Guerra Fria

“Guerra Fria”- “Cold War”, Polonia, 2018

Direção: Pawel Pawlikowski

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Um homem bonito, pianista e compositor, Wiktor (Thomasz Kot) e uma produtora, viajam pelo interior da Polonia pós guerra, 1949, com um microfone na mão. Gravam canções e sons de instrumentos próprios dos camponeses, para montar um show folclórico.

Uma visita de Wiktor a uma igreja em ruinas, com afrescos desbotados que mostram um rosto de olhos límpidos, prepara o tom melancólico da história que vai ser contada.

Na audição dos jovens que farão parte do grupo “Mazurka”, um olhar intenso se faz notar entre Wiktor e Zula (Joanna Kulig), jovem loura e bela que canta lindamente uma canção nada polonesa mas tirada de um filme russo. Ela é da cidade e tem um ar decidido mas enigmático.

Quando ouve que Zula esteve na prisão por atacar o pai que ameaçava a mãe dela, com uma faca, Wiktor parece mais interessado ainda por ela.

Zula torna-se a estrela da companhia que passa a cantar e dançar não mais o puro folclore da Polonia mas algo muito sovietizado. Como pano de fundo, agora é o rosto de Stalin que faz parte do cenário. E na plateia em Varsóvia, quando o grupo se apresenta, membros do partido lotam o teatro.

Zula e Wiktor são muito diferentes. Ele é reservado, talentoso mas se ressente da falta de liberdade na Polonia. Ela é uma força da natureza, impulsiva e desconfiada de tudo e todos. A paixão vai sofrer com esses temperamentos opostos.

Quando se apresenta uma oportunidade de fuga para Paris, 1952, ele espera por ela na rua de Berlim, no frio e na neve por horas. Mas ela não aparece.

E vai ser assim a vida desses dois que vão viver se desencontrando depois de encontros apaixonados.

A música talvez seja a melhor ilustração para entender como são diferentes. Wiktor vai tocar jazz, improvisando no piano seus estados de alma, num clube noturno em Paris e Zula vai continuar a cantar e dançar o falso folclore.

Numa dessas noites que se encontram pelo mundo ele diz:

“- Você precisa ter mais confiança em si mesma.”

“- Eu tenho confiança em mim mesma. Mas não tenho confiança em você”, responde ela.

A escolha de Wiktor é pela liberdade de exercer sua profissão e viver a vida. A de Zula é pela segurança de escolher algo que ela conhece, apesar de não lhe trazer felicidade. Ela sofreu mais do que ele.

E talvez Zula represente a Polonia espoliada de uma identidade própria, culpada por aceitar o jugo totalitário mas com medo e desconfiada de tudo. Paris vai ser melhor do que Varsóvia?

Pawel Pawlikovski (“Ida”) inspirou-se na vida de seus pais para escrever o roteiro e Lucas Zal ilumina a tela com imagens em preto e branco mais sombrias quando na Polonia e mais brilhantes quando em Paris. Uma tela negra separa os momentos de encontro desse casal que viveu intensamente coisas que a separação não consegue fazer esquecer.

Vão se amar a vida toda.

Pawlikovski ganhou o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes do ano passado e seu filme representa a Polonia na lista dos indicados a melhor filme estrangeiro no Oscar 2019.

Um filme romântico e triste.

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Cafarnaum

“Cafarnaum” - “Capharnaum”, Libano, 2018

Direção: Nadine Labaki

No tempo de Jesus, Cafarnaum era uma cidade na Galileia, onde ele pregou e curou doentes Em 665 d.C. foi destruída por um violento terremoto. Em 1894 o lugar onde a cidade estava foi adquirido dos beduínos, donos da terra, pelos franciscanos que, pacientemente, restauraram a cidade bíblica. O nome da cidade virou sinônimo de “cáos” em árabe.

Beirute, uma cidade esplêndida à beira mar, tem bairros onde impera a pobreza e a violência. Foi palco de guerras, tragédias e muito sangue derramado. Uma vista aérea mostra um lugar sem cores nem brilho, telhados improvisados, ruas estreitas, buzinas, balbúrdia, poeira e crianças nas ruas brincando de guerra com armas de brinquedo.

Zain, um menino mirrado de uns 12 anos, com ar decidido e sempre muito sério, rostinho amuado, vive com os pais e muitos irmãos num prédio caindo aos pedaços. Dormem no chão, estão mal alimentados e os menores vivem chorando.

Falta tudo naqueles cômodos sujos. Principalmente cuidado com as crianças. Pai e mãe não tem jeito para carinhos. São pessoas duras, sofridas e ignorantes. Fazem filhos sem responsabilizar-se por eles. Não sabem educar, só castigar.

Zain trabalha fazendo entregas dos comerciantes locais mas a família é sustentada pelo tráfico de Tramadol, uma droga que o menino compra sem receita na farmácia, inventando mentiras que são aceitas sem problemas.

Através de um estratagema original vendem a droga na prisão onde está o tio.

Zain tem uma irmã que ele adora, de 11 anos, Samar, que os pais querem vender ao filho do locatário do prédio onde moram. O menino tenta evitar a execução desse plano mas não consegue impedir o negócio.

É então que ele sai de casa, amaldiçoando pai e mãe. E vai viver seu inferno particular.

Em suas andanças perdidas na cidade, Zain encontra Rahil, uma etíope ilegal que tem um bebê e acaba ajudando ela, tomando conta de Jonas. Toda a atenção que nunca teve, Zain vai exercitar com esse bebê. Há cenas engraçadas e ao mesmo tempo angustiantes com as aventuras dessa dupla.

Mas o cáos não dá trégua e envolve cada vez mais Zain que, finalmente, é tomado pela ira.

Depois de muito penar, o primeiro sorriso de Zain emociona e é uma nota de esperança que levamos conosco, em meio a lágrimas.

Nadine Labaki, que aparece no filme como a advogada de Zain, ganhou o prêmio do Júri de Cannes e seu filme está na lista dos indicados para o Oscar de melhor filme estrangeiro.

“Capharnaum” mostra que sua diretora tem o olhar humanista que é tão necessário nos dias em que vivemos. Imperdível.

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