Neruda

“Neruda”- Idem, Chile, Argentina, França, Espanha, 2016

Direção: Pablo Larrain

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Pablo Neruda (1904-1973) poeta e político chileno, foi o personagem escolhido por Pablo Larrain, como assunto de seu novo filme.

Mas não pensem que vão ver uma biografia na tela. Porque Pablo Larrain, diretor de “No” e “O Clube”está longe de ser um diretor conservador. Quando fala do Chile, seu país natal, usa um modo ao mesmo tempo crítico e criativo de fazer cinema.

Assim, em “Neruda”vamos ver cenas da vida do poeta, algumas verdadeiras, outras de pura ficção, em um filme “nerudiano”, como explicou Larrain para a imprensa no Festival de Cannes 2016. E o que ele quer dizer com isso? Que vamos ver um filme poético, político, com toques de um humor nada reverente e até mesmo a criação de um personagem inventado,  que faz o contraponto ao grande Neruda.

O filme começa ao som de Edwad Grieg (Suite Peer Gynt) e vemos o poeta e senador, interpretado por Luis Gnecco, em 1948, discursando e acusando o presidente Gabriel Gonzales Videla (Alfredo Castro) de ser um traidor. Diz que Videla esquecera de suas raízes de esquerda para se aliar aos Estados Unidos.

Videla declara guerra ao Partido Comunista e seu mais famoso membro é obrigado a fugir para não ir para a prisão.

Esse é o período de vida de Neruda que Larrain escolheu como referência histórica para acompanhar com sua câmara. Essa fuga vai inspirar o diretor e seu roteirista Guilhermo Calderron a mostrar um Neruda mais imaginado do que real. O mito.

Como realçar uma fuga? Fazendo dela uma perseguição.

Porque no filme vemos o poeta dizer:

“- Mas essa tem que ser uma caçada selvagem!”

E inventando o detetive interpretado por Gael Garcia Bernal, supostamente convocado por Videla para seguir Neruda e prendê-lo, Larrain nos faz pensar na função de imaginação do poeta. O diretor inventa um personagem, que seria invenção do poeta para que a fuga fosse mais estimulante.

Gael Garcia Bernal faz o detetive Oscar Peluchenneau, um tipo apagado que quer a todo custo prender Neruda e alçar sua figura às alturas de seu pai, famoso chefe de polícia que o renega. Sendo a mãe uma prostituta, Oscar precisa de um feito heroico para ser alguém.

Larrain coloca o detetive como o narrador em “off” e sua voz aparece bem antes de o ver na tela. Há tiradas engraçadas envolvendo uma perseguição de gato e rato. Neruda se diverte deixando como pistas pelo caminho, as novelas policiais que ele adora ler e que deixa autografadas e bem colocadas, para que o pobre detetive encontre. Ele está sempre um passo atrás.

A fuga, inicialmente imaginada pelo mar, transforma-se numa aventura maior pois há que atravessar os Andes, mostrado em belas cenas na neve e entrar na Argentina, para de lá ganhar a Europa.

O filme agrada a quem gosta de literatura, de imaginação e de toques surrealistas. Não há a intenção de diminuir o poeta, mas de mostrá-lo como ele era: amante da boa vida, das mulheres e do bom humor. O que não o impediu de ser admirado por sua voz que defendia as liberdades e o povo humilde do Chile.

E, relembrando o Prêmio Nobel de Literatura chileno e sua personalidade carismática, Pablo Larrain mostra o seu talento e assina um novo sucesso em sua carreira brilhante.

 

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Ninguém Deseja a Noite

“Ninguém Deseja a Noite”- “Nadie Quiere la Noche”, Espanha, França, Bélgica, 2016

Direção: Isabel Coixet

Juliette Binoche, 52 anos, talentosa e carismática, é daquelas atrizes que gostam de escolher figuras femininas fortes, ou que impressionem por algo dramático, para interpretá-las no cinema.

Isabel Coixet, catalã, 56 anos, é uma das mais importantes diretoras de cinema da Espanha. Foi ela que apresentou Binoche a Josephine Peary (1863-1955), uma dama da alta burguesia de Washington, casada com o famoso explorador do Ártico, Robert Peary (1856- 1920).

“Ninguém Deseja a Noite” inspira-se na figura da mulher do homem que disse ter chegado em primeiro lugar ao Polo Norte em 1909, fato depois contestado por Frederick Cook que afirmava ter chegado antes, em 1908. Até hoje há controvérsias. Mas parece que Peary foi realmente o primeiro a chegar ao Polo Norte.

Josephine acompanhou o marido em seis de suas expedições e foi a primeira mulher a fazer isso. Era chamada de a ”Primeira Dama” do Ártico. Deu a luz à sua filha, que nasceu em plena paisagem de gelo, muito próxima ao Polo Norte. A bebê era chamada de “Snow Baby – O bebê da Neve” e serviu de tema para um livro escrito por sua mãe em 1901, com esse título. Além desse, Josephine escreveu mais dois livros: “My Artic Journal”1893 e “Children of the North”em 1903.

O filme de Isabel Coixet inspirou-se nessa figura de mulher mas se valeu de uma liberdade poética. Transformou a esposa do explorador em companheira de 18 semanas de inverno polar da innuit Allaka (Rinko Kikuchi), que Josephine não sabia, mas era a amante de seu marido, de quem esperava um filho.

Vemos na tela uma mudança radical de postura em Josephine Peary. De uma mulher segura de si, arrogante mesmo, que pensa ter força suficiente para enfrentar o inverno de seis meses sem sol e propõe-se a esperar o marido sozinha em um acampamento precário até sua volta do Polo norte, ela vira outra pessoa.

No início, vestida de veludo vermelho, gola de raposa prateada, chapéu de astracã preto e coberta de peles, lá vai Josephine em seu trenó puxado por cães, com o guia Bram (Gabriel Byrne). Em outros dois trenós seguiam esquimós, um deles a moça Allaka.

A natureza selvagem e de extremos que Josephine pensa que vai conseguir enfrentar, mostra-se muito mais terrível do que ela imaginava. A mocinha esquimó, no começo desprezada pela americana, vai desempenhar um papel importante na convivência das duas, que marca uma humanização de Josephine, que vai precisar da simplicidade de Allaka e de seu coração solidário. Mais que tudo, vai precisar dos conhecimentos de sobrevivência que Allaka conhece.

Imagens belíssimas da paisagem desértica e escura do inverno polar mostram a pequenez do ser humano naquele cenário sem luz, só sombras. Tanto fora quanto dentro da pequena cabana ou do iglú de Allaka, o clima é de claustrofobia, já que a natureza as capturou numa armadilha, impedindo que possam sair de lá.

Só a solidariedade pode salvá-las e, acreditando estar perto da morte, Josephine descobre a própria humanidade e a de Allaka, igualadas no sofrimento e medo.

O filme é difícil de ver por essa angústia de morte próxima num deserto gelado. Mas vale a pena pela atuação magnífica de Binoche e de Kikuchi e pela beleza terrível de uma natureza que raros humanos conhecem. Algo assustador mas também de uma tal grandiosidade que fascina.

Um filme raro.

 

 

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