Não Olhe para Trás

“Não Olhe para Trás”- “Danny Collins”, Estados Unidos, 2015

Direção: Dan Fogelman

Oferecimento Arezzo

Al Pacino fazendo um “rock star” brega aos 75 anos (o filme é de 2015), com o cabelo pintado, cavanhaque, brinco e “foulard”, cantando canções bobas que agradam à plateia que tem a mesma idade dele, não parece ser um filme bom. No entanto, apesar dos clichês, é muito bom.

O filme é frouxamente baseado num fato real. O músico folk americano Steve Wilson recebeu uma carta de John Lennon, discordando do que ele tinha dito numa entrevista sobre o quanto o dinheiro pode prejudicar o talento de um compositor. Pois bem. Nesse filme o entrevistado é Danny Collins, que só vai receber a carta de John Lennon 40 anos depois que ela foi enviada.

No aniversário de Danny, sabendo que Lennon era seu ídolo, seu empresário Frank (Christopher Plummer, ótimo numa ponta) descobre a carta de Lennon para Danny e dá a ele como presente. Nunca Frank poderia imaginar o choque que provocaria. Não só pelo fato da carta ter sido escrita para ele, incentivando suas composições mas ainda por cima, ter mandado seu número de telefone oferecendo ajuda.

“- Como minha vida poderia ter sido diferente se eu houvesse recebido essa carta…” lamenta ele, entrando numa crise existencial daquelas.

E decide dar fim às drogas, à garota que era casada com ele e tinha idade para ser sua filha, aos shows e às canções bregas. À bebida não, porque ninguém é de ferro.

Frank tenta dissuadí-lo mas Danny está convencido de que as mudanças vão fazer bem a ele e, principalmente, ao filho que tinha e que nunca conhecera.

Prepara-se para esse encontro hospedando-se no Hilton mais próximo, a bordo de uma Mercedes vermelha com portas/asas de gaivota. E, para não perder o jeito, tenta seduzir a gerente do hotel, Mary (Annette Bening), linha dura, não tão jovem mas sempre sorrindo e, visivelmente encantada com o charme de Danny, apesar das negativas a seus convites para jantar.

Assistir ao filme é um programa delicioso. Além de Al Pacino vamos ver interpretações excelentes do filho (Bobby Cannavale), da nora (Jennifer Garner) e da netinha hiperativa.

Filmes que oferecem uma segunda chance a personagens decadentes são sempre sucesso se a emoção for dosada de maneira certa. É o caso de “Não Olhe para Trás”, um filme que agrada, eu diria, mesmo aos corações mais duros.

Ler Mais

Marvin

“Marvin”- Marvin ou La Belle Éducation”, França, 2017

Direção: Anne Fontaine

O close inicial é o de um rosto jovem se preparando em frente ao espelho, que somos nós, a plateia. É um ator. Finnegan Oldfield é Martin Clément, que já foi Marvin Bijou. Vai contar a história de sua vida, num cenário onde vemos um espelho d’água cor de sangue, uma escada e uma cadeira.

Apenas dois personagens nessa peça escrita pelo próprio ator. Ele e ela, sua mãe, interpretada pelo ícone do cinema e do teatro francês, Isabelle Huppert, que faz ela mesma.

Mas o filme dirigido por Anne Fontaine (“Agnus Dei” e “Coco antes de Chanel”) se inspira no livro de Edouard Bellegueule e não tem uma narrativa linear. Nossa compreensão da vida e da personalidade de Marvin, desde quando era um garoto entrando na adolescência até a idade adulta, é criada com “flashbacks” muito bem montados.

Assim, no início vemos um Marvin solitário, perseguido por garotos mais velhos que batem nele e o obrigam a atos contra sua vontade, passam batom em sua boca e o chamam de “viadinho”.

Também vemos sua ingenuidade e a vida que leva numa família pobre e tosca. Pai bruto, mãe distante e ignorante. Um meio irmão mais velho e também brutal e um irmãozinho menor.

“- Pai? O que é “viado”? Li no cartaz do ponto de ônibus. Escreveram “Viados Sujos.”

“- Você sabe. Um degenerado. Um doente mental. ”

E Marvin, anos mais tarde, pensa alto:

“- E eu me lembro que pensei então que eu não era louco. Se ser “viado” é ser doente mental, então eu não era “viado”, porque não era louco. ”

E o mesmo menino que sofria com o “bullying” dos mais velhos, na verdade era sensível, carente, alguém que não pertencia a esse ambiente brutal onde nascera e vivera até então.

E quando o desejo por um corpo masculino aparece nele na piscina da escola, olhando aqueles que o maltratavam, a mente de Marvin sofre com a incompreensão do que se passava com ele. Desejos contraditórios. Culpa.

Sua salvação vai ser as aulas de teatro e a nova diretora da escola que percebe o quanto aquele menino precisava de uma mão amiga.

Mas mais importante que tudo, Marvin precisava se conhecer e gostar de si mesmo. Aprender que ele não era o “errado”. Ele era apenas diferente dos outros meninos. Mas existiam os iguais a ele.

E Anne Fontaine dirige seu filme com inspiração e a dose certa de emoção, seguindo o caminhar de Marvin em direção a si mesmo.

A auto aceitação, mais difícil do que o papel de vítima, faz Marvin dar-se o nome de Martin e mudar de sobrenome. Bijou pra Clément, o nome da diretora que foi sua tutora e amiga.

E então, concluir em sua peça teatral autobiográfica que a realidade é subjetiva. E que, portanto, podia olhar também o seu passado e sua família com outros olhos.

Marvin conseguiu reinventar-se.

Ler Mais