A Balada de Buster Scruggs

“A Balada de Buster Scruggs”- “The Ballad of Buster Scruggs”, Netflix

Direção: Joel e Ethan Coen

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Um conjunto de seis histórias que se passam no Velho Oeste, com cenários grandiosos por onde circulam os homens à procura de dar sentido à sua existência, é o novo filme dos irmãos Coen. Foi premiado como melhor roteiro no Festival de Cannes.

Um livro verde, com o desenho de uma arvore morta e uma caveira de boi na capa, insinua o que vamos ver. São tempos de violência e a vida humana está sempre em perigo. Como os Coen são críticos irônicos, podemos começar a pensar que o lugar e o tempo escolhidos, de intensa selvageria, fazem uma alusão ao mundo como ele sempre foi e ainda é.

Não por acaso, o livro se abre com o desenho de um cemitério, antes da ilustração da primeira história, que dá nome ao filme,

Vestido de branco (Tim Blake Nelson), ele canta montado em seu cavalo. Ele se acha o máximo. Chega às raias da arrogância. Invencível com uma arma na mão. Não se dá conta de que vai encontrar o que procura.

Na segunda história, James Franco faz o cowboy que acha que vai ser fácil roubar aquela agência de Banco caindo aos pedaços, no meio do nada e com aquele gerente velhinho. Ele não sabe o que está para vir. Um arrogante distraído.

Na terceira história Liam Neeson vai de cidadezinha em cidadezinha apresentando um ator (Harry Melling) raro. Até o dia que a cobiça inspira uma troca e um crime.

Já na quarta história, um vale intocado e belo, cortado por um rio de águas cristalinas, vai padecer com a visita de um garimpeiro (Tom Waits) em busca de ouro. Basta aparecer um homem para tudo se complicar. A cobiça é má conselheira.

Na quinta, Zoe Kozan é uma moça sem família, numa caravana para o oeste que vai ter que tomar uma decisão difícil.

E o conjunto se fecha com “Mortal Remains”, a pitada de horror, com uma viagem de diligência que começa ao por do sol, caminhando em direção à noite e um destino certo.

As paisagens são espetaculares. O fotógrafo francês Bruno Delbonnel capta com talento o esplendor das Montanhas Rochosas na neve, a beleza das pradarias imensas onde pousam rochas enormes, os desfiladeiros estreitos e os vales verdejantes. Um apelo estético ao bom senso para a preservação da natureza e a saúde do planeta.

Quem conhece os Coen (“Fargo”, “Um Homem Sério”, “Bravura Indômita”, “Onde os Fracos não tem Vez”), sabem que eles estudam a natureza humana e não pregam moral mas mostram atos e consequências desses atos, com um humor peculiar.

Graças à Netflix podemos ver esse grande filme sem sair de casa. E revê-lo quantas vezes você quiser.

 

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Roma

“Roma”- Idem, México, Estados Unidos, 2018

Direção: Alfonso Cuarón

Num preto e branco que tem cinza, nácar e infinitos tons de negro, ladrilhos lavados com água e sabão abrem uma janela de luz no chão, que reflete o céu. Aquele avião, que aparece no espelho d’água, vai passar de tempos em tempos sobre aquela casa de classe média alta no distrito de Roma, Cidade do México.

Mas a janela de água de Cuarón, o diretor, produtor, roteirista, fotógrafo e editor de “Roma”, abre-se também para o seu próprio passado. Voltamos ao início dos anos 70, no México.

E convivemos com uma família: o médico Dr Antonio (Fernando Grediaga), e sua mulher Sofia (Marina de Tevira) tem quatro filhos Tonio, Paco, Sofi e Pepe, o menor, em quem o diretor se projetou, e a avó Teresa.

O casamento vai mal mas as crianças são cuidadas com carinho e doçura por Cleo (Yalitza Patricio, uma novata talentosa), que é uma mexteco, vinda do seu “pueblo”, que também cuida da casa com Adela (Nancy Garcia). As duas são amigas e moram num quarto na edícula. Acima é a lavanderia, com tanques e varais, onde as crianças também vem brincar. E o cachorro Borras late como todos os outros nos outros terraços vizinhos.

Buzinadas marcam a chegada do Ford Galaxy do Dr Antonio, que mal cabe na estreita garagem da casa.

Durante o almoço, o país se introduz com Paco, que conta que viu um menino jogar sacos de água num jeep do exército e morrer com um tiro na cabeça.

“- Que horror ”, diz Cleo que servia a mesa. É a única a se manifestar.

Depois, um longo plano sequência mostra Cleo e Adela correndo pelas ruas, rindo. Vão encontrar os namorados, Ramón e Firmin. Uma dupla vai ao cinema e Cleo e Firmin a um hotelzinho, onde Firmin, nú em pelo, faz uma demonstração de artes marciais. Ela, amorosa, o recebe na cama e engravida sem saber.

Cleo é a personagem central de “Roma”, embora esteja sempre meio de lado e quieta. É doce e ingênua. Ama as crianças da família e é amada por elas. É ela que as leva para a cama cantando no fim do dia e é ela que as acorda, cantando, para não perder a hora da escola. É como se fosse um membro da família.

Entretanto há um México violento nas conversas entre os empregados da fazenda, onde dona Sofia com os filhos e Cleo vão passar o Ano Novo. Na cozinha, falam em voz baixa sobre os que morreram, vítimas dos conflitos sobre terras. E vemos, pela janela da loja de móveis, onde estão Cleo e a avó Teresa, o massacre de Corpus Christi, como depois foi chamado, quando cerca de 120 estudantes foram mortos numa manifestação, pelo exército e as milícias.

Cleo vê com seus próprios olhos assustados, Firmin atirar num homem que entrara correndo dentro da loja. Só então se dá conta de que Firmin era da milícia e entende os treinos de artes marciais.

Cuarón introduz na história um tremor de terra, incêndio na floresta da fazenda, sinistros bichos empalhados nas paredes e a taça quebrada por Cleo. São sinais do que virá?

Não sabemos. Assim como escutamos com surpresa o menino menor, Pepe, falar de suas vidas “quando era velho” para Cleo:

“- Antes de eu nascer, você estava lá também. Eu era piloto de avião e desci de paraquedas. Outa vez eu era marinheiro num navio e não sabia nadar. Morri durante uma tempestade. ”

Reincarnação? Vidas Passadas? Fantasia?

A belíssima cena na praia com ondas ameaçadoras, faz Cleo entrar no mar, sem saber nadar, para resgatar as crianças levadas pela correnteza. Depois ela chora abraçada com elas e confessa uma culpa que estava enterrada em seu coração. Desabafa e pode voltar para casa com o olhar sereno.

Há cumplicidade entre mulheres também. Dona Sofia diz para Cleo:

“- Por mais que falem ao contrário, nós mulheres, sempre acabamos sozinhas…”

No espelho do passado de Alfonso Cuarón, Roma é Amor.

E quem fica assistindo ao filme durante os créditos descobre que a Cleo dele era Libo, a quem dedica o filme.

No final, vemos escrito na tela:

“Shanti, Shanti, Shanti”, uma palavra que vem do hinduísmo que quer dizer paz.

A mensagem é de Cuarón, idealizador desse filme raro, que já ganhou o Leão de Ouro em Veneza, tem três indicações para o Globo de Ouro, melhor filme do ano para a crítica de Nova York e Los Angeles e está na primeira lista de nove filmes selecionados para competir pelo melhor filme estrangeiro.

Muitos prêmios mais virão, com certeza.

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