A Filha

“A Filha”- “The Daughter”, Austrália, 2015

Direção: Simon Stone

Oferecimento Arezzo

Histórias que contam dramas e segredos envolvem sempre a nossa curiosidade. É o caso do filme “A Filha”, do jovem e estreante diretor em longas, Simon Stone, 32 anos, que veio do teatro e adaptou a peça do famoso autor norueguês, Henrik Ibsen (1828-1906), “O Pato Selvagem”, trazida para os tempos atuais.

A ação é deslocada para uma cidadezinha australiana, que em tudo depende da madeireira local, que acaba de fechar suas portas, devido à crise econômica, deixando todos na cidade sem emprego e obrigados a procurar trabalho em outro lugar.

Aparentemente alheio ao drama dos habitantes da cidadezinha, o dono da madeireira Henry (Geoffrey Rush), patriarca de uma rica família que gerenciava por 100 anos o negócio, vai se casar com a governanta da casa, Anna (Anna Tory), que tem idade para ser sua filha.

Seu único filho Christian (Paul Schneider) vem para o casamento, deixando a mulher nos Estados Unidos, onde vivem. O casamento parece que não vai bem e Christian, além de problemas com a bebida, sofre com feridas na alma, não cicatrizadas desde o suicídio de sua mãe.

Ele reencontra seu antigo colega de escola e melhor amigo Oliver (Ewen Leslie) bem casado com Charlotte (Miranda Otto). O casal tem uma filha adolescente inteligente e amorosa, Hedvig (Odessa Young).

O pai de Oliver, Walter (Sam Neil) havia sido sócio de Henry na madeireira. Algo grave acontecera mas só ele tinha sido preso na época. Parece que depois eles tinham se entendido e acertado uma pensão para a família de Walter.

O avô de Hedvig, uma menina bonita de cabelos louros pintados de um leve rosado, construíra um santuário onde cuidava de animais feridos. O último a chegar foi um pato selvagem que Henry atingira na asa com um tiro. Salvo por um erro de pontaria, o pobre não conseguia voar.

Esse pato selvagem vai servir como metáfora para os personagens atingidos por erros dos outros. Mas também vai ser uma imagem de esperança de vida e recuperação.

Todos apresentados, ocorre o drama central. Aquele que é o personagem mais infeliz, hipocritamente trará à tona um velho segredo que vai fazer a infelicidade geral.

Alguém, movido apenas pelo ressentimento e inveja, vai usar a verdade como uma arma para ferir a todos. E o personagem mais inocente é o que vai ser atingido mais cruelmente.

“A Filha” é bem dirigido, as locações tem belas paisagens bem fotografadas por Andrew Commis e o elenco, de primeira linha, convence na representação desse drama.

E a moral dessa história é que a verdade nem sempre traz felicidade. Muitas vezes é melhor deixar que ela fique enterrada e esquecida.

É cinemão. Mas de qualidade e bom gosto.

 

Ler Mais

Norman : Confie em Mim

“Norman: Confie em mim”- “Norman: The Moderate Rise and Tragic Fall of a New York Fixer”, Estados Unidos, Israel, 2017

Direção: Joseph Cedar

Simpático, cabelos brancos, óculos, fala mansa e sempre vestido em seu elegante sobretudo, na fria Nova York, Norman Oppenheimer (Richard Gere, 67 anos, carismático como nunca) movimenta-se como se fosse esperado para o fechamento de um negócio importante. Celular em punho, fala com muita gente, o tempo todo.

Mas quem é ele? Em seu cartão que distribui generosamente, está escrito “Estratégias Oppenheimer” e perguntado, não explica, muda de assunto. Ele se diz amigo de todos os nomes importantes da cidade e se coloca à disposição para apresentá-los a quem possa interessar.

Quando um jovem político israelense aparece em Nova York para uma conferência, lá está Norman, de olho nele. Mas o que pretende esse homem misterioso?

Misha Eshel (Liar Ashkenazi, ótimo ator), vice-ministro do comércio de Israel, andando pelas ruas da cidade, para numa vitrine elegante. Olha com cobiça para um par de sapatos. E, imediatamente, Norman surge a seu lado, puxando conversa. Consegue arrastar o político para dentro da loja caríssima e faz o homem experimentar o luxo.

Sedutor como a serpente do paraíso, Norman consegue o que quer. Com um gesto aparentemente generoso, presenteia os sapatos para o agradecido desconhecido e compra um lugar em sua vida. Aquele gesto não será esquecido.

Mas por que? Qual o interesse de Norman em se acercar e agradar esse personagem do segundo escalão da política em Israel?

Ao longo do filme em quatro capítulos, vamos seguindo os passos de Norman, divididos entre torcer por ele, para que seus obscuros planos deem certo e uma aflição. Afinal o que move Norman?

Parece que não é a vontade do lucro, de ganhar dinheiro. Se existe, está em segundo plano. Não sabemos nada de pessoal sobre ele. Nem onde vive, nem se a mulher morta e a filha existem mesmo. Desconfiamos que se abriga de noite na sinagoga, onde é amigo do rabino (Steve Buscemi).

Com o desenrolar da história começamos a entender a solidão de Norman, sua existência sem raízes, a vida inventada à custa de personagens ilustres que ele seduz.

Todo mundo o conhece mas ninguém sabe quem ele é.

Num mundo cada vez mais interessado só em aparências, não há lugar para a verdadeira amizade que requer tempo, investimento afetivo e presença. Norman é um subproduto desse jeito de viver. Apoia-se no desejo do outro. Tenta satisfazer todos os seus “amigos” para ser visto, reconhecido, quem sabe até ser quase amado.

Joseph Cedar, diretor e roteirista americano radicado em Israel, em seu primeiro filme em Hollywood, toca num ponto sensível da sociedade contemporânea. E por isso fez um filme que angustia e pode não agradar a quem pensou que iria ver uma comédia. Porque não existe um pouco de Norman em todos nós?

Ler Mais