Bom Comportamento

“Bom Comportamento”- “Good Time”, Estados Unidos, 2017

Direção: Joshua e Benny Safdie

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Esquece a Nova York dos turistas. Esquece também aquelas pessoas correndo para o trabalho. Esquece até dos latinos ilegais. Porque nesse filme estamos numa parte da cidade, o Queens, que pouca gente que conhecemos visitou.

Foi lá que nasceram os irmãos Safdie, numa família judia. Foi o pai deles, que trabalhou naquela rua dos diamantários e levou a família para Manhattan, que os incentivou a fazer cinema. Estudaram na Boston University.

Muito diferente é a história dos irmãos Connie e Nick Nikas que vão viver uma aventura infernal no Queens, um labirinto sem saída, em “Bom Comportamento”, que caiu no agrado da crítica internacional quando participou da competição para a Palma de Ouro no Festival de Cannes desse ano.

Tudo começa num hospital psiquiátrico onde Nick é testado por um psicólogo, mostrando uma desconexão importante com a realidade, total falta de compreensão de situações simples e um universo afetivo de tonalidade paranoica.

Connie tira o irmão do consultório, mas não porque quer ajudá-lo. É porque precisa dele, grande e forte, para levar avante uma ideia louca de roubar um banco.

Começa então a cascata de erros que vai desnortear tanto Connie (Robert Pattinson, excelente no papel) quanto o espectador, perdido em espaços claustrofóbicos, iluminados com luzes surreais, onde a confusão mental de Connie é igual ou até maior que a do irmão, que é preso logo depois do assalto ao banco e é surrado na cela da prisão.

Desesperado de culpa para obter o dinheiro da fiança do irmão, Connie vai se afundando cada vez mais num pântano de areias movediças.

Personagem autodestrutivo, impulsivo, assustado, Connie tenta acertar mas como não entende os códigos de sobrevivência vigentes, erra cada vez mais.

A plateia entra em contato íntimo com uma mente confusa, espelhada nos olhos vidrados de Connie/Pattinson, drogado e sem dormir.

A música composta para o filme pelo DJ Oneohtrix Point Never é incessante, estridente e totalmente adequada a essa viagem alucinante e frenética.

E eu e muita gente que vê esse filme se pergunta se não seria vital que revessemos nosso modo de educar essas crianças de maneira que fosse atraente tornar-se produtivo para a comunidade onde vivem. Afinal ninguém quer ser bandido desde o dia em que nasce. Mas com famílias disfuncionais ou inexistentes quantos jovens tem esse mesmo destino trágico dos irmãos Nikas?

Os irmãos Safdie, que fizeram esse filme perfeito e criativo, parecem perguntar para nós justamente isso: o que foi que aconteceu com essas pessoas jovens e já sem futuro?

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Na Praia à Noite Sozinha

“Na Praia à Noite Sozinha”- “On the Beach at Night Alone”, Coréia do Sul, 2017

Direção: Hong Sang-soo

Talvez seja interessante que o espectador saiba, antes de ir ao cinema, de alguns detalhes que fazem desse filme uma obra extremamente pessoal. Porque tem tudo a ver com a vida do famoso diretor sul-coreano que tem participado de todos os festivais importantes.

O último filme dele que vimos por aqui foi “Certo Agora, Errado Antes” de 2015 (minha resenha foi publicada em 25 de maio de 2016). O filme ganhou o Leopardo de Ouro em Locarno, e deu o prêmio de melhor ator para Jung JaeYoung, que faz um diretor de cinema.

Em entrevistas nessa época, o diretor de 56 anos contou como gosta de trabalhar. Ele se inspira com pouca coisa no início da filmagem e vai construindo a história a cada dia que passa.

Bem, não deve ter sido assim em “Na Praia à Noite Sozinha”. Porque o que contaram os tabloides coreanos é que a jovem e famosa atriz Kim Min-hee (que fez a garota artista por quem o diretor casado se apaixona em “Certo Agora, Errado Antes”e estrela de “Handmaiden – A Criada” de outro famoso diretor sul-coreano Park Chan- Wook) seria o pivô de uma separação. O diretor e sua atriz teriam se apaixonado e a mulher dele negara o divórcio, esperando ele voltar para a casa.

O certo é que o par viajou pelos Estados Unidos fugindo dos “paparazzi” e só depois de algum tempo houve uma separação amigável dando fim ao caso.

Ora, quem for ver “Na Praia à Noite Sozinha”, exibido em Berlim e que deu o Urso de Prata de melhor atriz para Kim Min-hee, 35 anos, vai ver o que o diretor Hong San-soo fez com essa história de um amor que ele viveu com sua atriz.

Ela faz o papel dela mesmo, corajosamente, com outro nome, Young-hee e a vemos em Hamburgo para onde viajou para tentar esquecer um caso que estava vivendo com um homem casado.

A vemos conversando com sua amiga Jee-Young (Seo Younghwa, que também foi do elenco de “Certo Agora, Errado Antes”), que sabe de tudo mas é discreta. Notamos preocupação nela, que é mais velha e percebe o desespero da jovem. Elas passeiam por uma Hamburgo de ruas cinzentas, parques vazios e uma praia no inverno.

Uma grave depressão ronda a atriz famosa. Ao ver uma ponte que deve atravessar, ela para e ajoelha-se curvando até o chão, como se rezasse. E na praia prateada e gelada, vemos um homem levando embora a jovem inerte nas costas. Sem mais explicações.

O filme é dividido em duas partes, com elencos de apoio diferentes. Ela volta para seu país e a história vai ficando cada vez mais tensa. Num jantar com a equipe técnica de um filme que está sendo rodado ali, perto de Seul, numa outra praia de ondas verdes, há a esperada explosão.

A imagem da bela e angustiada atriz deitada na praia, adormecida, talvez mostre uma saída para sua depressão.

Ao vivenciar intimamente sua dor ela desperta. Agora, ao invés de ser levada como morta nas costas de um homem, como na primeira parte do filme, mais madura, ela não responde ao apelo mortal do homem cinzento no terraço do hotel e caminha com seus próprios pés.

Libertou-se daquilo que ela mesma chama de auto- destrutividade? Parece.

Um filme que começa na superfície e vai aprofundando para que o diretor possa nos mostrar o íntimo de sua personagem, que foi um dia sua bem amada.

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