O Filho de Joseph

“O Filho de Joseph”- Le Fils de Joseph”, França, Bélgica, 2016

Direção: Eugène Green

Oferecimento Arezzo

“Mater certa pater semper incertus”, reza o direito romano, ou seja, a mãe sempre se sabe quem é. Já o pai… É claro que nem sonhavam com fertilização in vitro, barriga de aluguel e exames de DNA.

Mas “O Filho de Joseph” trata da questão da paternidade de outro ponto de vista, com uma história exemplar focada nas emoções da relação simbólica pai e filho.

Elegante, o filme usa de passagens da Bíblia pintadas por grandes pintores. Os quadros célebres ilustram capítulos do filme: “O Sacrifício de Isaac”, “O Bezerro de Ouro”, “O Marceneiro”, “A Fuga para o Egito”.

Estamos em Paris e um adolescente solitário de 16 anos, Vincent (Victor Ezenfis) mora com sua mãe amorosa, a enfermeira Maria (Natacha Régnier). Ele faz de tudo para descobrir quem é seu pai, já que a mãe guarda esse segredo a sete chaves.

Mas o que não descobre um garoto inteligente, obcecado por essa questão?

E a descoberta é uma decepção que motiva um desejo de vingança. Porque o pai de Vincent é Oscar Pormenor  (Mathieu Amalric), um editor de sucesso mas mau caráter e egoísta que não dá a mínima para a família ou filhos.

Ora, Vincent dorme num quarto azul real, onde está pendurado na parede à sua frente, uma réplica do quadro de Caravaggio, “O Sacrifício de Isaac”, passagem conhecida do Velho Testamento, quando Deus ordena a Abraão que mate Isaac, seu único filho, concebido na velhice e é interrompido no último momento por um anjo que segura sua mão com a faca.

Há algo naquele quadro que Vincent não consegue entender e que inspira sua vingança. Não seria o filho que deveria matar o pai negligente?

O garoto passa horas de sua vida olhando aquela cena e só vai poder comprendê-la quando encontra Joseph (Fabrizio Rongione), irmão de Oscar, o pai biológico de Vincent, deserdado pelo pai de ambos e que usa o nome da mãe. O menino não tem ideia de que ele é seu tio.

O espectador pode estranhar um certo ar teatral assumido pelos atores, que recitam seus diálogos e muitas vezes olham diretamente para a câmara. Mas esse é o estilo do diretor e roteirista Eugène Green, americano nascido em Nova York, que vive há 50 anos na França e admira a força do teatro clássico.

E há toques de humor que ficam a cargo da personagem de Maria de Medeiros, que faz uma crítica literária insinuante.

Numa visita ao Louvre, olhando o quadro de Georges de La Tour que representa o marceneiro Joseph sendo observado amorosamente pelo menino Jesus, o Joseph de Vincent diz:

“- Foi o filho que fez dele um pai.”

Co-produzido pelos irmãos Dardenne, um selo de qualidade, “O Filho de Joseph”  é um filme comovente, interessante e original. Merece ser visto. Abranda o coração.

Ler Mais

Mulheres do Século XX

“Mulheres do Século XX”- “20th Century Women”, Estados Unidos, 2016

Direção: Mike Mills

Estamos em Santa Barbara, Califórnia, em 1979. Dorothea Fields (Annette Bening, atriz maravilhosa), e Jamie (Lucas Jade Zumann), seu filho de 15 anos, olham o Ford Galaxy que queima no estacionamento do supermercado.

“- Era o carro do meu ex-marido. Nele trouxemos nosso filho da maternidade. Eu tinha 40 anos… Desde então, somos só nós dois”, diz ela em “off”, fumando o tempo todo.

Moram os dois numa casa grande construída em 1904. Está sendo restaurada aos poucos por William (Billy Crudup), que também mora lá.

Dorothea nasceu em 1924, passou pela Grande Depressão de 39, pela Segunda Guerra e pelo divórcio e agora enfrenta a adolescência do filho único, com a impressão receosa de que ela não conseguiria fazê-lo tornar-se um homem.

Para tanto, recruta duas mocinhas que estão sempre pela casa. Abbie de 19 anos (Greta Gerwig, ótima) que aluga um dos quartos e a bela Julie (Elle Fanning) de 17 anos, que é amiga de Jamie desde que eram pequenos e que dorme escondida, toda noite, na cama dele, como irmãos. Conversam e se apoiam mutuamente. Ela é filha de uma terapeuta mas não se dão bem. Aliás Abbie também tem problemas com a mãe.

Assim, Dorothea funciona como mãe para Abbie e Julie busca Jamie para fazer o papel de irmãozinho. As duas garotas são muito carentes.

Jamie é apaixonado por Julie mas ela é complexa e egoísta. Parece que não percebe o quanto Jamie precisa controlar seus impulsos amorosos e o quanto sofre ao saber que ela transa por aí com outros garotos.

Estamos no final dos anos 70 na Califórnia e a contracultura é o que impera. Dorothea tem a mente aberta, sente-se bem como divorciada mas não consegue gostar das bandas punk que Abbie e Jamie adoram.

Na TV lá está o presidente Jimmy Carter fazendo seu discurso sobre a confiança e só Dorothea curte.

Vemos os trechos do documentário “Koyaanisqati” que mostra pessoas agitadas com a câmara acelerada seguindo o ritmo do shopping center, das escadas rolantes, do consumismo e da alimentação “fast food”.

As cores da natureza nas estradas à beira mar já são psicodélicas, saturadas, arco-íris.

E o feminismo entra pela casa de Dorothea nos livros de Susan Sontag e Simone de Beauvoir que as garotas leem e emprestam para Jamie, que é o centro de atenção da casa.

Às vezes parece que ele está cansado de conviver com tantas mulheres. Mas quem sabe já não é um precursor dos homens sensíveis ao feminino que John Lennon cantará em “Woman”em 1980?

O material do filme parece vir direto das experiências do diretor Mike Mills, às voltas com a complexidade de sua mãe. E Annette Bening se apropria do papel com tanta energia e graça que não podemos deixar de simpatizar com ela.

O forte do filme são os personagens e como enfrentam seus problemas dentro do clima familiar que a mãe Dorothea comanda nas conversas ao redor da mesa do café da manhã ou do jantar.

“Mulheres do Século XX” é um filme gostoso, de afetos calorosos.

Ler Mais