Victoria e Abdul – O Confidente da Rainha

“Victoria e Abdul – O Confidente da Rainha”- “Victoria e Abdul”, Reino Unido, Estados Unidos, 2017

Direção: Stephen Frears

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Esta é a segunda vez que Judi Dench, 82 anos, interpreta a Rainha Victoria no cinema. A primeira foi no filme “Sua Majestade, Mrs Brown” com o qual ganhou o Globo de Ouro 1998. E é a terceira vez que trabalha com o cineasta também inglês como ela, Stephen Frears, 76 anos.  Nessas duas ocasiões foi indicada ao Oscar de melhor atriz (“Sra Henderson apresenta” de 2006 e “Philomena” de 2013). Judi Dench já foi indicada ao Oscar de melhor atriz por cinco vezes mas só ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante por “Shakespeare Apaixonado” em 1998 quando interpretava Elizabeth I.

A Rainha Victoria vai dar a ela o tão esperado Oscar de melhor atriz? Mereceria, pois está fantástica mais uma vez nos seus cenários reais. E o diretor Stephen Frears (“A Rainha” que deu o Oscar a Helen Mirren), consegue fazer um retrato íntimo da Rainha Victoria, como se entrasse na vida dela pela porta de sua condição humana e não como personagem da realeza.

Quando a vemos no filme pela primeira vez, ela está vestida de negro de viúva, brincos, colar, broche e tiara de diamantes. Mas as pedras brilham mais do que seus olhos, baixos, que só enxergam o prato que ela come vorazmente. A corte em volta da grande mesa do almoço que comemorava o Jubileu de Ouro, os 50 anos de seu reinado, tem que comer depressa, no ritmo da rainha.

Mas, quando se aproxima dela o garboso Abdul Karim (Al Fazal), um funcionário indiano escolhido para levar para a rainha uma moeda cerimonial, um “mohur”, seguido de outro indiano ambos em trajes de gala, o mais alto diz:

“- Um presente do Império da Índia. ”

E aquele jovem de 24 anos, dono de uma bela presença, comete o erro imperdoável, para o qual tinha sido avisado inúmeras vezes pelo cerimonial:

“- O mais importante é jamais olhar para a Rainha!”

Mas, voltando de costas como fora treinado, Abdul não somente olha mas sorri para aqueles olhos azuis penetrantes que o encaram.

E, no dia seguinte, na hora do café da manhã, o médico dr Reid (Paul Higgins) e os demais à volta da rainha, levam o primeiro susto:

“- Vossa Majestade gostou do “mohur”? ”

“ – Achei o mais alto tremendamente atraente !”

E convoca os dois indianos para sua criadagem particular durante todo o Jubileu.

Estamos em 1887 e a Rainha Victoria tinha 68 anos. Aquela troca de olhares durante o banquete fora o primeiro passo para uma relação íntima e duradoura que, por 14 anos, uniu a soberana com um simples indiano muçulmano, escrevente de uma prisão em Agra. Porque Abdul tinha tudo que a rainha precisava. Caloroso, doce e servil, falava bem e contava histórias que abriram um mundo para aquela senhora deprimida, gorda, cujos olhos não brilhavam há muito tempo. Ela o fez seu “munshi”, professor e guia espiritual.

E era tanta a intimidade dos dois que os ciúmes e a repulsa racista da corte interferiram cruelmente quando Victoria morreu em 1901. O filho Bertie (futuro Eduardo VII) e a família real fizeram desaparecer todos os indícios dessa relação, que ficou totalmente esquecida por 100 anos.

O roteiro do filme, escrito por Lee Hall, baseou-se no livro de 2010 do jornalista indiano Shrabani Basu que pesquisou e encontrou os diários de Abdul.

Aquela que foi a rainha com o mais longo reinado do Império Britânico, aparece aqui como uma inesperada figura nada politicamente correta, que ansiava por um pouco de calor humano, que era tudo que ela não tinha, rodeada que estava de pessoas frias que apenas exerciam suas funções bem remuneradas enquanto esperavam que ela morresse.

Comovente.

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Gabriel e a Montanha

“Gabriel e a Montanha” Brasil, 2017

Direção: Fellipe Barbosa

Na bela cena de abertura, com uma paisagem deslumbrante, ficamos sabendo o final da história trágica de Gabriel Buchmann, jovem economista que viajava por um ano pelo Oriente e África, em 2009, antes de começar seu doutorado sobre a pobreza no mundo, nos Estados Unidos.

Seu corpo é encontrado numa reentrância da rocha do Monte Mulanje no Malauí, 19 dias depois de seu desaparecimento, durante uma descida, sozinho, após atingir o cume. Morreu por hipotermia.

Ao longo do filme vamos percebendo que o que Gabriel (João Pedro Zappa, ótimo ator) tinha de simpatia e alegria de viver, tinha também de teimosia e arrogância. Apesar de avisado de que o lugar era perigoso, resolveu subir sozinho, mal trajado para o frio intenso e sem notar que a neblina poderia ser a sua pior inimiga, escondendo as sinalizações pintadas nas pedras.

Gabriel tinha pressa. Subiu assobiando e pulando de pedra em pedra, como se aquele fosse um lugar conhecido.

Por que? Foi descuido? Ignorância? Onipotência?

Essa pergunta ninguém pode responder. Inclusive porque poderia ter havido uma vontade inconsciente de não voltar.

Fellipe Barbosa (“Casa Grande”), colega de escola de Gabriel, resolveu fazer dele seu personagem, recriando seus últimos 70 dias. Refaz o trajeto dele por 4 países, que são os 4 capítulos do filme.

No capítulo 1, no Quênia, vemos Gabriel, o único “mzungu” (Branco) à vista, vestido como se fosse um habitante local, com o pano em volta do corpo e sandálias feitas de borracha de pneu. Recusa-se a ser visto como um turista. Mas fala inglês. Tem pouco dinheiro. Sua simpatia faz com que todos se aproximem dele, adultos e crianças. Divide a cama e comida com seus novos amigos. E está feliz.

“- É a viagem que eu idealizei fazer. Autossustentável.”

E no capítulo 2 o projeto é subir o Kilimandjaro, a mais alta montanha da África com quase 6.000 m, na Tanzânia, junto da fronteira com o Quênia. John Goodluck, o guia de Gabriel, diz que serão 5 dias mas Gabriel acha que dá para fazer em 4.

“- Por que tanta pressa?”

“- Tenho coisas para fazer. Semana que vem vou pegar minha namorada em Dar El Salom.”

À noite seu sono é agitado. Tosse muito.

Algum tempo depois, quase no topo, Gabriel sente cansaço e quer descer, Goodluck o ampara até o alto. Ele respira com dificuldade. Primeiro sinal que seu preparo físico não era bom, que a saúde fraquejava.

Mas Gabriel não presta atenção e lá vai ele fazer safári com a namorada Cristina (Carolina Abras, excelente) no jipe do guia Rashid. E uma briga entre eles, levanta outro ponto dessa história cruel:

“- Você veio se esconder na África quando todo mundo se desiludiu com você”, diz Cris, aludindo ao fato dele ter sido recusado em Harvard.

“- Não estou fugindo de ninguém. É a viagem dos meus sonhos”, retruca Gabriel.

Capítulo 3 na Zâmbia, as cataratas, Victoria Falls. Os dois curtem o lugar fotografando e namorando. E Gabriel perde tempo num café com internet e os dois perdem a hora de um passeio com elefantes e um “bung jump” no último dia de Cris na África.

O diretor usa só dois atores profissionais, os outros são pessoas que conviveram com Gabriel e que falam sobre ele em “off”.

Como é difícil aceitar que Gabriel executou um plano inconsciente de morrer na África. Mas tudo pode também ter sido um acaso. Acontece.

Aliás o que importa é que Gabriel realizou uma viagem de sonho em sua curta vida e estava feliz.

Curta ou longa a vida, a morte é sempre certa.

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