Os Fantasmas de Ismael
“Os Fantasmas de Ismael”- “Les Fantômes d’Ismael”, França, 2017
Direção: Arnaud Desplechin
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Fantasmas do passado atormentam Ismael (Mathieu Amalric, ator fetiche de Desplechin), diretor de cinema que precisa exorcizá-los, transformando-os em personagens. O criador e suas criaturas.
Mas não é tão fácil assim. Porque tais personagens, como são fantasmas do passado, pouco a pouco enlouquecem Ismael. Escapam das visões imaginadas pelo cineasta e começam a ser eles mesmos. Que é do que tem mais medo o diretor. Não quer jamais confrontar-se com a realidade, que provavelmente não é tão maligna quanto o acusam suas culpas alucinadas. Ele se vê num espelho torto.
Mas cedo ou tarde ele vai ter que enfrentá-los ou fugir e enlouquecer.
Por isso, alguns criticam o filme de Arnaud Desplechin (um diretor respeitado na França) vendo caos e confusão em seu roteiro. O que esperavam quando alguém é assaltado de dentro pelos seus fantasmas terríveis?
Mais que caos e confusão o filme induz intriga.
A única personagem que escapa dessa sina é Sylvie (Charlotte Gainsbourg), uma astrofísica que cuida de um irmão com problemas que quer salvar o diretor daquela encrenca, que ele piora bebendo muito, fumando sem parar e tomando pílulas para dormir e para acordar. Ela vai fazer ele voltar ao trabalho no filme, sem se enredar com seus personagens.
E, na casa da praia, ela estava conseguindo isso até a chegada de Carlotta (Marion Cotillard, magnífica), a primeira mulher de Ismael que renasce das cinzas em um belo dia, depois de desaparecer por 21 anos sem deixar vestígios e reaparece, bela como sempre, como que por um encanto. Teve que ser considerada ausente para efeitos legais e já era tida como morta sem sepultura para o marido e para o pai, também diretor de cinema (Lazlo Szabo). Sendo que os dois a adoravam.
Carlotta conhece seus poderes de sedução e diz claramente para Sylvie que voltou para reaver o marido. Banca a vítima ou diz a verdade?
“- Você consegue sobreviver sem ele. Eu não. ”
Outro dos fantasmas é o irmão menor de Ismael, Ivan, que se torna diplomata e vai parar no Oriente, Egito, onde uma trama de espionagem se desenrola.
Mas, isso pouco importa. O filme dentro do filme é o que menos interessa. Serve para mostrar apenas as dificuldades do diretor em se esconder por trás de tramas de ficção quando o que o atormenta é a realidade que ele viveu.
Ismael e Ivan, os dois irmãos que se estranham, ambos não conseguem dormir por causa de pesadelos. Podemos imaginar a vida que tiveram e os traumas que afloram à noite como sonhos maus. Para a psicanálise sonhar é essencial, mesmo que não lembremos dos sonhos ao acordar. Já pesadelos não são sonhos. São intromissões de culpas inconscientes geradas por um superego cruel.
É claro que todos temos pesadelos de vez em quando. Mas Ismael evitava dormir porque lá vinham os terrores do pesadelo e tomava pílulas e trocava o dia pela noite. E isso também acontecia com Ivan que encontrou um nome para isso: Sindrome de Elsinore.
“- O nome do Castelo de Hamlet ? “pergunta a namorada.
Talvez o principal fantasma dos dois irmãos fosse o pai.
O elenco maravilhoso como as já citadas Marion Cotillard, Charlotte Gainsbourg e Louis Garrell e Alba Rohrwacher são um prazer e prova do prestígio do diretor Arnaud Desplechin.
Um filme que deu o que falar em Cannes, onde abriu o Festival do ano passado, dividindo as opiniões.