Baseado em Fatos Reais

“Baseado em Fatos Reais”- “D’Après Une Histoire Vraie”, França, Polônia, Bélgica, 2017

Direção: Roman Polanski

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Tudo começa numa sessão de autógrafos. Delphine (Emmanuelle Seigner, mulher do diretor) e seu último livro são um sucesso. Pessoas se apertam na fila e, quando chegam nela, são só elogios e admiração.

Mas algo errado acontece com a escritora. Parece que se sente mal e pede para interromper os autógrafos.

Longe da multidão, uma moça sedutora (Eva Green) dirige-se à autora:

“- Só um último autógrafo para a sua maior fã? Vim de tão longe…”

Começa ali um jogo misterioso que prende o espectador.

Vamos ver Elle, a fã e Delphine, a escritora, enredadas num relacionamento sutilmente sadomasoquista, desde o princípio.

Delphine está estressada porque o livro difícil que escreveu sobre a mãe incomoda também alguém que começa a enviar cartas anônimas, acusando-a de denegrir a família, de não ser boa mãe, de ser interesseira e ganhar dinheiro às custas dos outros. Essas cartas são a gota d’água e jogam Delphine numa depressão séria.

Por causa disso, não dorme bem e está com um bloqueio criativo. A página em branco do computador torna-se um campo minado que ela não ousa tocar. Chega a tal ponto que vemos ela sufocar, abrir a porta do terraço e debruçar-se perigosamente. Tememos por sua vida.

Além de tudo isso, seu companheiro (Vincent Perez), que tem um programa de televisão, onde entrevista autores literários, foi viajar por três semanas. Ela está sozinha. Frágil e vulnerável.

Presa fácil para Elle? O que quer aquela mulher? De boa ouvinte simpática, passa a cobrar que a autora escreva seu “livro escondido”. Por que não escreve sobre si mesma?

E quando Delphine pergunta a mesma coisa para Elle, que é escritora-fantasma de celebridades, ela diz que sua vida é desinteressante, sem marido, filhos, nem família.

Quando Elle invade o apartamento da outra, a coisa fica ainda mais fascinante e perigosa porque ela passa a comandar a vida de Delphine, como se fosse a parte dela que toma as decisões.

O roteiro, escrito por Olivier Assayas e Polanski, adaptação do livro de Delphine de Vigan, de mesmo título que o filme, é esperto e sabe fazer crer no que vemos, enquanto esconde a verdadeira situação entre as duas mulheres. Aliás, o filme é delas. Atrizes soberbas, elas facilmente capturam o espectador na armadilha psicológica da história.

A música de suspense do grande Alexandre Desplat, recém oscarizado por “A Forma da Água”, ajuda a criar um clima denso, perigoso e assustador. Um pesadelo? Mais. Um surto.

Um filme inteligente que sabe prender o espectador.

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Jogador No 1

“Jogador No 1”- “Ready Player One”, Estados Unidos, 2018

Direção: Steven Spielberg

Estamos no futuro, 2045. A realidade da humanidade, se julgarmos por aquilo que vemos, é pobre e suja. Estruturas metálicas enferrujadas servem para empilhar “trailers” onde as pessoas moram.

“Drones” entregam comida. E, dentro das moradias acanhadas, vemos quase todo mundo usando óculos e mesmo roupas especiais, que criam uma realidade virtual.

Um garoto, Wade Watts (Tye Sheridan) nos conta que nasceu em 2027, época dura, onde todos lutavam pela sobrevivência. Seus pais morreram e ele foi morar com tia Alice. E acrescenta:

“- A realidade que vivemos é deprimente. Por isso todo mundo quer fugir para a realidade virtual. ”

Ele também nos conta que James Halliday (Mark Rylance) inventou um mundo virtual, o Oasis, onde todos podem fazer o que quiser e, melhor, ser quem quiser ou seja, os avatares. Mas tudo tem um preço e as moedas vem dos games, quando se ganha.

“- Ele era como um deus “diz Wade.

Ficamos também sabendo que, antes de morrer, Halliday, dono da Oasis, escondeu um “Eastern Egg – Ovo da Páscoa” em seu mundo virtual. Para chegar a ele será preciso encontrar três chaves, cada uma com um pergaminho que traz indicações enigmáticas. Quem chegar primeiro ao Ovo herdará a enorme fortuna de Halliday e o próprio Oasis.

O mau caráter é Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn) de uma multinacional que quer ficar dono da Oasis e persegue Wade e seus amigos Aech (Lena Waite) e Art3mis (Olivia Cooke), uma garota corajosa que vai mexer com o coração de Wade.

Steven Spielberg, 71 anos, baseou-se no livro de ficção científica de Ernest Cline de 2011 e recriou em imagens fantásticas o mundo virtual onde a humanidade prefere viver. Fogem todos assim de seus problemas reais,  divertindo-se com tudo que o mundo surreal de Oásis fornece. Em especial, muita adrenalina.

A cultura pop dos anos 80 é o material para a criação desse mundo fantástico dos games, que tem alusões ao cinema de Stanley Kubrick (“O Iluminado”1980), Robert Zemeckis (“Volta para o Futuro”, a trilogia de 1985, 1989 e 1990), “Saturday Night Fever- Os Embalos de Sábado à Noite”, personagens como o King Kong, Godzilla, Tiranossauro e Chucky e músicas de Van Hallen, George Michael e Blondie. E muito mais, claro. Não dá para perceber tudo porque o clima do filme é estonteante.

Há também alusões a personagens de antigas lendas e mitos: o nome do avatar de Wade é Parzifal, que com a mudança de uma letra é o nome do Cavaleiro da Távola Redonda que encontrou o Santo Graal e Art3mis, avatar de Samantha, amiga de Wade, soa como Ártemis, outro nome da deusa Diana, a caçadora.

Confesso que nunca joguei um vídeo game. Não sou dessa geração. Nos anos 80 a gente se divertia com a realidade que nós mesmos criávamos ou fugia também, mas através de drogas.

Spielberg, nesse filme barulhento, que deixa a mente zoando de tanta ação e cheio de surpresas, tem o grande mérito de chamar a atenção da moçada ligada em games o tempo todo, que viciam como uma droga, para o fato de que a vida acontece na realidade real, único lugar onde se consegue fazer mudanças consistentes que levam a progressos.

Incrível mesmo é o talento e a imaginação desse grande cineasta que assinou “The Post” no ano passado, um filme histórico importante que entrou na lista dos melhores do ano e agora nos brinda com essa fantasia extraordinária.

Parece normal para quem fez “Tubarão” em 1975 e “Contatos Imediatos de Terceiro Grau” em 1977, “Parque dos Dinossauros” e “Lista de Schindler”, ambos em 1993 e ainda “Resgate do Soldado Ryan” em 1998, “Cavalo de Guerra” em 2011, “Lincoln” em 2012 e “Ponte dos Espiões” em 2015, para só citar alguns da premiada e admirada filmografia dele.

Grande Steven Spielberg.

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