Tudo o que tivemos

“Tudo o que tivemos”-“What They Had”, Estados Unidos, 2018

Direção: Elizabeth Chomko

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O que são aquelas imagens um pouco desfocadas que passam na tela? Um carro antigo, um casal, ele levando ela nos braços, sorridentes. São memórias, lembranças de uma vida a dois. “What They Had”, o título em inglês, alude a algo que eles tiveram.

“- Um casamento para toda a vida”, diz o pai (Robert Foster) para a filha Bridget (Hilary Swank).

E agora a filha viera de longe, chamada pelo irmão Nicky (Michael Shannon) que quer resolver um problema da família Brickers. O que fazer com a mãe deles (Blythe Danner) que afunda na demência?

Na noite passada ela saíra, mal vestida para o frio, no meio da noite, sem que o marido percebesse. Sumira na neve que caia. Ele só entenderia o que acontecera quando vê as pegadas na neve. Onde ela estava?

Quando Bridget com a filha Emma (Vera Farmiga)  e Nicky chegam no hospital, o pai está bravo:

“- Por que chamou ela? Eu disse para não ligar. Sua mãe está ótima! Sabia que voltaria a fumar por causa daquele bar”, diz fuzilando o filho com os olhos.

Depois, os dois irmãos vão ao bar de Nicky conversar sobre o assunto que a trouxe a Chicago.

“- Ele está enlouquecendo, Bitty. Parece um fantasma. Ele vai ter que deixar ela ir para um lugar apropriado e esquecer essa besteira de viagem para a Flórida.”

E estende o folheto do lar para idosos para Bridget ver.

Ela parece relutante e pergunta:

“- E Rachel?”

Pronto. Não é só a mãe que tem problemas. Os relacionamentos afetivos dos filhos vão mal.

Por sua vez, a neta Emma só é carinhosa com a avó e trata mal a própria mãe.

Ou seja, o pai e a mãe desses dois irmãos tem um casamento sólido. E para sempre. Há crises? Mas o pai de Bridget e Nicky agarra-se à mulher dele e diz que melhor cuidador que ele não existe.

E ela, Ruth? Poucos momentos de lucidez que emocionam mas age quase o tempo todo como se fosse uma menina levada. Ela é a nota de humor nessa história, que não tem nenhuma graça, pensando bem.

O filme de estreia da até então atriz, Elizabeth Chomko, trata de família, casamento, velhice e amor.

Mesmo com a demência, Ruth sabe que é amada. O marido vive para ela. Dá para separar um casal assim?

Parece que os filhos vivem um problema insolúvel, existente antes da doença da mãe e do qual não tem consciência. É muito penoso ter inveja do amor dos pais. Tais filhos nunca se sentirão tão amados como gostariam de ser. No caso de Ruth e seu marido, eles tem algo muito precioso, um elo que os liga e une para sempre. Nicky e Bridget não tem nada parecido. Algum dia terão?

O roteiro da diretora é bem escrito, consegue olhar a demência de um outro ângulo e as atuações são convincentes.

Bom filme.

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Amanda

“Amanda”- Idem, França, 2018

Direção: Mikhael Hers

A vida é cheia de surpresas, boas e más. Quanto às primeiras, aceitamos naturalmente como se tudo fosse natural. Quanto às más, custamos a acreditar e não as aceitamos facilmente.

Os personagens desse filme, simples e tocante, vão viver uma experiência traumática para a qual não estão preparados. Aliás ninguém nunca está.

Somos apresentados a Amanda (Isaure Multrier), a garota loura, de cabelos compridos, corada e cheia de vida, através de seu tio David (Vincent Lacoste), que tem vinte e poucos anos. Ela espera na rua que ele venha buscá-la na escola. Está atrasado.

Quando chegam na casa dela, a mãe, Sandrine (Ophélia Kolb), fica brava com o irmão dela:

“- David, ela só tem 7 anos! Como você deixa a menina na rua sozinha?”

Mas já numa cena seguinte, Sandrine que é professora e mãe solteira, dança um rock animado com a filha. São muito próximas.

Aliás, o rock apareceu porque Amanda pergunta para a mãe o que significa o título do livro que ela está lendo: “Elvis left the building”.

Sandrine explica então que essa é uma expressão que significa que algo terminou. O locutor avisa no microfone para as fãs, ainda emocionadas pelo show, que podem ir embora. Elvis se foi.

Essa é uma nota antecipada de perda que as duas compartilham, sem saber que esse tema será central na vida de Amanda.

David ajuda Sandrine a cuidar de Amanda. Ele tem tempo livre, já que é corretor de imóveis e jardineiro, especialista em poda. Cuida dos parques, praças e ruas de Paris.

Amanda e David são mais como se fossem irmãos do que tio e sobrinha. Um irmão mais velho, divertido, para quem ela pode contar, por exemplo, onde esconde a comida que tira do prato quando a mãe não está olhando. Riem juntos.

Quando Lena (Stacy Martin) chega em Paris, a nova locatária de um apartamento em frente ao de David, ele fica encantado com ela. Logo estão trocando histórias de vida num barzinho.

Lena vem de Bordeaux, é professora de piano e procura alunos. David diz que vai ajudar a encontrá-los. E logo lembra de Amanda. Talvez ela gostasse de aprender a tocar piano com Lena, uma garota doce e bonita.

David, Lena, Sandrine e Amanda vão estar juntos num drama que vai marcar a vida de cada um deles de maneira diferente. Esse filme delicado vai fazer os personagens saírem da zona de conforto onde vivem e ter que encontrar novos e inesperados caminhos.

“Amanda” é um filme que, sem grandes pretensões, trata de temas trágicos do mundo em que vivemos. Nunca estamos preparados para enfrentar um choque do tipo que acontece no filme.

Mas a vida traz desafios nos quais às vezes perdemos, às vezes ganhamos. O importante é enfrentar e continuar seguindo, como ensina Mikhael Hers, o diretor e co- escritor do roteiro desse filme caloroso.

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