Sem Amor

“Sem Amor”- “Nelyubov”, Rússia, França, Bélgica, Alemanha, 2017

Direção: Andrey Zvyagintsev

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Há uma beleza calma nas paisagens invernais que abrem o filme. Mas na natureza humana os invernos são espaços internos secos, duros, gelados. Quando uma relação afetiva chega a esse ponto, morre. Talvez haja a esperança de renovação de afeto em outro lugar, com outro parceiro.Talvez.

A câmara mostra a saída da escola. Crianças partem sozinhas. Uma ou outra tem a mão de uma mãe para segurar ou a de um pai que aproveita para passear o cachorro da família.

Alyosha (Matvey Novikov), 12 anos, não volta direto para casa. Anda pelas margens do rio onde crescem grandes arvores. Encontra uma fita amarela e brinca com ela. A fita é daquelas que a polícia usa para isolar o local de um crime.

Arrepiados na plateia, sentimos um mal estar.

Quando o garoto chega em casa, a mãe Zhenia  (Maryana Spivak) não faz nenhuma demonstração de afeto. Fria, distante, briga com ele por causa de seu quarto desarrumado. Pessoas vem visitar o apartamento que está à venda.

O pai Boris (Aleksey Rozin) quando chega, também não olha para o filho. Começam uma grande briga. Discutem o destino do filho.

Percebe-se claramente que o filho é um peso em suas vidas. Querem resolver a situação cada um jogando a responsabilidade sobre o outro. Finalmente, a mãe vence com a proposta de mandá-lo para um colégio interno:

“- Vai ser bom para ele. De qualquer forma depois vem o exército.”

Alyosha escuta, em lágrimas silenciosas e escondido, a decisão sobre o seu destino. Rosto congelado de dor, sem emitir um único som, ele é a imagem da devastação interna. Crianças precisam de pais, mesmo inadequados. Alyosha não tem ninguém. O mundo para ele é um deserto, onde ele se perde, impotente.

Tanto a mãe quanto o pai do menino já refizeram suas vidas e não escondem a pressa em vender o apartamento e se livrar do filho.

Mas é nesse momento que acontece o inesperado. O garoto sumiu. Não foi à escola por dois dias seguidos. A mãe recebe o telefonema e avisa o pai. Este fica relutante em sair do trabalho para ir com a mulher na delegacia. Mas acaba indo.

Nenhum dos dois sabe o que aconteceu com o filho. Dormiram fora com seus novos parceiros e não pensaram no menino. Na entrevista na polícia fica claro que pouco sabem sobre o filho, seus amigos e lugares preferidos.

Um grupo de voluntários começa as buscas.

Frente a um lago, o pai pergunta se não vão procurar ali.

“- Procuramos pessoas vivas…”, responde o encarregado.

Como será o final dessa história sem começo feliz? Fica claro que o menino é fruto de uma gravidez inesperada e de um casamento às pressas.

Há uma secura, um egoísmo monstruoso nesses personagens que só pensam em si mesmos e suas vidas refeitas. Só procuram a polícia para manter a imagem perante os outros.

Com os novos parceiros haverá uma esperança de mudarem? Parece que o diretor Andrey Zvyagintsev  (“Elena” e “Leviathan”) não aponta nessa direção.

Zhenia nos olha com um olhar que continua vazio de afeto, apesar de dizer que ama o seu companheiro. E Boris trata seu filho pequeno com a mesma indiferença com que tratava o outro.

O fato é que os personagens de “Sem Amor” querem preencher um vazio interior mas não sabem como. E claro que não é só na Rússia que vemos pessoas assim. Nossa cultura, voltada para a realização de desejos materiais, cada vez mais se esquece da necessidade de promulgar a solidariedade entre as pessoas. E isso se aprende em casa.

“Sem Amor” foi indicado para a lista dos cinco filmes que concorrem ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

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A Forma da Água

“A Forma da Água”- “The Shape of Water”, Estados Unidos, 2017

Direção: Guillermo del Toro

Águas verdes fazem dançar as algas em torno a uma casa submersa. Ouvimos em “off” a voz de um narrador que quer nos contar a história de uma princesa muda. Na sala da casa debaixo da água, uma moça sonha com algo agradável. Seu rosto mostra isso.

Será a princesa que não fala? Ela flutua mas, aos poucos, vai descendo para o sofá. A voz do narrador fala de um monstro que vai aparecer.

De repente ela acorda. Já é hora de ir trabalhar. Mas antes, ela se deixa levar para um mar de delícias, na água de sua banheira. É o seu elemento e o seu prazer. Sem isso não daria para começar o dia.

Mas o que são aquelas estranhas marcas em seu pescoço? Sobre isso paira um segredo só dela. Sabemos que foi abandonada ainda bebê e vivera num orfanato desde então.

O vizinho (Richard Jenkins) desempregado e prestativo é seu único amigo. Ele também tem seus segredos. Por que insiste em adorar aquelas tortas enjoativas que ele vai saborear olhando com um brilho nos olhos para o rapaz que fica atrás do balcão?

Bem, Elisa (Sally Hawkins, esplêndida) não é de condenar ninguém. Não se incomoda com as manias do vizinho. E convidada a provar a iguaria, discretamente cospe a gororoba no guardanapo.

No trabalho dela, uma base do exército americano, faz par com Zelda (Octavia Spencer) que a protege sempre que pode.

Olhando bem, aquela mocinha aérea não parece que pertence a esse mundo.

Como ela é só muda, escuta bem as pessoas mas não é compreendida pela maioria. Sua personalidade doce é confundida com ingenuidade. Mas não se enganem. Ela sabe ser combativa e lutar pelos seus desejos.

E tudo vai mudar para melhor, e também para mais perigoso, quando o sádico agente (Michael Shannon) traz um tanque para o laboratório de pesquisas.

Aprisionaram um ser que vivia nas águas amazônicas. Lá ele era venerado como um deus. E o que querem dele?

Tudo é segredo. Porque os russos estão à espreita para roubar as descobertas dos americanos. É a Guerra Fria e todo cuidado é pouco. Qualquer um pode ser o inimigo, acreditam os militares e aquele agente mau concorda.

Elisa vai viver dias de céu e inferno, perdidamente apaixonada por seu príncipe submarino, que ela descobriu no tanque ultra secreto.

Só ela pode salvá-lo de um destino cruel.

É nesse tom de contos de fada que o diretor e roteirista mexicano Guillermo del Toro nos envolve em “A Forma da Água”. Ele sabe criar uma atmosfera ambígua, ao mesmo tempo infantil e adulta, cheia de alusões aos males do nosso tempo, como o racismo, o preconceito, o julgamento apressado, a paranoia e a maldade pura e simples.

A produção de arte se esmera nos detalhes que acompanham a trama. Os cenários, os figurinos dos personagens, a trilha sonora inesquecível de Alexandre Desplat, tudo nos carrega ao mundo dos anos 50, com um charme todo especial. Há até uma homenagem ao cinema do pós guerra, preto e branco, cheio de danças e músicas.

E quando ouvimos a divina Renée Flemming cantando “You’ll never know”, já estamos todos fisgados na torcida  por Elisa e seu príncipe submarino (Doug Jones).

É tão bom quando tudo que se passa na tela nos envolve e não vemos o tempo passar. Sonhamos o sonho dos personagens e não queremos acordar.

“A Forma da Água” consegue tudo isso em duas horas de uma história de amor bem contada.

O filme é candidato certo a vários prêmios. Começou a coleção com o Leão de Ouro em Veneza.

Vocês vão gostar.

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