Blade Runner 2049

“Blade Runner 2049”- Idem, Estados Unidos 2017

Direção: Denis Villeneuve

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Faz mais de três décadas que “Blade Runner” de Ridley Scott surpreendeu muita gente. Baseado num conto de Philip K. Dick, “Do Androids Dream of Eletric Sheeps?”, não foi um imediato sucesso de público mas teve uma marcante influência nas cabeças que dominavam o mundo pop. Tornou-se “cult” com o tempo.

Quem for rever o “Final Cut” do diretor de 2007, sem o final feliz imposto pelo estúdio, vai se encantar de novo com a imaginação da direção de arte. Muito do que se vê no filme foi para as ruas ditando a moda dos anos 80 : muito néon, até nos colarzinhos, maquiagem negra nos olhos, paetês no corpo, ombros em destaque, matelassê no couro e casacos de nylon, plástico transparente nas roupas, golas altas e imensas, colants, só para citar alguns dos visuais marcantes do filme que foram adotados.

O futuro em “Blade Runner” era 2019 e o filme é noturno, azulado, com muita fumaça e chuva, mostrando uma Los Angeles congestionada, com gente andando nas calçadas vestidas com roupas criativas, em bicicletas, carros entupindo as ruas, veículos voadores, numa miscelânea de línguas e gente. Prédios altíssimos que eram imensos cortiços. Tudo muito glamuroso e novo para os olhos.

Harrison Ford era Rick Deckard o “Blade Runner” ou seja, “O Caçador de Andróides”. Policial, sua missão era exterminar androides que vieram clandestinamente para a Terra, onde eram proibidos, fugidos das colônias espaciais onde trabalhavam como escravos.

No meio disso tudo, ao som da música espiritual de Vangelis (“One More Kiss, Dear” e “Love Theme” para sax e orquestra), Deckard se envolve com uma bela replicante, Rachael (Sean Young).

É importante lembrar que em 1982 as TVs eram pequenas, nem se pensava em celulares, notebooks, nem toda a tecnologia a que hoje estamos acostumados. O futuro ainda não havia chegado à nossa vida diária.

Mas agora é outra história. O filme dirigido pelo franco- canadense Denis Villeneuve, ele mesmo um fã do primeiro “Blade Runner”, tem Ridley Scott como produtor, o delírio da crítica e passa-se em 2049. Bem, muitos de nós não estaremos aqui para conferir, mas podemos imaginar, graças ao filme de Villeneuve, como será. Ou como poderia ser.

Uma distopia. Um mundo esgotado, poluído e com lixões que ocupam mais espaço do que as cidades. Roger Deakins, responsável pela direção de fotografia, indicado uma dezena de vezes para o Oscar, deve levar o seu para casa dessa vez. Criou um impressionante mundo cor de âmbar, onde jorra a água incessante de chuvas torrenciais. Impera a falta de horizontes e o mar invade a terra. Os prédios altíssimos e colados, quase não deixam espaço para a gente opaca e molhada que lota as ruas de Los Angeles. Foi-se o glamuroso mundo de 2019.

Ryan Gosling, ator maravilhoso, é K, o novo “Blade Runner”, sendo ele mesmo um androide e sabe disso. Policial, “aposenta” replicantes antigos, responsáveis por rebeliões no passado e conspirações no presente. Depois de certas ocorrências, começa a desconfiar que algo milagroso aconteceu e pode mudar a vida dos replicantes. E vai em busca de Deckard (Harrison Ford, envelhecido, mas com o mesmo carisma de 1982), que poderá ter as respostas para suas indagações.

Denis Villeneuve, que pode ser considerado um dos maiores diretores da atualidade, mostrou com “A Chegada”, no ano passado, que é um mestre do cinema que faz pensar. Aqui ele nos lembra que o planeta não é inesgotável e que sempre haverá discórdia quando uns tiverem o que os outros não tem. Os desfavorecidos, que aqui são os androides explorados, lutarão sempre por aquilo que não possuem. Lutam para procriar. Como os humanos. Querem liberdade, igualdade e, se possível, fraternidade.

As mulheres brilham no elenco: Robin Wright é a chefe de Ryan Gosling; a cubana Ana de Armas é Joi, a moça holograma que cuida dele e inventa um delicioso jogo amoroso onde se mistura com Mackenzie Davis, uma bela replicante loura que lembra Darryl Hannah do primeiro filme, numa cena inesquecível; Sylvia Heks é Luv, uma androide sádica que trabalha para o “big boss” Wallace (Jared Leto) que imagina e fabrica novos replicantes. E tem até uma cena com Sean Young, a Rachael de Deckard, com a mesma roupa com que aparece no primeiro filme.

E a mensagem de “Blade Runner 2049” com suas duas horas e 45 minutos de duração, produzindo uma imersão num mundo que pode ser evitado, parece se dirigir às novas gerações e pedir para que abram os olhos, para que o mundo de 2049 nunca aconteça…

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Divórcio

“Divórcio”, Brasil, 2017

Direção: Pedro Amorim

Uma caminhonete vermelha voa pelas estradas de terra em Ribeirão Preto. Estamos em 1997.

Como é que é? O motorista está guiando com as duas mãos amarradas? Ele tira a corda com os dentes, sem diminuir a velocidade.

Corta para a cena de um casamento ao ar livre numa fazenda. A noiva caminha triste e lentamente para o altar, onde a espera um noivo de chapéu texano e terno com colete.

Mas eis que surge o rapaz da caminhonete à toda e arrebenta o enorme bolo, passando por cima, sem dó nem piedade.

“- Noeli? ”grita o moço (Murilo Benício).

“- Júlio! “ responde a noiva (Camila Morgado, ótima).

O pai da noiva está espumando de raiva e pergunta aos seus capangas:

“- Como é que ele escapou? Seu carioquinha de …”e solta o palavrão.

E, enquanto os dois fogem na caminhonete, o pai amaldiçoa:

“- Noeli, você morreu para essa família! ”

Ela joga o véu pela janela.

Tudo isso ao som da canção sertaneja “Evidências”, que vira rock na voz de Paula Fernandes.

Esse é o início de um filme brasileiro que me fez dar boas risadas. Fato inédito. Porque não costumo ver muitas comédias, brasileiras principalmente. Não aguento as piadas escatológicas, nem o mau gosto do palavreado. Posso estar errada mas tem sido assim com raras exceções.

Resolvi ver “Divórcio” porque falaram bem do filme. E, realmente, posso dizer que é uma comédia divertida e bem realizada.

O diretor Pedro Amorim, 40 anos, formado em cinema pela New York University, acertou em cheio ao escolher a dupla de atores Camila Morgado e Murilo Benício para interpretar o casal caipira e pobrinho , que fica rico com um molho de tomate enlatado, receita secreta da família de Noeli, que vira o queridinho dos brasileiros. Noeli na lata.

Mas junto com a fortuna vieram também as reclamações e o tédio no casamento. Júlio reclama de Noeli, perguntando a toda hora “quanto custou?” Tem uma risada irritante e adora carros grandões. Noeli, além das duas filhas do casal, tem paixão por sua coleção de sapatos Loboutin caríssimos, lindamente expostos num “closet” tão grande quanto uma loja e também tem uma risada roncada que lhe valeu o apelido de “Porquinha”, desde a escola.

O casal acaba num divórcio litigioso com cenas hilárias, protagonizadas por eles e seus advogados famosos por suas causas milionárias, que só enriquecem a eles mesmos (André Mattos e Angela Dippe).

O elenco de apoio tem uma revelação no ator Gustavo Vaz que faz o ex colega de Noeli, apaixonado por ela desde a escola e que virou o cantor sertanejo Catanduva. Sem esquecer de Luciana Paes que faz a engraçada amiga de Noeli.

O filme tem ritmo e um roteiro bem bolado de Paulo Cursino que explora desde o novo-riquismo, passando pelas excentricidades do mundo brega sertanejo, indo parar até nas celas de uma prisão e seus absurdos.

“Divórcio” faz graça em cenas divertidas mas nunca debochadas. E esse é o acerto maior do filme, que não precisa ridicularizar ninguém, nem cair no mau gosto para conseguir fazer a plateia rir.

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