vontade. Como tia Lúcia.

Para Clara, que fala baixo e não incomoda ninguém, a resistência passiva frente ao poderio econômico é uma questão de honra. E o final surpreende.

Muita gente se incomodou com o gesto dos atores em Cannes, segurando frases contra o governo atual. Mas o filme foi super elogiado e agradou à crítica internacional.

Vai para o Oscar representar o Brasil? Deveria.

Kleber Mendonça Filho, 48 anos, o diretor do também festejado “Som ao Redor” de 2012, em “Aquarius”, seu segundo longa de ficção, mostra com arte um retrato do Brasil, que não agrada a quem não gosta de ver expostas nossas feridas, como a desigualdade social, a tensão e a violência que isso provoca, a tendência a ignorar a preservação da memória das cidades e o modo escravagista como ainda são tratadas as empregadas domésticas. Mas como deixar de lado o que se vê?

“Aquarius” não é um filme abertamente político mas a resistência de Clara assusta, num belíssimo Davi e Golias.

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Ben-Hur

“Ben-Hur”- Idem, Estados Unidos, 2016

Direção: Timur Bekmambetov

Para quem viu, em 1960, o “Ben-Hur” de William Wyler (“remake” do primeiro, de Fred Niblo, de 1925), que ganhou 11 Oscars, o filme do cazaque Timur Bekmambetov não chega a empolgar. Por que? Porque o filme de Charlton Heston impregna nossa memória com uma emoção que falta ao novo “Ben-Hur”.

Com um roteiro focado na dominação do povo romano sobre o povo judeu que habitava a Palestina no século I da era cristã, perde-se a intenção de seguir dois irmãos que não tinham nem o mesmo sangue, nem os mesmos deuses, em seu conflito pessoal de amor e ódio. A ideia seria a de mostrar um filme de soldados e exércitos cruéis. Oprimidos e opressores.

Soa mais contemporâneo? Mais político? Mas tal ideia se perde já que os dois personagens principais continuam sendo a atração.

Assim, Judah (o príncipe judeu, interpretado pelo neto de John Huston, Jack Huston) e Messala (o órfão romano adotado pela família judia, papel do fraco ator Toby Kebbell), no início rapazes inseparáveis, viram inimigos ferozes e, diferente da história original, acabam novamente como inseparáveis, no final boboca.

Ou seja, tentaram mudar o foco da vingança de Ben-Hur para o perdão. Certamente mais apropriado para os nossos tempos do politicamente correto. Mas para quê mexer numa história tão conhecida? Para quê fazer um “remake” que é diferente do original? Falta de bons roteiros?

Porque no livro do general Lew Wallace de 1880, Messala morre na cena da corrida das bigas, que também é o fim de Stephen Boyd, ótimo no filme de 1959. Já no filme atual, ele só é ferido e perde a corrida para Ben-Hur, humilhando assim Poncio Pilatos e sai louco por uma vingança mas é dominado novamente por uma afeição a Ben-Hur.

Aliás, reza a lenda, alimentada por Gore Vidal, um dos roteiristas do filme de William Wyler, que havia uma intenção, nas entrelinhas, de fazer um par gay dos dois rapazes. E esconderam isso de Charlton Heston porque ele era muito conservador e não teria aceito o papel.

Outros tempos. Outros atores. Outros filmes.

Aliás, a figura de Jesus, que não era mostrada na versão de 1959, nessa atual é o que há de melhor, como atuação e composição de personagem. Rodrigo Santoro mostra a que veio, fazendo da figura mais famosa, o centro emocional do filme, não só pela mensagem que comunica ao mundo mas pela presença suave e poderosa do ator brasileiro.

Mas Bekmamtov também mostrou ser bom diretor, já que a cena das bigas, foi muito bem feita, usando os próprios atores e não substitutos digitais, o que impregna de perigo o ponto alto do filme.

Sem esquecer a batalha naval, também emocionante, onde o inglês Jack Huston, apesar de não ser nenhum Charlton Heston, tem mais chance de mostrar seus talentos como ator.

As mulheres que interpretam a mãe, a irmã e a mulher de Ben-Hur passam desapercebidas, tanto quanto Morgan Freeman, meros figurantes.

Resumindo, quem não viu o filme de 1959, vai se entreter com o de 2016, não mais do que isso.

 

 

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