Corra!

“Corra!”- “Get Out”, Estados Unidos, 2017

Direção: Jordan Peele

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Confesso que quase perdi esse filme. Quando passou por aqui, a chamada era para um filme de terror e não costumo ver esse gênero, com raras exceções.

Mas quando percebi que estava entre os 9 indicados ao melhor filme do ano no Oscar, corri atrás. E só hoje, dia da 90ª edição do prêmio é que eu posso dar razão à Academia. Acabei de ver “Corra!”.

O filme não é exatamente do gênero terror mas um suspense muito bem feito, com tintas de “thriller” psicológico e ficção científica. E o enredo é esperto e envolvente, podendo suscitar várias questões sobre o racismo, principalmente o americano, a brutalidade do ser humano, a esperança da perfeição do corpo e da mente, a sobrevivência e a vida mais longa a qualquer custo.

A ciência a serviço do aperfeiçoamento da natureza é um tema recorrente na literatura e no cinema e é esse o caminho que inspirou o talentoso diretor e roteirista Jordan Peele.

Tudo começa com uma cena noturna. Um homem negro numa rua de um bairro de classe média alta branca, começa a ficar assustado quando não encontra o endereço que procura. A rua está deserta e escura. Um carro branco estaciona ao longo da calçada onde ele anda e vê-se o medo nos olhos dele. Um homem com um capacete sai do carro e ataca o negro, arrastando-o para a mala do carro. Sai em disparada.

A cena muda completamente para mostrar o apartamento acolhedor de Chris Washington (Daniel Kaluuya, excelente ator britânico), que é fotógrafo. Ele namora uma branca, Rose Armitage (Allison Williams) e vão passar o fim de semana na casa dos pais dela.

“- Você contou que sou negro? ”

“- Não, mas meus pais não são racistas. Você vai ver. Eles votariam uma terceira vez em Obama, se pudessem”

E lá se vão eles pela estrada, ela guiando e conversando. Inclusive, Chris liga no celular para o amigo (Lil Rel Howery) para certificar-se que ele vai tomar conta do cachorro.

De repente, o carro bate em algo. Um cervo foi atingido e sumiu de vista. Assustados, param o carro. Sangue e vidro quebrado. E Chris escuta o lamento do animal que está mortalmente ferido. Num estado alterado ele vai ver o pobre animal. E o espectador fica intrigado com a emoção desmesurada de Chris. Do que foi que ele se lembrou naquele momento?

Quando chegam na casa, os pais dela os esperam para dar as boas vindas ao casal. O pai (Bradley Whitford), neurocirurgião, leva Chris para conhecer a casa e a mãe (Catherine Keeler, ótima) psiquiatra, conversa com a filha.

A primeira nota estranha são os empregados negros da casa, herdados dos avós. Quietos e sorridentes mas parecem robotizados.

À noite, Chris não consegue dormir e sai no jardim para fumar. Leva um susto com o empregado negro que aparece correndo e quase o atropela. E quando entra na casa, a mãe de Rose o espera na sala. Com uma xícara de chá de porcelana e uma colher de prata, induz um transe hipnótico no rapaz que conta para ela sobre a morte da mãe por atropelamento e de como ficara em casa diante da TV sem saber de nada, não podendo fazer nada. Chora.

“- Você está com tanto medo…  Está paralisado como naquele dia. Afunde no chão. ”

E a cena fica surreal e linda. Ele flutuando no espaço sideral, um astronauta sem a roupa certa e a psiquiatra na TV, lá longe, como uma nave mãe.

“- Agora você está no lugar do Esquecimento ”, ele ouve ela falar.

Dia seguinte ele acorda e os convidados para a festa estão chegando. Estranhamente todos comentam algo sobre Chris e suas qualidades genéticas, beleza, força, bom gosto. Examinam o rapaz como se ele estivesse à venda. Como um escravo?

A partir daí tudo vai ficando mais claro e perigoso para Chris. E vamos nos envolvendo e temendo por sua vida.

O filme tem 4 indicações para o Oscar: melhor filme, melhor diretor, melhor ator, melhor roteiro original.

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Lady Bird – A Hora de Voar

“Lady Bird – A Hora de Voar”- “Lady Bird”, Estados Unidos, 2017

Direção: Greta Gerwig

Aquelas duas são tão iguais que precisam estar sempre brigando. Mãe e filha. Duas pessoas muito amorosas mas que não se deixam levar porque tem medo do que pode acontecer.

A filha, Christine, que se batizou “Lady Bird” é exagerada e se irrita porque o mundo que ela quer não existe. Ou talvez exista, fora de Sacramento, aquela cidadezinha sem graça onde vive, pensa ela. E por isso quer voar para bem longe. Nova York talvez. E, quando estiver lá, certamente vai sentir falta de Sacramento, da mãe, do pai, dos irmãos adotivos, dela mesma até, quando era mais ingênua e se decepcionava com as pessoas que punha num pedestal.

Greta Gerwig, 34 anos, única diretora na lista dos diretores indicados ao Oscar 2018 e quinta mulher a cumprir essa façanha, em seu primeiro filme, escrito também por ela, emplacou 5 indicações. Além de melhor filme, melhor diretora, melhor roteiro original, levou também a indicação de melhor atriz para Saoirse Ronan, a Lady Bird encantadora e detestável, às vezes, plena no papel que é escrito pela diretora com tintas autobiográficas e o de melhor atriz coadjuvante para Laurie Metcalf, ótima como a mãe que se desdobra em cuidados com os filhos, marido e o trabalho no hospital psiquiátrico e que tem que brigar com a filha para não abraçá-la e protegê-la de tudo e todos.

Quem viu “Frances Ha” de 2012 , que Greta Gerwig escreveu junto com o diretor Noah Baumbach, seu namorado desde 2011, revê a personagem em “Lady Bird” mas numa versão mais doce, mais menina, ainda não tão crescida, nem dona do próprio nariz. Está prestes a embarcar na aventura que a espera. Mas ainda não. Os passos de bailarina ainda são tímidos. Ainda virão os “grand jetés” pelas ruas de Nova York.

Pode ser que essa “Lady Bird”, seja produto da memória afetiva de uma Greta Gerwig que faz uma volta à Sacramento e vê tudo com olhos mais amorosos? Com saudades do tempo de menina?

“Lady Bird” é um filme que respira ansiedade e sinceridade. É bem provável que agrade mais às mulheres. Afinal, somos todas Lady Bird, mais ou menos parecidas com ela. Passamos todas no século XX por tudo isso que ela vive no começo do século XXI.

A adolescência é um período da vida que, visto de longe, parece simples e ingênuo mas como é sofrido. Todas e todos sabemos bem disso.

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