A Época da Inocência

“A Época da Inocência”- “The Age of Innocence”, Estados Unidos, 1993

Direção: Martin Scorsese

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Nova York, nas décadas finais do século XIX, era uma festa para uma rica aristocracia que em tudo imitava os ingleses. Os antigos colonizadores eram o modelo, seguido à risca, mas nunca igualado, talvez pela ostentação desnecessária e certamente pela falta de tradição.

A cena de abertura do filme acontece durante a ópera à qual poucos prestam atenção. Afinal, vestiram-se com primor e as joias das mulheres brilhavam na meia luz do teatro. Sendo assim, os binóculos mais se voltavam para a plateia do que para o palco.

Naquela noite, a grande novidade era o reaparecimento da Condessa Olenska que se casara na Europa e agora voltava para a América. Irá separar-se do Conde? É o que todos se perguntavam.

O divórcio era permitido por lei em circunstâncias comprometedoras para as mulheres e não era bem visto, nem aceito pelas famílias mais tradicionais.

Mas claro que no caso da bela Ellen, que pertencia a uma das mais influentes famílias daquela sociedade fechada, cabia aos interessados decidir o destino dela. A Condessa (Michelle Pfeiffer, belíssima) era uma mulher que buscava a liberdade, desdenhando das convenções rígidas que pautavam o comportamento de todos. Mas também queria preservar sua imagem aos olhos da sociedade, que não abertamente, ela desprezava. Ellen, que defendia a maior liberdade na intimidade, curvava-se mais do que queria ao que diziam os outros.

Archer Newland (Daniel Day Lewis, excelente), um jovem advogado atraente, foi falar com a noiva, May Welland (Winona Ryder) que estava num camarote com a mãe (Geraldine Chaplin) e a prima Ellen. Ele ficara visivelmente atraído pela recém chegada.

Era aquela a noite do baile dos Beaufort, imperdível, com seu salão de baile usado só nessa ocasião. E com que requinte. Várias saletas adornadas com obras de arte que mostravam a riqueza da família tinham que ser atravessadas para chegar ao salão.

No baile, Newland insiste que quer anunciar o noivado mas May o convence que não ficaria bem. Ademais, diz ela, já contara para todas as amigas, inclusive para a prima Ellen.

May é bonita mas juvenil e conservadora, em tudo obedecendo às regras não escritas daquela sociedade. Mas, dissimulada, saberá manipular os acontecimentos a seu favor.

Newland vai se apaixonar perdidamente pela Condessa mas esta tem seus segredos e subterfúgios. Não se sabe qual vai ser seu próximo passo. E esse amor proibido parece ter impedimentos intransponíveis. A obediência à tradição será o único obstáculo?

Através das relações sociais vemos que a decadência começa a esgarçar a malha que une as famílias tradicionais. Novos ricos conseguem lugares antes ocupados só pela tradição, que passa a casar-se com o dinheiro.

Martin Scorsese assina um filme de bom gosto, com produção de arte impecável. Figurinos elegantes, com detalhes que conseguimos ver só de relance, deram um Oscar a Gabriella Pescucci. A decoração das mesas é um capítulo à parte com louças, cristais, toalhas bordadas e flores requintadas. Nova York do fim do século XIX é recriada com esmero.

A voz expressiva de Joanne Woodard faz a narração nos momentos em que isso é necessário.

O cineasta que adaptou o livro de Edith Warthon (1862-1937) com Jay Cooks, trabalhou também na montagem final desse filme que é um clássico do cinema. E que não envelheceu nada em seus 25 anos de existência.

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Paraíso Perdido

“Paraíso Perdido”, Brasil, 2017

Direção: Monique Gardenberg

Uma cortina vermelha iluminada e um bolero romântico são a apresentação sedutora do filme que vamos ver.

O grandão Erasmo Carlos docemente apresenta seu cabaré:

“- Esqueçam a vida lá fora e sejam felizes aqui no Paraíso Perdido, lugar para aqueles que sabem amar. “

Mas a cena corta para um “flashback” que só vamos entender depois. Uma mocinha grávida, com o rosto machucado, dá um tiro em alguém que está numa cama, flagrada por um menino que se esconde.

Há um amor que exige vingança? Violência gera violência.

E somos reconduzidos ao palco onde canta Ímã (Jaloo) num vestido longo cor de rosa, peruca de cabelos escuros e franja. Doçura e sensualidade nos envolvem, atraídos pela voz suave. Olhares são trocados com um rapaz na plateia (Humberto Carrão) que segue o vestido rosa até a rua. Trocam beijos que vão se tornando mais quentes. Mas o rapaz empurra o objeto do seu desejo e foge.

E lá, no espaço fora do ninho, irrompe a violência covarde. No chão, Ímã, agredida por homens anônimos, é acudida por um anjo da guarda, como diz o avô José (Erasmo Carlos). Odair (Lee Taylor) é policial de dia e é contratado para proteger Ímã à noite.

Aparece outro tipo de violência, aquela que não admite o diferente que exerce o desejo proibido.

Aos poucos, vamos conhecendo a família de José: o filho Ângelo (Júlio Andrade) que canta tão bem as músicas de amor magoado é pai de Celeste (Júlia Konrad) que está grávida do namorado. Ângelo é também irmão de Eva (Hermila Guedes), que vai aparecer depois, mãe de Ímã. Seu Jorge faz o irmão adotivo.

O cabaré no Baixo Augusta é o refúgio dessa família que viveu e ainda vive dores de amores e violências. Mas há entre eles muita solidariedade e respeito. É como se nos ensinassem que cada qual precisa aprender a viver a própria vida e perdoar, porque o amor não existe sem desencontros. Nessa família, vítimas de todo tipo de violência apontam para a tragédia da vingança e a necessidade de perdão que quebra esse ciclo perverso.

Monique Gardenberg conseguiu reunir um elenco extraordinário e todos tem seu momento de protagonista. E a música romântica, de gosto popular, costura as histórias através das canções que são apresentadas no palco iluminado por cores de Almodóvar e David Linch. São sucessos como “De que vale tudo na vida” e “Todo sujo de batom” na voz bonita de Júlio Andrade, grande ator e até agora desconhecido como cantor. Ou “Amor Marginal” que Jaloo interpreta com um vestido prateado e peruca platinada num lindo visual, sem esquecer de “You’re so vain” sucesso dos anos 70 traduzido do inglês que virou “Você não vem”. Isso para não falar de Erasmo em “Quem tudo quer nada tem”, fazendo tão bem o personagem do avô e pai amoroso.

A luz de Pedro Farkas cria o clima de paraíso com cores delicadas e pinta de realidade o espaço fora do palco.

Os figurinos de Cassio Brasil são originais e vestem cada personagem de acordo com sua personalidade. Destaque para o paletó de veludo com rosas de Seu Jorge e a jaqueta de couro azul turquesa que veste Júlio Andrade e todos os visuais de Ímã.

Zeca Baleiro é dono da produção musical que ajudou a diretora a achar a trilha sonora ideal para o sonho dela.

Saímos felizes de “Paraíso Perdido”, um filme bem Brasil, que traz esperanças e nos encanta nesses tempos tão difíceis.

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